Dois mundos em disputa: a regulamentação sanitária oficial e as interações entre a convenção doméstica e a convenção industrial na cadeia produtiva do leite no Maranhão

AutorEvaristo José Lima Neto, Marcelo Sampaio Carneiro
CargoProfessor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)/Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Páginas162-191
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n43p162
162162 – 191
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Dois mundos em disputa: a regulamentação
sanitária ocial e as interações entre a
convenção doméstica e a convenção industrial
na cadeia produtiva do leite no Maranhão1
Evaristo José de Lima Neto2
Marcelo Sampaio Carneiro3
Resumo
Esse artigo discute o processo de estabelecimento de um padrão de qualidade sanitária na cadeia
produtiva de leite bovino na região de Imperatriz/MA, analisando a disputa entre duas formas
de produção diferentes, representadas pela indústria de laticínios e por produtores informais de
queijo (as chamadas queijeiras). A análise realizada utiliza como referencial a perspectiva da eco-
nomia das convenções, abordagem teórica que considera a qualidade dos produtos como uma
construção social e um elemento central para a coordenação dos atores envolvidos no processo
de produção e circulação de bens e serviços. A partir dessa perspectiva, mostramos a constituição
de duas convenções de qualidade nessa cadeia produtiva, identicadas como uma convenção de
tipo industrial e uma convenção de natureza convenção doméstica, destacando a disputa pelos
produtores de leite, mas indicando também a possibilidade do estabelecimento de alguns tipos
de compromissos entre essas diferentes convenções.
Palavras-chave: Qualidade. Economia das convenções. Indústria do leite.
1 Introdução
Esse artigo discute o processo de estabelecimento de um padrão de
qualidade sanitária na cadeia produtiva de leite bovino na região de Im-
peratriz, analisando a disputa entre diferentes convenções de qualida-
1 A pesquisa que originou esse artigo contou, para sua realização, com recursos do Edital Universal (nº 31/2016)
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA) e do Edital PGPSE (nº 42/2014) da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2 Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: ejlneto@gmail.com
3 Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: marcelo.sampaio@ufma.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 43 - Set./Dez. de 2019
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de presentes nessa cadeia produtiva4. Essa disputa foi desencadeada pela
mobilização de dispositivos de regulamentação sanitária – as Instruções
Normativas (INs) nº 51, de 18 de setembro de 2002 (BRASIL, 2002), e
nº 62, de 18 de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011), editadas pelo Mi-
nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) – por parte de
alguns atores presentes na cadeia produtiva do leite, com destaque para o
Sindicato das Indústrias Produtoras de Leite (SINDLEITE), o Ministé-
rio Público Estadual (MPE) e a Agência Estadual de Defesa Agropecuária
(AGED-MA) (CARNEIRO, 2015).
A partir do acompanhamento dessa disputa, interessamo-nos em ve-
ricar seus efeitos sobre a organização da cadeia produtiva da pecuária do
leite, buscando compreender as mudanças no processo produtivo e nas
relações entre produtores primários e unidades de beneciamento de leite,
utilizando insights oriundos de trabalho semelhante, sobre a disputa entre
a produção artesanal e industrial acerca do queijo camembert na França
(BOISARD; LETABLIER, 1987; 1989), e que se tornou uma referência
para estudos semelhantes, realizados a partir da perspectiva teórica da eco-
nomia das convenções (EYMARD-DUVERNAY, 1995) ou da sociologia
pragmática (LEMIEUX, 2018).
Editadas respectivamente nos anos de 2002 e 2011, as INs nº 51 e
nº 62 representavam os principais dispositivos de regulamentação sani-
tária para o setor leiteiro do Brasil, estabelecendo critérios técnicos para
a produção, identidade, qualidade, coleta e transporte do leite5. Pautadas
nos valores da eciência e da proteção à saúde pública, as respectivas nor-
mativas exigem a observação de procedimentos que trouxeram uma série
de modicações nas práticas até então realizadas por produtores de leite e
unidades de beneciamento. Portanto, podemos armar que essas Instru-
ções Normativas deniram o principal marco regulatório para as exigências
da qualidade do leite e conguraram-se como um divisor de águas para
a conguração da cadeia produtiva do leite no país e na região estudada
(SILVA, 2011).
4 O artigo utiliza alguns resultados da pesquisa da tese de doutorado de Lima Neto (2017).
5 Em 26 de novembro de 2018, o MAPA lançou uma nova Instrução Normativa, a IN 77, que estabeleceu novos
critérios/procedimentos para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção de
leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção ocial (BRASIL, 2018).

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