Doubts around the social management concept: theoretical and political dilemmas/Aporias em torno do conceito de gestao social: dilemas teoricos e politicos/Aporias en torno del concepto de gestion social: dilemas teoricos y politicos.

Autorde Pinho, Jose Antonio Gomes
CargoArtigo--Administracao Publica
  1. INTRODUCAO

    Este texto tem como objetivo discutir as aporias suscitadas pelas formulacoes de Fernando Tenorio relativas ao conceito de Gestao Social (GS), fundamentadas na teoria da acao comunicativa de Junger Habermas. Os registros do que pode ser qualificado como GS surgem, segundo Tenorio, em varios momentos historicos, das experiencias autogestionarias da guerra civil espanhola a gestao do Sovkhoz sovietico, aos modelos de gestao neoliberal, ao processo de redemocratizacao no Brasil, como tambem aos distintos movimentos de contestacao, no centro ou na periferia do sistema capitalista. Nos tempos de hoje, a multiplicidade de relacoes e processos que reivindicam a qualificacao GS continua sendo muito vasta--de relacoes produtivas e sociais aos mais distintos processos e padroes de gestao. Varios autores, recorrentemente, consideram que o conceito de GS ainda nao esta claramente definido (MENDONCA; GONCALVES-DIAS; JUNQUEIRA, 2012). Vale a pena notar que sao escassas, se nao raras, as referencias internacionais ao referido conceito, enquanto sao mais frequentes no contexto latino-americano (RAMOS, 2005), e que sao tambem incipientes as pesquisas empiricas sobre o tema (HOCAYENDA-SILVA; ROSSONI; FERREIRA JUNIOR, 2008).

    Desse modo, este texto, que pretende contribuir para o debate em torno do conceito de GS, defende a tese de que sua qualificacao como instrumento de construcao da esfera publica e de emancipacao, ao contrario do que afirma Tenorio, carece de significado teorico e politico. Em primeiro lugar, nao estao dadas as condicoes teoricas necessarias para a constituicao da GS como campo de conhecimento. Em segundo lugar, do ponto de vista politico, nao estao claramente identificados os sujeitos sociais, portadores da historica missao de transformar as assimetricas relacoes entre Estado, sociedade e mercado, no atual contexto de flexibilizacao produtiva e globalizacao capitalista. Desse modo, nos deteremos aqui nos aspectos propriamente teoricos e politicos desse debate, nao abordando de forma mais profunda as pretensoes ontologicas e epistemologicas suscitadas pelo trabalho de Tenorio e dos autores com os quais ele vem desenvolvendo um trabalho conjunto, a exemplo de Pereira e Cancado.

    A metodologia utilizada consiste na analise de textos, exclusivamente teoricos ou teoricoempiricos, cujo foco e o debate em torno do conceito de Gestao Social. Listamos a seguir os textos a que principalmente nos referimos: Gestao Social, um Conceito nao Identico? Ou a Insuficiencia Inevitavel do Pensamento (TENORIO, 2012); Gestao social: ensino, pesquisa e pratica (TENORIO; DIAS, 2011); Gestao Social: uma Replica (TENORIO, 2010); Cidadania e desenvolvimento local: criterios de analise (TENORIO, 2007); (Re) visitando o conceito de gestao social (TENORIO, 2005); Gestao social: uma perspectiva conceitual (TENORIO 1998); Flexibilizacao Organizacional --Mito ou Realidade? (TENORIO, 2000); Gestion publica o gestion social? Un caso de estudio (TENORIO, 2003). Uma referencia nesse debate e o texto de Pinho, Gestao Social: Conceituando e Discutindo os Limites e Possibilidades Reais na Sociedade Brasileira (PINHO, 2010), sendo o trabalho de Jurgen Habermas o solo no qual nos situamos para travar o debate em torno das possibilidades e limites da GS enquanto possibilidade de esfera publica e de emancipacao. Em linhas gerais, as discussoes aqui travadas tem como referencia debates ocorridos no ambito do III ENAPEGS, em 2010, em Juazeiro do Norte (Ceara), e que vem se desdobrando ao longo dos ultimos anos. Do ponto de vista dos procedimentos metodologicos, nao recorremos exatamente a um trabalho de analise de conteudo, em seu sentido classico, mas a um trabalho de exegese, ou seja, a um esforco de construcao de uma genealogia do conceito de GS.

    E preciso registrar que nao pretendemos, aqui, dar conta do debate suscitado pelos varios matizes e abordagens que conformam o que se qualifica, genericamente, o "campo" de GS. Pretendemos, tao-somente, nos aventurar no debate em torno do conceito de GS formulado por Tenorio (particularmente no que diz respeito a sua relacao com a esfera publica e a emancipacao) e discutido e criticado por Pinho, nos textos anteriormente referidos.

