A Distribuição do Exercício da Jurisdição e a Participação Pública Ambiental

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas389-414
389
1. As regras de competência jurisdicional como fator de facilitação ou
como obstáculo à participação pública ambiental mediante o processo
Verificada a necessidade de garantia da participação pública am-
biental mediante o processo, como tarefa política da jurisdição, compre-
endida a ampliação que tal tarefa trouxe à própria função jurisdicional
e demonstrada, finalmente, a legitimidade política do Poder Judiciário e
dos juízes para o desempenho da função jurisdicional nos moldes descri-
tos, impõe-se examinar, agora, em termos mais concretos, em que medida
a distribuição do exercício da jurisdição nas situações específicas, pelas
regras de competência1038, pode facilitar ou criar obstáculos à participa-
ção popular nessa matéria.
1038. A jurisdição, segundo se tem entendido, embora como expressão do poder do Estado seja uma
só, comporta distribuição quanto ao seu exercício entre os vários órgãos jurisdicionais, por força
de normas constitucionais e infraconstitucionais. Cada órgão jurisdicional - ou grupo de ór-
gãos - exerce a jurisdição dentro de determinados limites, numa certa medida, com referência
a determinado grupo de litígios. Chama-se “competência” precisamente essa quantidade de ju-
risdição cujo exercício é atribuído a cada órgão jurisdicional ou grupo de órgãos jurisdicionais.
Dessa maneira, a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgãos
integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se
à determinação do juiz competente para determinado processo, excluindo-se os demais órgãos
jurisdicionais (cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINA-
MARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, cit. p. 237). Daí dizer-se, frequentemente,
que a competência é a “medida da jurisdição” ou a “jurisdição na medida em que pode e deve
ser exercida pelo juiz”, com exclusão da possibilidade do seu exercício simultâneo legítimo por
qualquer outro juiz ou órgão jurisdicional (cf. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil,
cit., v. 1, p. 136; CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e competência. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 61).
CAPÍTULO 2
A DISTRIBUIÇÃO DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO
E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA AMBIENTAL
Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente
390
Desde logo releva observar que, no processo coletivo ambiental, a ques-
tão da competência jurisdicional assume primordial importância, como ele-
mento do acesso à justiça em matéria de proteção do meio ambiente.1039
Com efeito, quando se fala em acesso aos juízes e aos tribunais, como
expressão do acesso à justiça, salienta-se, entre outros aspectos, a relevância
da sua comodidade para os destinatários do exercício da jurisdição. A ideia de
comodidade do acesso aos tribunais, segundo Serge Guinchard, Gabriel Mon-
tagnier e André Varinard1040, leva em conta, de maneira especial, os interesses e
as necessidades dos jurisdicionados, para o que devem corresponder, no pon-
to aqui examinado, regras de competência baseadas não apenas na qualidade
esperada do serviço prestado ou na perfeita atuação da jurisdição, como, tam-
bém, na facilidade do acesso ao juiz.1041
Sob a ótica participativa ambiental, a comodidade do acesso à justiça
implica, indiscutivelmente, a denição de regras de competência que permi-
tam aos mais diversos segmentos da sociedade amplo, seguro e fácil recurso
aos juízes e aos tribunais para a defesa do meio ambiente. Tal se dá, por um
lado, pela determinação da competência dos órgãos jurisdicionais com base
1039. Nesse sentido, LARSSEN, Christine; JADOT, Benoît. L’accès à la justice en matière d’environ-
nement au regard de la Convention d’Aarhus. In: LARSSEN, Christine; PALLEMAERTS, Marc
(Org.). L’accès à la justice en matière d’environnement. Bruxelles: Bruylant, 2005. p. 242-243. No
processo coletivo, em geral, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O Anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos: visão geral e pontos sensíveis. In: GRINOVER, Ada Pellegri-
ni; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito processual
coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2007. p. 20.
1040. GUINCHARD, Serge; MONTAGNIER, Gabriel; VARINARD, André. Institutions juridictionnelles.
9. ed. Paris: Dalloz, 2007. p. 251. A comodidade do acesso aos juízes e tribunais, na doutrina de
referidos autores, apresenta três dimensões: a informação, relativamente aos direitos materiais, aos
mecanismos processuais e às instituições judiciais; a distribuição territorial dos órgãos jurisdicio-
nais (por eles denominada de “mapa judiciário”) e a competência jurisdicional.
1041. A doutrina nacional também alude à comodidade como fator que influencia a distribuição
do exercício da jurisdição entre os órgãos jurisdicionais, mas a considera, via de regra, sob
o ponto de vista das partes litigantes (cf. CINTRA, Antonio de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, cit., p. 243; CARNEIRO,
Athos Gusmão. Jurisdição e competência, cit., p. 61). No sentido do texto, porém, a comodi-
dade tem como foco principal os destinatários do exercício da jurisdição, que, no processo
coletivo ambiental, são todos os membros da sociedade e não apenas as partes litigantes do
processo.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT