Does deposit insurance induce moral hazard? An empirical study with credit unions from the state of Minas Gerais/O seguro-deposito induz risco moral? Um estudo empirico com as cooperativas de credito do estado de Minas Gerais.

AutorBressan, Valeria Gama Fully
CargoArtigo-Economia das Organizacoes
  1. INTRODUCAO

    O seguro-deposito e um instrumento utilizado para garantir que a totalidade ou uma fracao preestabelecida do principal e dos juros acumulados em contas protegidas seja honrada, em caso de falencia da instituicao financeira depositaria. Os EUA foram o primeiro pais a instituir o sistema nacional de seguro-deposito, em meio a crise bancaria de 1933, visando restaurar a confianca e a liquidez de seu sistema financeiro e proteger os pequenos investidores (DEMIRGUC-KUNT; KANE, 2002).

    Por um lado, a instauracao de um sistema de seguro-deposito traz maior estabilidade ao sistema financeiro, uma vez que, oferecendo garantia aos correntistas, desestimula a corrida por retiradas em uma eventual crise de confianca (HANNAFIN; McKILLOP, 2007). Por outro lado, um sistema de seguro-deposito pode, paradoxalmente, reduzir a estabilidade do sistema financeiro, ja que, reduzindo o risco das operacoes correntes das instituicoes financeiras, abre espaco para que elas se envolvam em operacoes excessivamente arriscadas, potencialmente danosas a estabilidade do sistema financeiro.

    Os interesses conflitantes das partes, a par da necessidade de monitorar ou observar as acoes das instituicoes financeiras, torna inviavel o desenho de contratos baseados no nivel de exposicao ao risco dessas instituicoes. Assim, cada instituicao financeira, em funcao de seus interesses, pode expor-se a um risco maior do que o preconizado pelo fundo garantidor do seguro-deposito, sem que tal comportamento seja detectavel (problema de risco moral). Com isso, a instauracao de um sistema de seguro-deposito pode acarretar instabilidade ao setor que o instaura e, por conseguinte, a todo o sistema financeiro, ao induzir o problema de risco moral (CLAIR, 1984).

    A primeira experiencia com seguro-deposito no Brasil ocorreu com a criacao, pelo governo brasileiro, do Fundo Garantidor de Credito (FGC) do sistema bancario brasileiro, em meio a crise bancaria de 1995. O FGC foi criado como uma entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar o sistema de seguro-deposito para a protecao de titulares de creditos em instituicoes financeiras, exceto as cooperativas de credito e as secoes de credito das cooperativas. Apos a criacao do FGC do setor bancario, o Sicoob-Crediminas, que congrega cooperativas singulares (1) de credito do Estado de Minas Gerais, instituiu o seu Fundo Garantidor de Depositos (FGD) em janeiro de 1999.

    O FGD do Sicoob-Crediminas e a primeira experiencia de adocao de seguro-deposito dentro do Sistema de Cooperativas de Credito do Brasil (Sicoob) (2), que e o maior e o mais representativo sistema de cooperativas do Brasil, pois congrega 46,32% das cooperativas de credito singulares brasileiras (SOARES; MELO SOBRINHO, 2007). O Sicoob-Crediminas e parte integrante do Sicoob e congregava 117 cooperativas singulares, entre janeiro de 1998 e maio de 2008. Desse universo de cooperativas, apenas 97 ainda estavam operando em maio de 2008, mas, mesmo assim, representavam cerca de 50% das cooperativas de credito do Estado de Minas filiadas ao Sicoob-Brasil.

    As cooperativas filiadas ao Sicoob-Crediminas comecaram a contribuir para o FGD do Sicoob-Crediminas em janeiro de 1999, mas apenas em julho de 2003 o FGD passou a possuir personalidade juridica. O FGD do Sicoob-Crediminas e alias mais antigo que o proprio Fundo Garantidor do Sicoob (FGS), criado somente em 2005.

    O presente artigo utiliza o caso do Fundo Garantidor de Depositos (FGD) do Sicoob-Crediminas para testar a hipotese de que a instauracao desse sistema de seguro-deposito nao suscitou o problema de risco moral. A implicacao direta da rejeicao de tal hipotese e que a instauracao do FGD do Sicoob-Crediminas pode ter reduzido a estabilidade do sistema de cooperativismo de credito brasileiro.

    O presente estudo e, pelo que nos consta, o primeiro a avaliar o problema de risco moral em cooperativas de credito do Estado de Minas Gerais, utilizando proxies de risco recomendadas pela literatura internacional. O artigo, alem da presente introducao, compreende quatro secoes. A proxima secao descreve as caracteristicas do sistema de seguro-deposito do Sicoob-Crediminas e o contexto em que ele foi instaurado. A terceira secao apresenta uma revisao da literatura sobre a relacao entre o seguro-deposito e o problema de risco moral. A quarta especifica a metodologia seguida e descreve a amostra e a fonte dos dados. A quinta secao discute os resultados obtidos, e a sexta expoe as conclusoes do trabalho.