    O presente trabalho se estrutura da seguinte forma: o item relativo a Gestao Social, Esfera Publica e Emancipacao apresenta a tese defendida por Tenorio e procura explicitar a natureza da relacao entre os referidos termos e seus significados teorico e politico; o item A Gestao Social no Brasil compreende a discussao travada sobre as condicoes sociais e politicas de producao e reproducao da sociedade brasileira e as possibilidades de constituicao da gestao social como esfera publica; por fim, a secao A Titulo de Conclusao--Dilemas Teoricos e Politicos da Gestao Social apresenta consideracoes sobre a complexa relacao dos referidos termos, particularmente no contexto brasileiro. De forma conclusiva, o texto afirma que as aporias, de natureza teorica e politica, suscitadas pela associacao entre GS e esfera publica sao pouco consistentes, particularmente quando se levam em conta as "adaptacoes teoricas" do modelo de democracia deliberativa habermasiano realizadas por Tenorio e as dificuldades estruturais e politicas de aplicabilidade a realidade brasileira sobretudo pelo fato de nao estarem, efetivamente, identificados os sujeitos sociais cujo interesse historico seria a construcao dos projetos emancipatorios sugeridos por Tenorio. Este texto pretende contribuir para o debate nos campos de conhecimento relacionados com a GS, a administracao e a gestao social, articulando consideracoes teoricas sobre as aporias em torno da gestao da res publica, em suas varias escalas e dimensoes. Ainda que embasado em autores estrangeiros, seu principal foco e a analise da literatura nacional sobre o conceito de GS.

  2. GESTAO SOCIAL, ESFERA PUBLICA E EMANCIPACAO

    A discussao do conceito de GS descortina um rico campo de reflexao teorica, com distintos desdobramentos no ambito da acao publica e coletiva. Como todo conceito em processo de constituicao, o de GS pode torna-se um elemento estruturante de um novo campo de saber e de praticas ou ter uma vida efemera--mais um modismo. A polissemia que envolve o conceito denota a incipiencia de seu carater propriamente teorico e sugere ser mais prudente referir-se a ele como uma nocao e nao exatamente como um conceito. O fato e que, nos tempos atuais, a nocao de GS trafega em distintos campos gramaticais, semanticos, teoricos e epistemologicos, enveredando, muitas vezes, pela indeterminacao, trafegando entre as condicoes de substantivo, adjetivo, de sujeito e de suporte, reportando-se a multiplas possibilidades de pratica e de concretizacao. Seus formuladores qualificam a GS como "processo", "produto" ou "subproduto", relacionando-a a formas bastante diferenciadas de producao de saberes, de realidade, e mesmo a metodos particulares de gestao da res publica (mais ou menos circunscritos a esfera estatal). Tratando-se de possibilidade ou alternativa de gestao do "social" (tambem mais ou menos contra-hegemonica), em suas dimensoes concreta e simbolica, e questionavel seu carater de novidade ou de inovacao no atual contexto economico, social e politico.

    Entretanto, a despeito de sua incipiencia, voltemos a condicao de conceito da GS, o que nos remete a um conjunto de saberes, de praticas, de formas de regulacao (ou emancipacao), concertados ou nao, cujos sujeitos podem ser o "Estado" (com seus distintos modelos e arranjos politicos, aqui genericamente qualificado como o "publico"), o "coletivo", a "sociedade civil", os "movimentos sociais", o "terceiro setor" ou ate mesmo os "empresarios". Quando referido particularmente a praticas de gestao, o termo envereda pelo debate em torno do significado de preposicoes como do social, para o social ou com o social, que passam a ter relevancia nao apenas gramatical, mas principalmente politica, uma vez que estao associadas a possibilidade de superacao de relacoes de mando tradicionais e hegemonicas, qualificadas como homogeneizadoras e opressivas (BULLOSA, SCHOMMER, 2010). Autores como Tenorio, Cancado e Pereira, recorrendo a tradicoes, paradigmas e autores os mais distintos, a exemplo de Aristoteles, Marx, Weber, Tocqueville, Horkheim, Adorno, Habermas, Popper, Khun, Lakatos, Feyerabend, Chalmers, Guerreiro Ramos, Boaventura de Souza e Pedro Demo, propoem a constituicao de um campo proprio de reflexao e de praticas (CANCADO; PEREIRA; TENORIO, 2013).

    Afinal, segundo Tenorio, o conceito de GS se distancia do projeto politico de cunho neoliberal e nos coloca diante da possibilidade de construcao de um novo paradigma de mudanca da tradicional e assimetrica relacao entre Estado, mercado e sociedade, que restringe o publico ao estatal e na qual o primeiro e o segundo (segundo a "cor" das forcas politicas de plantao) sao os demiurgos. E no contexto dessa critica que surge a possibilidade de construcao de uma perspectiva "sociocentrica", na qual o publico e o coletivo se distinguem, sendo este ultimo responsavel pela construcao de formas de interacao, interesses e valores mais amplas. O que significa, exatamente, do ponto de vista teorico e pratico, deslocar o Estado do centro da regulacao e da producao da vida coletiva e colocar o conceito de social em seu lugar? Qual o significado propriamente politico da distincao entre o publico, o coletivo e o social no atual contexto de reproducao capitalista? Quem e exatamente o Gestor Social, esse ser coletivo, o demiurgo da GS? Quem sao os sujeitos sociais responsaveis pela construcao da esfera publica (propriamente social) e pela emancipacao--a sociedade civil, a coletividade, a comunidade, entes indeterminados e amorfos, atravessados por conflitos e contradicoes internas; os empresarios, social e ambientalmente responsaveis? Sao varias as possibilidades de resposta a essas questoes no que atualmente se define como o campo da GS. E nesse contexto que discutiremos...

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