Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

AutorFrancisco Antonio De Oliveira
Páginas15-35

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Teoria do Disregard of Legal Entity
Da responsabilidade do sócio - enfoque trabalhista

Razões de ordem fática e jurídica inexistem para que o sócio que corre o risco do empreendimento, que participa dos lucros, enriquece o seu patrimônio particular, seja colocado à margem de qualquer responsabilidade, quando a pessoa jurídica responder por suas obrigações.

Como carrear ao empregado os prejuízos da pessoa jurídica, quando não dispõe de meios para evitar a “quebra” e não tem poderes de gerência e de administração?

Ensina o saudoso mestre da responsabilidade civil, José Aguiar Dias, com respaldo em Saleilles, que “a lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causas diretas do dano. Não poderia proibir aqueles que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e de habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles que tomam o risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos, sejam ou não resultados de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação. Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria então o critério de imputação do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito de iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material, uma vez que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A justiça quer que se faça inclinar o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do risco”.

E, com respaldo em Mataja, prossegue o festejado autor: “A distribuição do ônus do prejuízo atende, primordialmente, ao interesse social, distribuição essa que se faz entre os que obtiveram proveitos e correram o risco do negócio. (...) Se não estamos a coberto dos riscos, tenhamos pelo menos a certeza de que não sofreremos impunemente as conseqüências da atividade alheia. À fórmula viver perigosamente replicamos com esta outra, que é a sua sanção: responder pelos nossos atos.” (Da Responsabilidade Civil, vol. 1, p. 75.)

É princípio informador do direito do trabalho que “o empregado não corre o risco do empreendimento, já que também não participa dos lucros”. Em não havendo bens que suportem a execução forçada - insolvência, concordata, falência, liquidação extrajudicial, desaparecimento dos bens de pessoa jurídica etc. -, os sócios responderão pelos débitos trabalhistas da empresa com os seus patrimônios particulares. Nesse sentido, os seguintes diplomas legais: arts. 594 e 596 do CPC; arts. 134, 135, 185, 186 e 187 do CTN; art. 10 do Dec. 3.708/19; art. 121 do Dec.-lei. 2.627/40 (revogado parcialmente pela Lei n. 6.404/1976); arts. 117, 121, 154, 155, 156, 158 e 245 da Lei n. 6.404/76; arts. 50, 990, 1.023 a 1.026 do CC; e arts. e 29 da Lei n. 6.830/80, ex vi do art. 889 da CLT.

Realça Arion Romita que “a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o direito do trabalho dispensa aos empregados; deve ser abolida, nas relações da sociedade com seus empregados, de

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tal forma que os créditos dos trabalhadores encontrem integral satisfação, mediante a execução subsidiária os bens particulares dos sócios. É tempo de afirmar, sem rebuços, que, nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, todos os sócios devem responder com seus bens particulares, embora subsidiariamente, pelas dívidas trabalhistas da sociedade; a responsabilidade deles deve ser solidária, isto é, caberá ao empregado exeqüente o direito de exigir de cada um dos sócios o pagamento integral da dívida societária. Vale dizer, para fins de satisfação dos direitos trabalhistas, será aberta uma exceção à regra segundo a qual a responsabilidade dos sócios se exaure no limite do valor do capital social; a responsabilidade trabalhista dos sócios há de ser ilimitada, embora subsidiária; verificada a insuficiência do patrimônio societário, os bens dos sócios individualmente considerados, porém, solidariamente, ficarão sujeitos à execução, ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados. Não se compadece com a índole do direito obreiro a perspectiva de ficarem os créditos trabalhistas a descoberto, enquanto os sócios, afinal os beneficiários diretos do resultado do labor dos empregados da sociedade, livram os seus bens pessoais da execução, a pretexto de que os patrimônios são separados. Que permaneçam separados para os efeitos comerciais, compreende-se; já para efeitos fiscais, assim não entende a lei; não se deve permitir, outrossim, no direito do trabalho, para completa e adequada proteção dos empregados. (...) Quanto às sociedades anônimas, a questão é mais delicada e exige reflexão. Impraticável será invocar-se a responsabilidade dos acionistas, é evidente. A responsabilidade há de ser dos gestores (diretores, administradores, pouco importa a denominação). Urge, também, proclamar que, se insuficiente o patrimônio da sociedade anônima, os diretores responderão solidariamente, com seus bens particulares, pela satisfação dos direitos trabalhistas dos empregados da sociedade. Semelhante conclusão não aberra da moderna concepção vigente a respeito da responsabilidade dos gestores de sociedade por ações. No campo da execução trabalhista, a responsabilidade dos gestores se traduziria na obrigação de satisfazer subsidiariamente os débitos da sociedade. A perspectiva de ter de responder com seus bens pessoais pelas dívidas sociais (embora somente depois de excutido o patrimônio social) certamente estimulará os gestores no sentido de conduzirem sua administração a bom êxito, evitando arrastar a sociedade à posição de devedor insolvente ante seus empregados” (Aspectos do Processo de Execução Trabalhista à luz da Lei n. 6.830/80. LTr 45/1041 e ss.).