  2. O FUNDO GARANTIDOR DE DEPOSITOS DO SICOOB-CREDIMINAS

    O Fundo Garantidor de Depositos (FGD) do Sicoob-Crediminas (3) visa garantir creditos as cooperativas de credito singulares integradas ao Sicoob Central Crediminas, localizadas no Estado de Minas Gerais, nas seguintes condicoes: incorporacao da cooperativa participante, exclusivamente por motivo de insolvencia confirmada pelo Sicoob Central Crediminas, quando incorporadora e incorporada foram participantes do fundo; descentralizacao de cooperativa participante, por motivo de insolvencia, confirmada pelo Sicoob Central Crediminas; decretacao de liquidacao extrajudicial da cooperativa participante pelo Banco Central do Brasil; decretacao de liquidacao ordinaria da cooperativa participante por insolvencia, decidida em assembleia geral, que devera ser confirmada pelo Sicoob Central Crediminas. As diligencias do FGD abarcam ainda as cooperativas que pertencam ao Sicoob Central Crediminas, mas que nao participem do Fundo Garantidor do Sicoob (FGS) (4) (SICOOB-CREDIMINAS, 2007).

    Os principais objetos de garantia do FGD sao os depositos a vista e os depositos a prazo. No entanto, no caso de incorporacao, o valor das perdas decorrentes do processo de incorporacao tambem se torna objeto de garantia. No caso de liquidacao da cooperativa participante, alem dos depositos, o FGD garante as operacoes de emprestimos ou repasses e as operacoes de financiamento contraidas pela cooperativa participante e pelos cooperados da cooperativa participante junto a instituicoes oficiais e privadas. No caso de coberturas que nao sejam para os depositos a vista e a prazo, sao condicoes para a efetivacao da garantia a apuracao e o parecer favoravel do Sicoob Central Crediminas (SICOOB-CREDIMINAS, 2007). Alem disso, conforme o regulamento do FGD e por proposta do conselho de administracao do Sicoob Central Crediminas, outras garantias poderao, a criterio do conselho de administracao do FGD, ser proporcionadas pelo fundo, desde que sejam necessarias a preservacao da imagem do Sistema Crediminas. O Quadro 1 sintetiza as principais caracteristicas do FGD do Sicoob-Crediminas.

  3. REVISAO DE LITERATURA

    As cooperativas de credito sao instituicoes financeiras sui generis, pois sao os seus proprios membros (donos) que proveem (via depositos) e consomem (via emprestimos) os seus recursos. O papel da cooperativa de credito e intermediar o conflito de interesses entre os cooperados aplicadores e tomadores de recursos, provendo taxas mais elevadas para as aplicacoes e taxas mais baixas para os emprestimos do que aquelas praticadas pelo sistema financeiro tradicional. Por isso mesmo, tem sido amplamente reconhecido que as cooperativas de credito podem aumentar o acesso dos mais pobres ao credito e, dessa forma, contribuir para a reducao da pobreza e o desenvolvimento (NAIR; KLOEPPINGER-TODD, 2007).

    O interesse dos cooperados em preservar a cooperativa de credito, visto que a mesma oferece taxas para emprestimos e aplicacoes notadamente mais atrativas do que as praticadas pelo mercado financeiro, pode fazer com que o problema de risco moral, apos a criacao do seguro-deposito, seja menor para as cooperativas de credito do que para outras instituicoes financeiras, como os bancos. Em outras palavras, e possivel que as cooperativas de credito sejam, naturalmente, menos propensas ao risco do que os bancos, em razao do interesse de seus membros (donos) em preserva-las. De toda forma, ainda e possivel que a instauracao do seguro-deposito leve as cooperativa de credito, a custa do fundo de seguro-deposito, a se envolverem em transacoes que impliquem um nivel de risco maior que o preconizado pelo fundo garantidor (HANNAFIN; McKILLOP, 2007).

    Black e Dugger (1981) e Clair (1984) obtiveram evidencias empiricas de que cooperativas de credito dos EUA passaram a assumir maiores riscos apos a instauracao do seguro-deposito, fato que consideraram indicativo do problema de risco moral. Por outro lado, Karels e McClatchey (1999) avaliaram as cooperativas de credito do EUA de 1970 a 1977 e nao encontraram evidencias empiricas de que a adocao do seguro-deposito tenha aumentado o comportamento pro-risco dessas cooperativas. Resultados similares a esse foram obtidos tambem por Kane e Hendershott (1996) e Hannafin e McKillop (2007).

    Os resultados conflitantes na literatura indicam que o efeito da instauracao do seguro-deposito sobre o problema de risco moral em cooperativas ainda nao e claro. Desse modo, deve-se estudar caso a caso, o que reforca a importancia de verificar se a instauracao do Fundo Garantidor de Depositos (FGD) nao induziu ao problema de risco moral.

    Demirguc-Kunt e Detragiache (2002) investigaram os efeitos do seguro-deposito sobre a estabilidade bancaria de 61 paises no periodo entre 1980 e 1997, e descobriram que o segurodeposito tende, em geral, a aumentar a probabilidade de ocorrencia de crises bancarias, especialmente em paises onde as taxas de juros bancarias sao desreguladas e o ambiente institucional e fraco. Observaram ainda que o efeito negativo do sistema de seguro-deposito sobre a estabilidade bancaria tende a ser maior quando o seguro-deposito e financiado e fortemente administrado, e que tanto mais grave sera quanto maior for a cobertura dada pelo seguro-deposito aos depositantes.

    Grossman (1992) comparou o risk-taking das instituicoes de poupanca e emprestimo, com e sem seguro-deposito, que operavam em regimes regulatorios mais e menos rigorosos durante a decada...

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