Aplicação do art. 475-J do CPC ao processo do trabalho

AutorSergio Pinto Martins
Páginas231-245

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1. Introdução

Uma das questões que vem sendo discutida na execução trabalhista é a aplicação do art. 475-J do CPC no processo do trabalho, em que o juiz aplica multa de 10% se o devedor não paga o contido na condenação estabelecida na sentença.

O art. 475-J do CPC tem, à primeira vista, uma redação simples, mas gera uma série de dúvidas de interpretação, que serão abaixo demonstradas.

2. Aplicação subsidiária do CPC

A CLT tem três arts. que tratam da aplicação subsidiária de outras normas: a) o parágrafo único do art. 8º, que versa sobre a aplicação do Direito Comum quando há omissão na parte de direito material da CLT; b) o art. 769 da CLT, que versa sobre a omissão da CLT quanto ao direito processual do trabalho; c) o art. 889 da CLT, que trata da omissão da CLT na execução. O primeiro dispositivo não será analisado, pois a matéria não é de direito processual.

Dispõe o art. 769 da CLT que “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

Subsidiário tem o sentido do que vem em reforço ou apoio de. É o que irá ajudar, que será aplicado em caráter supletivo ou complementar.

Havendo omissão da CLT, o CPC é fonte subsidiária do direito processual do trabalho, desde que haja compatibilidade com suas normas. Em matéria processual a regra é a aplicação do art. 769 da CLT.

Nem tudo é regulado na CLT, daí a existência do art. 769, que serve como uma espécie de “ponte”, ligando o processo do trabalho ao processo comum, ou permitindo a utilização do último, como forma de evitar as omissões naturais da CLT.1

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O que significa “direito processual comum”? É apenas o direito processual civil? Não, pois na omissão da CLT aplicam-se as leis que regulam o mandado de segurança, a ação civil pública, etc. Se o direito comum do parágrafo único do art. da CLT é o Direito Civil ou o Direito Comercial, aqui seria possível falar na aplicação do CPC e do Código de Processo Penal. O Direito Processual Penal será fonte subsidiária do processo do trabalho na omissão da CLT. Exemplo é a aplicação dos arts. 63 a 67 do CPP, desde que haja compatibilidade com o processo do trabalho, no que diz respeito à formação da coisa julgada na área penal e seus reflexos na questão trabalhista, como na justa causa em que se discute furto, roubo, apropriação indébita.

O direito processual especial é o militar. O Código de Defesa do Consumidor, na sua parte processual, é considerado direito processual especial. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao processo do trabalho, pois este trata de relação de consumo. A relação de emprego não envolve essa matéria. Logo, não pode ser observado nas omissões da CLT.

Para haver a aplicação do CPC no processo do trabalho há necessidade de: a) omissão na CLT; b) compatibilidade com as normas do Título X, que trata do Processo Judiciário do Trabalho. Outro aspecto a considerar é a possibilidade de adaptação do Direito Processual Comum ao andamento da ação trabalhista com suas peculiaridades.

Primeiro deve existir omissão para depois existir compatibilidade. É um critério lógico. Pode existir compatibilidade, mas se não há omissão na CLT, não se aplica o CPC.

A compatibilidade ocorre em relação às normas contidas no Título X da CLT, ou seja, aos arts. 763 a 910. O certo seria se falar em regras e não em normas, pois norma é o gênero, que abrange as regras e os princípios.2 A compatibilidade não diz respeito, portanto, aos princípios.

Parece que toda a questão no Direito Processual do Trabalho é saber se existe omissão na CLT para se aplicar o CPC. O mais difícil é dizer quando existe omissão, pois há afirmações no sentido de que haveria omissão intencional do legislador e não ser aplicável o CPC, como quando se discutia a aplicação da reconvenção ao processo do trabalho.

Reza o art. 889 da CLT que “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida da Fazenda Pública Federal”.

O art. 889 da CLT não faz referência expressamente à aplicação subsidiária de outra norma, mas é isso que vai ocorrer.

Não menciona também a respeito de omissão da CLT, mas é isso que também ocorre, pois os artigos da CLT que tratam de execução não regulam inteiramente a matéria.

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Para que haja a aplicação de outras normas é preciso que elas não sejam contrárias ao que consta no título respectivo da CLT.

O art. 889 da CLT também não dispõe a respeito de aplicação de princípios, mas do Título onde ele está na CLT. O Título é o X, que compreende os arts. 763 a 910 da CLT e não apenas a parte da CLT que trata de execução, que é o Capítulo V, que engloba os arts. 876 a 892 da CLT.