Rubens Requião assinala: “Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz tem o direito de indagar em seu convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos. Se a personalidade jurídica constitui criação da lei, como concessão do Estado, objetivando, como diz Cunha Gonçalves, “a realização de um fim”, nada mais transcendente do que se reconhecer ao Estado, através de sua Justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude através de seu uso. (...) A relatividade do direito da personalização jurídica nos leva, numa rápida digressão, à teoria do abuso de direito. É do conhecimento elementar que foi ela criação da jurisprudência dos tribunais franceses. Deve-se a Josserand a sistematização de seu uso, contando com a oposição crítica e sistemática de Planiol. Para se compreender a fundo a teoria do abuso de direito, deve-se partir da observação de Josserand de que, se a sociedade garante a determinadas pessoas as suas prerrogativas, não é para ser-lhes agradável, mas para assegurar-lhes a própria conservação. Esse é, na verdade, o mais alto tributo do direito: a sua finalidade social. Já se vai tornando um conceito clássico a doutrina de Geny de que nem todo direito está contido na legalidade. A lei, de fato, não abrange todas as peculiaridades da vida cotidiana nos seus vários matizes.” (Curso de Direito Comercial, v. 1, p. 265-266.)

Clóvis Ramalhete defende o emprego da doutrina inglesa do disregard of legal entity: “III) Ao ser desconsiderada a personalidade da sociedade mercantil, as normas legais que geram esse efeito não a desconstituem, mas negam eficácia a certos atos dela, quando se desvenda por detrás da vontade manifestada pela pessoa jurídica a real presença dominante do querer dos sócios; pois a desconsideração da personalidade é proteção jurídica principalmente dos grupos econômicos, da moderna economia empresarial. IV) O sistema legal vigente neste País, quando rege a eficácia dos atos jurídicos, autoriza, no Brasil, a aplicação da doutrina mercantil inglesa do disregard of legal entity, desde que aqui com apoio em norma de lei. V) A desconsideração da personalidade da sociedade mercantil do sistema jurídico brasileiro, de direito escrito, ou funda-se em norma expressa da lei que rege o caso, a qual dispõe não se respeite a personalização legal do ente mercantil, ou, de outro modo, funda-se no sistema legal genérico, o da eficácia dos atos jurídicos e nos princípios gerais do direito, ambos aplicáveis ao caso” (Parecer
n. 63, 10.8.1981 publicado no DOU, I, em 18.3.1981.)

O art. 8º da CLT autoriza expressamente o emprego da teoria do disregard of legal entity.

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O crédito trabalhista não pode ser relegado a plano terciário, quando a empresa não vai bem, quebra ou desaparece com o fundo de comércio. O sócio, ao participar...

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