DO GÊNERO À NORMA: CONTRIBUIÇÕES DE JUDITH BUTLER PARA A FILOSOFIA POLÍTICA FEMINISTA

AutorDanuska Brosin, Maine Laís Tokarski
Páginas98-118
GÊNERO|Niterói|v.18|n.1|98 |2. sem.2017
DO GÊNERO À NORMA: CONTRIBUIÇÕES DE JUDITH
BUTLER PARA A FILOSOFIA POLÍTICA FEMINISTA
Danuska Brosin1
Maine Laís Tokarski2
Resumo: Este artigo pretende expor algumas contribuições do pensamento de
Judith Butler para a filosofia política feminista. Ao reformular a categoria gênero
sob a perspectiva da heteronormatividade, a autora não só contribui para que
tomemos consciência dos mecanismos mediante os quais o poder circula e se
materializa sob o aspecto do gênero, mas convida também à desconstrução do
pensamento dicotômico típico dos discursos modernos, tais como natureza/
cultura, sexo/gênero, homem/mulher e masculino/feminino.
Palavras-chave: sexo; gênero; heteronormatividade.
Abstract: This article intends to expose some contributions of Butler’s thought to
the feministpolitical philosophy. By reformulating the gender category from the
perspective oeteronormativity, the author not only helps us to become aware
of the mechanisms bywhich power circulates and materializes under the aspect of
gender, but also proposes thedeconstruction of the dichotomous thinking typical of
modern discourses suchas nature/culture, sex/gender, man/woman and male/female.
Keywords: sex; gender; heteronormativity.
Introdução
A filosofia política feminista tem se engajado, há mais de um século, em
evidenciar a situação de inferioridade social a que as mulheres são submetidas
e escrutinar os esquemas de pensamento que fundamentam essa posição.
Nesse passo, um dos aspectos largamente criticados tem sido a noção de que
as mulheres sejam natural ou biologicamente menos capazes. Isto é, as teorias
feministas têm questionado os discursos que legitimam a inferioridade feminina
1 Mestra em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: danuskabrosin@gmail.com.
2 Mestranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná. E-mail: mainetk@gmail.com.
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com fundamentos naturalistas e essencialistas.
No plano teórico, sabe-se que as considerações de Simone de Beauvoir
foram marcantes no processo de tomada de consciência das mulheres enquanto
sujeitos históricos excluídos. Beauvoir e diversas feministas que a sucederam não
consideram que as mulheres sejam essencialmente inferiores, mas socialmente
submetidas a uma condição de outridade que as inferioriza.
As feministas das décadas de 1960 e 1970 pretenderam desconstruir a
naturalização da inferioridade da mulher pelo recurso ao conceito de gênero.
Por mais que aceitassem uma diferenciação biológica do sexo, afirmavam que
as diferenças socialmente constituídas são mais determinantes que as naturais.
Sobre as ideias de homem e mulher foram sobrepostas as ideias de feminino e
masculino. Assim, houve uma tendência entre as feministas de recorrerem aos
novos binarismos natureza/cultura e sexo/gênero quando estivessem diante do
discurso hierárquico da sexualidade.
Ocorre que, nas últimas décadas, feminismos de cunho pós-estruturalista
têm constatado que a dicotomia sexo/gênero, desenvolvida sob inspiração do
insight provocado por Beauvoir, cria novos paradoxos que entravam o alcance
dos objetivos a que se propôs.
Sob esse aspecto, gênero e cultura continuaram sendo representados como
oposição dualista ao sexo e à natureza. Não obstante, o gênero permaneceria
atado ao âmbito substancial naturalista e essencial, pois o sexo preexistiria a
ele. Ou seja, a categoria gênero designa o quanto a feminilidade é socialmente
constituída, porém, não se desprende da concepção naturalista e essencialista do sexo.
Assim, gênero estaria intimamente ligado à natureza, diversamente do que propõe.
Judith Butler compreende que as feministas herdeiras de Beauvoir apenas
deslocaram a questão da sexualidade e da inferioridade das mulheres para o
campo da cultura, desvalorizando a importância dos determinismos naturais, com
a ilusão de que eles fossem indiferentes ao problema a se resolver. Dessa forma,
em vez de romper com os naturalismos denotados às mulheres, esses movimentos
agregaram uma nova dicotomia ao debate, proliferando ainda mais os impasses.
Assim, partimos da ideia de que não basta questionarmos o gênero enquanto
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