Aplicava-se inicialmente o Decreto-lei n. 960, de 17-12-38, que versava sobre o processo de execução fiscal para a cobrança da dívida da Fazenda Pública, desde que houvesse omissão na norma consolidada. O CPC de 1973 revogou o Decreto-lei n. 960, pois regulou inteiramente a matéria.

O art. 889 da CLT, porém, não foi revogado pelo CPC, apenas perdeu sua eficácia por certo período, até o surgimento da nova lei de execução fiscal (Lei n. 6.830/80).

Com a edição da Lei n. 6.830/80, que passou a reger a cobrança dos créditos da Fazenda Pública, o art. 889 da CLT retomou sua eficácia. Assim, as normas previstas na Lei n. 6.830/80 serão de aplicação subsidiária na execução trabalhista, na inexistência de norma específica na CLT.

A regra será a seguinte: primeiro o intérprete irá se socorrer da CLT ou de lei trabalhista nela não inserida. Inexistindo disposição nestas, aplica-se a Lei n. 6.830/80. Caso esta última norma também não resolva a questão, será observado o CPC (art. 769 da CLT).

Quando a CLT dispuser que se aplica o CPC em primeiro lugar, essa será a regra, como se observa do art. 882 da CLT, que manda utilizar o art. 655 do CPC quanto à ordem preferencial de bens a serem penhorados.

A dificuldade na aplicação do art. 889 da CLT é maior, pois primeiro deve haver omissão na CLT. Se esta for omissa aplica-se em primeiro lugar a Lei n. 6.830 e, se esta for omissa, observa-se o CPC. A dificuldade é saber quando existe omissão na CLT e depois omissão na Lei n. 6.830/80 para se aplicar o CPC.

3. Art 475-J do CPC

O art. 475-J do CPC foi acrescentado pela Lei n. 11.232/05. Tem a seguinte redação: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação” (art. 475-J do CPC).

Quantia certa

A lei não exige exatamente que sempre a sentença seja líquida, mas que ela seja fundamentada. Entretanto, se o autor formular pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida (parágrafo único do art. 459 do CPC).

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O primeiro aspecto do art. 475-J do CPC é que ele só pode ser aplicado quando a condenação é de quantia certa ou já fixada em liquidação. Se a questão é objeto de liquidação, porque a sentença não contém obrigação líquida, não pode ser aplicada a multa prevista no art. 475-J do CPC.

Aplicabilidade no processo do trabalho

Valentin Carrion entende que não pode ser usada a regra do art. 475-J do CPC, pois na CLT a sanção (multa) pelo não pagamento é a penhora.3

Amador Paes de Almeida afirma que não se aplica o art. 475-J do CPC ao processo do trabalho em razão da clareza do art. 882 da CLT, que permite ao devedor nomear bens à penhora.4

Estêvão Mallet alega que “o art. 880, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, não se refere, porém, a nenhum acréscimo para a hipótese de não satisfação voluntária do crédito exequendo, o que leva a afastar-se a aplicação subsidiária, in malam partem, da regra do art. 475-J, do Código de Processo Civil, tanto mais diante de seu caráter sancionatório. Solução diversa, ainda que desejável, do ponto de vista teórico, depende de reforma legislativa”.5 Se, porém, o art. 880 da CLT não faz referência a acréscimo, ele é omisso nesse ponto.

Manoel Antonio Teixeira Filho entende que não cabe a aplicação do art. 475-J do CPC no processo do trabalho, em razão de que o procedimento da CLT é diverso do CPC, que faz referência a cumprimento da sentença.6

Leciona José Augusto Rodrigues Pinto que “malgrado a evidente afinidade com o anseio de celeridade do processo trabalhista, em razão da inferioridade econômica do trabalhador (não apenas do empregado, em face da EC n. 45/04) e da função alimentar dos créditos que vindica na Justiça do Trabalho, não consideramos possível trazê-la do CPC para a execução, no particular. É que, sendo norma impositiva de coerção econômica, há de ter aplicação restrita, forçando a caracterização do silêncio da legislação a ser suprida como impeditivo e não omissivo — e só esta última hipótese autorizaria o suprimento”.7

As penalidades devem, de fato, ser interpretadas restritivamente. Entretanto, se se adotar o entendimento de aplicação restrita, nenhuma penalidade poderia ser aplicada no processo do trabalho, como por litigância de má-fé (arts. 17 e 18 do CPC), de multa em embargos manifestamente protelatórios (art. 538 do CPC), de multa por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 601 do CPC). A questão não é de interpretação restritiva, mas de omissão na CLT.

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Os ministros João Batista Brito Pereira8 e Pedro Paulo Teixeira Manus entendem não ser aplicável...

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