Discursos parlamentares sobre a Amazônia: sobre o que falam os deputados brasileiros

AutorAntonio Teixeira de Barros
Páginas299-331
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020.e66962
299299 – 331
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Discursos parlamentares sobre a
Amazônia: sobre o que falam os
deputados brasileiros
Antonio Teixeira de Barros1
Resumo
O artigo analisa os discursos parlamentares sobre a Amazônia brasileira (2000-2017). O objetivo
é examinar como o tema foi tratado na arena legislativa, sob quais perspectivas e que argumentos
são acionados pelos deputados. O corpus compreende 2.778 pronunciamentos, que foram cate-
gorizados em 25 temas para a análise de conteúdo, com o auxílio do software NVivo. As princi-
pais conclusões mostram que o valor da terra como insumo para a produção agrícola e pecuária
é o argumento predominante nos debates, destoando do discurso internacional de viés orestal.
O debate é conduzido pela agenda do Poder Executivo, especialmente no que se refere aos
seguintes temas: desmatamento, clima, regularização fundiária, áreas de preservação e terras
indígenas. O discurso parlamentar dominante reforça a tese de antiecologismo do Congresso
Nacional, com um nítido alinhamento à perspectiva ambientalista liberal, voltada para a defesa
do agronegócio.
Palavras-chave: Amazônia. Meio ambiente. Discurso político. Discurso parlamentar.
1 Introdução
O artigo tem como objetivo analisar os discursos parlamentares sobre
a Amazônia brasileira no período de 2000 a 2017. As principais questões
investigadas são: “Como o tema foi tratado na arena legislativa? Quais as
temáticas que se destacam no debate parlamentar? Que argumentos são
utilizados pelos deputados? A escolha do debate parlamentar se justica
1 Doutor em Sociologia pela UnB. Docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciên-
cia Política do Centro de Formação da Câmara dos Deputados (Cefor). Orcid: 0000-0002-3061-8202.
E-mail: antonibarros@gmail.com
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pelo diagnóstico de que os estudos existentes até o momento são focados
nos discursos e ações do Poder Executivo” (BARROS, 2007).
O debate é fundamental na atividade parlamentar, pois é pelo parlare
que os sentidos da política são construídos cotidianamente (MIGUEL;
FEITOSA, 2009; MOREIRA, 2020). Ademais, o discurso “é um dos
meios pelos quais a política se materializa” (MOREIRA, 2016, p. 12),
contribuindo para a (re)produção de representações do campo político;
por essa razão, os discursos podem ser considerados “a alma do processo le-
gislativo” (PAIVA, 2006) e o parlamento “o lugar por excelência do debate
político e um palco aberto aos olhos do público” (LANDOWSKI, 1977,
p.123). O parlamento, portanto, é entendido como um campo discursivo
(BARROS, 2015a).
Para a execução da pesquisa, compilamos todos os discursos pronun-
ciados no plenário da Câmara dos Deputados sobre a Amazônia. O obje-
tivo é examinar como o tema foi tratado no debate legislativo, sob quais
perspectivas e que argumentos são utilizados pelos deputados. O corpus de
análise compreende 2.778 pronunciamentos, no período de 2000 a 2017.
O levantamento foi extraído do banco de discursos do portal da Câmara.
Não constam discursos anteriores ao período mencionado.
A classicação temática para a análise de conteúdo foi efetuada por
meio do NVivo, um software que “organiza e categoriza informações tex-
tuais”, de modo a identicar os termos mais recorrentes e “sistematizar
análises, facilitando uma rápida reexaminação dos dados” (SILVA; FI-
GUEIREDO FILHO; SILVA, 2015, p. 122). Os procedimentos metodo-
lógicos estão detalhados na abertura do item que apresenta a análise dos
pronunciamentos dos parlamentares sobre o tema em estudo.
2 A politização do debate sobre a amazônia
Apesar da relevância das questões econômicas, segundo Bryant e Bai-
ley (1997), nos fóruns internacionais de debate sobre meio ambiente tem
predominado a noção de ambiente politizado. Para os autores, encarar o
ambiente como algo politizado signica que os problemas ambientais não
são neutros, mas mediados por relações assimétricas de poder (BRYANT;
BAILEY, 1997). Além disso, as questões ambientais envolvem lutas sim-
bólicas em torno da denição e imposição de certos signicados, com im-
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 19 - Nº 46 - Set./Dez. de 2020
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plicações para os vários atores concernidos, em diferentes escalas, como os
contextos políticos locais, nacional e global.
Os autores consideram um interplay entre vários atores nas lutas de
politização ambiental: o Estado nacional, os organismos multilaterais, as
corporações transnacionais, o setor produtivo, as organizações não gover-
namentais, as entidades de base e os movimentos sociais locais. A politi-
zação do ambiente consiste, portanto, na ênfase de aspectos políticos do
debate, a m de instituir políticas da natureza (LATOUR, 2004). No caso
da Amazônia, essa politização ocorre em vários níveis: internacional, na-
cional, regional e local.
Segundo Bueno (2008, p. 84), nesse enquadramento de politização,
desmatamento e queimadas são “[...] representações articuladas em torno
do nó central ‘natureza’, pois se constituem em ações que provocam sua
destruição”. Para a autora, essa articulação permite que
[...] mesmo posições antagônicas operem dentro do mesmo quadro de representações. A
visão do grupo de empresários que vê a natureza como recurso a ser explorado e a do am-
bientalista, que a vê como bem a ser preservado, estão ambas referidas ao mesmo elemento
articulador central. (BUENO, 2008, p. 85).
O desmatamento é reconhecido como um dos principais problemas
no que se refere ao debate ambiental sobre a Amazônia brasileira, segundo
a abordagem da politização (FEARNSIDE, 2006). O desmatamento causa
vários prejuízos aos serviços ambientais oferecidos pela oresta, como a re-
dução da biodiversidade e dos estoques de carbono, além de comprometer
o regime de chuvas o ciclo das águas, fator indispensável para o equilíbrio
do bioma (FEARNSIDE, 2006).
A agenda da politização também produz silenciamentos, como no caso
da sociodiversidade, igualmente ameaçada pela perda de oresta, “já que
isto elimina culturas indígenas e extrativistas tradicionais, tais como serin-
gueiros” (FEARNSIDE, 2006, p. 395). Esse contraponto é reforçado por
Medina (2012), ao estudar como as comunidades locais se organizam para
tentar garantir seus direitos aos recursos naturais amazônicos, em perma-
nente conito com grandes investidores interessados na exploração escala
da terra para pastagens e nas demais fontes de recursos, como minérios,

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