Ditos e não-ditos na natureza do crime: o silêncio na indexação de boletins de ocorrência nos crimes de feminicídio

AutorDenise Cristina Belam, Deise Maria Antonio Sabbag, Marcos Vinicius Santos de Carvalho Terra, Francisco Arrais Nascimento
CargoMestre em Ciência da Informação Universidade Estadual Paulista, Departamento de Ciência da Informação, Marília. São Paulo, Brasil. / Doutora em Ciência da Informação Universidade de São Paulo, Departamento de Educação, Informação e Comunicação, Ribeirão Preto, São Paulo / Mestre em Ciência da Informação Universidade Estadual Paulista, ...
Páginas584-605
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 27, p. 01-22, 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: https: //doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e88288
Artigo
Original
DITOS E NÃO-DITOS NA NATUREZA DO CRIME: O
SILÊNCIO NA INDEXAÇÃO DE BOLETINS DE
OCORRÊNCIA NOS CRIMES DE FEMINICÍDIO
The said and the not said in the nature of crime
Denise Cristina Belam
Mestre em Ciência da Informação
Universidade Estadual Paulista, Departamento de
Ciência da Informação, Marília. São Paulo, Brasil.
denise.fioravanti@unesp.com
https://orcid.org/0000-0002-0333-1601
Deise Maria Antonio Sabbag
Doutora em Ciência da Informação
Universidade de São Paulo, Departamento de Educação,
Informação e Comunicação, Ribeirão Preto, São Paulo,
Brasil. deisesabbag@usp.br
https://orcid.org/0000-0001-6392-4719
Marcos Vinicius Santos de Carvalho Terra
Mestre em Ciência da Informação
Universidade Estadual Paulista, Departamento de
Ciência da Informação, Marília. São Paulo, Brasil.
marcosetica@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-4275-3292
Francisco Arrais Nascimento
Doutor em Ciência da Informação
Universidade Estadual Paulista, Departamento de
Ciência da Informação, Marília. São Paulo, Brasil
francisco.arrais.nascimento@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-4424-8844
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
Objetivo: Identificar as microestruturas utilizadas nos boletins de ocorrências gerados após mortes de
mulheres para nomear as práticas criminosas, identificando assim possíveis inverossimilhanças, preconceitos
e antipatias.
Método: Utilizou-se da organização conceitual por categorias e a análise do discurso com o pressuposto de
que nomear para apreender é diferente de nomear para punir. Para tanto, utilizando-se dos recortes:
geográfico (São Paulo - Brasil), temporal (janeiro - dezembro de 2020) eleito em função das condições
socioambientais impostas pelo avanço do SARS-CoV-2 no ano de 2020, que pode ter impulsionado aumento
significativo nos casos de feminicídio no Brasil, foi realizada uma leitura documental nos 167 boletins de
ocorrências fornecidos pela Secretaria Estadual da Segurança Pública.
Resultado: Se pode observar o uso de termos diferenciados para os crimes cometidos contra mulheres
mesmo as características dos mesmos apontarem para o crime de feminicídio. Dos 167 documentos
analisados, dois não tinham feminicídio como desdobramento do crime. Em um, vítima e autor não possuíam
qualquer tipo de relação, sendo classificado como homicídio simples. Homicídio simples é o ato de matar
outra pessoa de forma dolosa, com a intenção de cometer o crime; crimes sem qualificadores podem
aumentar os privilégios o u diminuir a pena. O outro documento estava com o campo de desdobramento em
branco, não trazendo nenhuma informação.
Conclusões: Nomear para apreender é diferente de nomear para punir. A nomeação verossimilhante evita
recorrentes subnotificações e apagamentos que prejudicam a busca e o acesso à informação. Sabendo disso,
acredita-se na necessidade de nomear o feminicídio, representando-o de maneira precisa.
PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio. Ciência da Informação. Organização do Conhecimento.
