Documento e institucionalidades: dimensões epistemológica e política

AutorRodrigo Rabello
Páginas139-157
138
v. 23, n. 51, 2018.
p. 138-156
ISSN 1518-2924
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 23, n. 51, p. 138-
156, jan./abr., 2018. ISSN 1518-2924. DOI: 10.5007/1518-2924.2018v23n51p138
Documento e institucionalidades: dimensões epistemológica e
política
Document and institutionalities: epistemological and political dimensions
Rodrigo RABELLO (rdgrabello@gmail.com)*
* Professor da Faculdade de Ciência da Informação - UnB.
Resumo: Problematiza o conceito documento em disciplinas que privilegiam a ênfase nas
características de fisicalidade do suporte para alguma finalidade prática. Argumenta a necessidade de
complementaridade a tais construtos no sentido de buscar caminhos de compreensão do fenômeno
holisticamente, lançando as seguintes hipóteses: a) a materialidade do documento é ulterior à
fisicalidade do suporte; b) o documento se constitui como um produto de práticas sociais, envolvido
por diferentes institucionalidades. A reflexão sobre a relação simbiótica entre materialidade do
documento e práticas sociais e institucionalidades é precedida do questionamento da epistemologia
como espaço meta-discursivo, encontrando no componente político uma alternativa complementar e
estratégica. Busca compreender o documento como objeto com valor social (fonte de informação ou
evidência), tendo em vista, dentre outros aspectos, a autoridade do sujeito que valida o objeto nalgum
contexto institucional. Objetiva, ainda, demonstrar que a materialidade do documento tem sua
identidade determinada por sua função documental e por práticas sociais que l he conferem valor
político. Para tanto, encontra subsídio em aspectos abordados na s obras de Michel Foucault e de
Maria Nélida Gonzáles de Gómez, considerando variáveis presentes desde a concepção de valores
documentais até a validação da informação para a transformação do objeto em documento.
Consideram, nessa direção, regimes, ações e práticas informacionais, num espaço interpretativo
direcionado à tentativa de compreensão de empreendimentos epistemológicos e políticos de algum
modo tocados, institucionalmente, pela relação saber-poder.
Palavras-chave: Documento. Institucionalidade. Relação saber-poder. Epistemologia. Política.
Abstract: This paper problematizes the concept document in disciplines prioritizing t he emphasis
on the characteristics of physicality of the support for a practical objective. It points the need to
complement such constructs meaning to seek ways of comprehending the phenomenon holistically,
casting the following hypotheses: a) the materiality of the document is ulterior to the physicality of
the support; b) the document is constituted as a product of social practices, surrounded by different
institutionalities. The reflection on the symbiotic relation among the materiality of the document,
social practices, and institutionalities is preceded by the questioning of the epistemology as a meta-
discursive space, finding in the political component a complementing strategic alternative. It seeks t o
comprehend the document as an object with social value (source of information or evidence),
considering, among other aspects, the authority of the subject who validates the object in an
institutional context. It aims also to demonstrate that the materiality of the document has it s identity
determined by its documental function and by social practices conferring political value to it. Hence, it
finds subsidy in aspects approached in the works by Michel Foucault and Maria Nélida Gonzáles de
Gómez, considering variables found ranging from the conception of documental values to the
validation of information transforming the object in a document. They consider, thus, informational
practices, actions, and regimes, in an interpretative space aiming t o attempt to comprehend political
and epistemological undertakings somehow regarded, institutionally, by the power-knowledge
relation.
Keywords: Document; Institutionality; Power-Knowledge Relation; Epistemology; Politics.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
ENSAIO
Recebido em:
17/05/2017
Aceito em:
04/12/2017
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1 INTRODUÇÃO
Campos do saber que têm o documento como objeto de estudo para citar
alguns: história, diplomática, arquivologia, biblioteconomia, documentação, ci ência da
informação tendem, segundo epistemologias particulares, a interpretá-lo como
suporte que contém informação regist rada, suporte que evidencia fatos, fonte para a
representação d a realidade, fonte para a elaboração de metainformação o u produtos
documentais com a finalidade de organização, recuperação e uso de conteúdos em
sistemas de informação, dentre outros entendimentos. Tais enunciados trazem pistas
sobre a constituição do documento e tendem a focar características da fisicalidade do
suporte para alguma finalidade prática.
Existem, por sua vez, ao menos outros dois enunciados que auxiliam a
compreender o documento holisticamente e que merecem ser investigados: a) a
materialidade do documento é ulterior à fisicalidade do suporte; b) o documento se
constitui como um produto de práticas sociais, envolvido por di ferentes
institucionalidades. Tais enunciados têm como mérito o fato de que o primeiro traz nas
palavras materialidade e documento valores em correspondência às expressões
nucleares do segundo enunciado, práticas sociais e institucionalidades.
A materialidade do documento em sinergia às interpretações das práticas
sociais e das institucionalidades revela não apenas a necessidade de epistemologias
alternativas com interesse em pesquisa fundamental ou básica, mas, até mesmo, a
possibilidade de questionamento da epistemologia como espaço metadiscursivo ou
lugar de interpretação pública dos campos d o saber, encontrando no componente
político uma alternativa complementar e estratégica.
O componente político será abordado complementarmente à dimensão
epistemológica em algo que pode ser pensado como uma dupla hermenêutica
(GONZÁLEZ de GÓMEZ, 1999/2000) para o estudo das institucionalidades constituídas
e constituintes d e valores do documento no sentido de o peracionalizar modos de
validação da informação. Em particular, são de interesse os valores expressos em
práticas sociais respaldadas por saberes institucionais que l egitimam discursos
(RABELLO; RODRIGUES, 2014; 2016) num processo de validação dos objetos para a sua
transformação em documento, t ambém expresso, em sua politicidade, na condição de
monumento (FOUCAULT, 2005; LE GOFF, 1994).
Busca, com essa trajetória, subsídios para compreender o documento como
objeto com valor informativo (HJORLAND, 2000) à luz da sua potencialidade de fonte de
informação ou evidência (BUCKLAND, 1991), cuja autoridade de validação do sujeito ao
objeto em algum contexto inst itucional é, de modo ideal, reconhecida por outrem,
permitindo a atribuição de sentidos diversos, dentre os quais o d e valor probatório no
âmbito acadêmico-disciplinar.
Depreende, ainda, que a materialidade d o documento transcende a fisicalidade
do objeto, haja vist a se apresentar como uma expressão material dos enunciados que
circulam socialmente e provocam práti cas sociais e em contextos institucionais
(FROHMANN, 2008). Nesse sentido, o documento tem sua identidade determinada, em
parte, por sua função documental. Com efeito, o documento, como o produto de práticas
sociais, encontra, nalguma medida, peso político.
A emergência do olhar holístico sobre o documento como um fenômeno social
encontra subsídio em aspectos abordados nas obras de Michel Foucault e de Maria
Nélida Gonzáles de Gómez, onde se identificam variáveis a serem consideradas desde a
concepção de valores d ocumentais até a validação da informação para a transformação
do objeto em documento. Consideram-se, nessa direção, regimes, ações e práticas
informacionais, num espaço interpretativo direcionado à tentativa de co mpreensão de

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