Direitos territoriais indígenas: uma interpretação intercultural (um resumo)

AutorJulio José Araujo Junior
Páginas133-241
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Direitos territoriais indígenas:
uma interpretação intercultural
(um resumo)
Sumário: INTRODUÇÃO; 1. A
INTERCULTURALIDADE COMO UM PROJETO
DESCOLONIAL; 2. UMA INTERPRETAÇÃO
INTERCULTURAL DE PROPRIEDADES; 3. AS
DIRETRIZES PARA UMA INTERPRETAÇÃO
INTERCULTURAL; 3.1 Diretriz número um: os
direitos territoriais indígenas como propriedades; 3.2
Direriz número dois: o permanente combate a uma
cidadania de segunda classe como justificação; 3.3
Diretriz número três: o protagonismo indígena nas
disputas interpretativas sobre os direitos territoriais;
CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
Introdução
Após três décadas de vigência da atual
Constituição, a oposição de grupos de interesse à
concretização de direitos territoriais indígenas tem
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levado à organização de diversas frentes para esvaziar o
seu conteúdo. Com frequência, as pressões sobre as
terras indígenas buscam fundamento na defesa quase
absoluta da propriedade privada e em projetos
extrativistas de desenvolvimento econômico. A presença
indígena é contestada por meio de papéis que descrevem
cadeias dominiais e registros cartorários, com a
pretensão de demonstrar a continuidade do domínio
sobre a terra, e a demarcação de terras é vista como um
obstáculo à geração de riquezas e a uma certa noção de
progresso.
Nesse contexto, a prática constitucional viabiliza,
assim, uma interpretação assimilacionista do texto
constitucional, como demonstra a adoção do chamado
“marco temporal” pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
no Caso Raposa Serra do Sol. Ao exigir a presença física
dos índios em suas terras em 5 de outubro de 1988, o
tribunal naturalizou as relações de dominação a que os
indígenas estavam sujeitos na ordem constitucional
anterior. Os impactos da Constituição sobre a afirmação
étnica e as reivindicações territoriais do presente, que
deveriam ser tratados de forma positiva em razão do fato
de a legislação assegurar direitos, receberam um
tratamento desconfiado, que encara o crescimento da
população indígena como prática fraudulenta.
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Por outro lado, a defesa dos direitos territoriais
indígenas segue apegada a uma visão histórica da
ocupação tradicional e de seu fundamento jurídico.
Teorias calcadas no direito natural ou no direito
originário, bem como na sua positivação por
documentos do tempo colonial, são extremamente
importantes, mas não justificam, de forma
constitucionalmente adequada, a densidade dos direitos
territoriais. Apesar de não ser indiferente à construção
histórica nem desconsiderar a importância da condição
originária, a Constituição de 1988 potencializa a
concretização desses direitos no presente. Aos índios são
garantidos os territórios que eles reivindicam atualmente,
a partir de sua autoidentificação, como resposta aos
processos de ativação da etnogênese59 em emergências
59 As etnogêneses consistem em processos de construção de uma
autoconsciência e de uma identidade coletiva e asseguram a “invenção”
das culturas, q ue ocorre por meio de estratégias adaptativas que as
sociedades subordinadas criam para sobreviver e para desenhar seu
próprio perfil. Para continuarem s endo o que são, devem deixar de ser
o que eram. Em muitas situações, a adoção de certos traços e práticas
externas não representam, assim, uma abdicação da identidade, mas sim
uma forma de negociação para garantir a sua perpetu ação, de maneira
a torná-la mais compatível com o que propõe a sociedade dominante.
Mais do que uma resistência à mudança, há um processo de adaptação
estratégica das comunidades nativas, que não se fixam como
remanescentes arcaicos do passado, mas como configurações dinâmicas
partícipes e criadoras do presente. As configurações étnicas atuais são
resultado deste processo, o que nem sempre guardará plena

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