ABSTRACT
Objective: To identify the microstructures used in the incident reports generated after the deaths of women to
name the criminal practices, thus identifying possible improbability, prejudices and antipathies.
Methods: Conceptual organization by categories and d iscourse analysis were used with the assumption that
naming to apprehend is different from naming to punish. To do so, using the following clippings: geographic
(São Paulo - Brazil), temporal (January - December 2020) chosen due to the socio-environmental conditions
imposed by the advance of SARS-CoV-2 in 2020, which boosted the significant increase in the cases of
femicide in Brazil, a documental reading was carried out in the 167 bulletins of occurrences provided by the
State Department of Public Security
Results: It is possible to observe the use of different terms for crimes committed against women, even if their
characteristics point to the crime of femicide. Of the 167 documents analyzed, two did not have femicide as
an outcome of the crime. In one, victim and perpetrator did not have any type of relationship, being classified
as simple homicide. Simple homicide is the act of intentionally killing another person, with the intention of
committing the crime; crimes without qualifiers can increase privileges or decrease punishment. The other
document had the unfolding field blank, not bringing any information.
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 27, p. 01-22, 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: https: //doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e88288
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Conclusions: Naming to apprehend is different from naming to punish. The credible naming avoids recurrent
under-notifications and deletions that harm the search and access to information. Knowing this, we believe in
the need to name femicide, representing it accurately.
KEYWORDS: Femicide. Information Science. Knowledge Organization.
INTRODUÇÃO
Compreender o fenômeno da violência contra a mulher é reconhecer relações de
desigualdades e discriminações construídas histórica e culturalmente
1
. É, além disso,
identificar dentro do contexto social o lugar em que a mulher foi alocada ao se compreender
que o poder é segundo Ríos (2005, p. 154) "[...] a capacidade de decidir sobre a própria
vida: como tal, é um fato que transcende o indivíduo e se plasma nos sujeitos e nos espaços
sociais: aí se materializa como afirmação, como satisfação de objetivos [...]”.
Ríos (2005, p.154) afirma ainda que, “[...] o poder consiste também na capacidade
de decidir sobre a vida do outro, na intervenção com fatos que obrigam, circunscrevem ou
impedem. Quem exerce o poder se arroga o direito ao castigo e a postergar bens materiais
e simbólicos”. Concluindo que “[...] dessa posição domina, julga, sentencia e perdoa. Ao
fazê-lo, acumula e reproduz o poder”. (RÍOS, 2005, p. 154). Tal entendimento, lança luz
sobre a lógica de atuação do poder na sociedade.
Além do entendimento de que o poder apresenta em si duas facetas, a saber:
coercitiva (lei) e produtiva (pedagógica), se pode vislumbrar que, o que foi construído
acerca do gênero no decorrer do processo de construção histórica está inscrito em um
sistema de saber/poder (Patriarcado), que utiliza-se como método/estratégia o sexismo e
nutre em seu âmago o comportamento machista no qual os homens dominam parte das
relações, limitando a existência feminina à submissão, aos deveres do casamento, da casa,
da reprodução e da criação dos filhos.
Muraro e Boff (2002, p. 19) lançam luz sobre zonas de sombra ao refletirem sobre
“[...] a crise global que afeta radicalmente as principais categorias de pensamento e
instituições originadas pelo patriarcado”, afirmando que, “[...] o ‘destino manifesto’ do
patriarcado quatro mil anos foi sempre este: buscar o dominum mundi [...]”. Para
tanto, apropriando-se de toda uma engenharia social composta por dispositivos de controle
que organizam inclusive o próprio Estado, “[...] no interesse da lógica dos homens, assim
como as formas de educação geralmente reprodutoras e legitimadoras do poder patriarcal”
(MURARO; BOFF, 2002, p. 19).
1
Parte dessa construção foi vivificada nas narrativas fílmicas de “As sufragistas” (2015), que registra a luta
das mulheres pelo direito ao voto e “A cor Púrpura” (1985) que traz a cena questões raciais, de gênero e da
sexualidade.

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