A dupla incriminação e a extradição

AutorAnamara Osório Silva
Ocupação do AutorProcuradora da República em São Paulo
Páginas17-43
título ii
A DUPLA INCRIMINAÇÃO
E A EXTRADIÇÃO
1. CONCEITO. TIPOLOGIAS
A dupla incriminação é uma condição historicamente exigida pelos
Estados em suas relações internacionais de cooperação jurídico-penal, para
efeito de extradição.1
Na gramática do instituto da extradição, sua menção assume, via de
regra, o termo geral “dupla incriminação”, signicando o fato pelo qual
a extradição é solicitada deve ser crime perante a legislação do Estado
requerente e do Estado requerido.2
Por tal concepção, entende-se que o Estado destinatário do pedido de
extradição (Estado requerido) é obrigado a analisar o fato criminoso cons-
tante da solicitação estrangeira (Estado requerente), pelo qual se requer a
extradição, adequando-o a um tipo penal de seu próprio ordenamento jurídico.
O pedido estrangeiro só será acolhido se o requisito, ou seja, a subsunção do
1 A dupla incriminação, como condição para o deferimento do pedido estrangeiro, também está pre-
sente em outros instrumentos de cooperação jurídica internacional, como a assistência direta e a
transferência de presos, os quais não serão abordados nesta pesquisa, que vincula-se à extradição.
2 Conforme ensinam os penalistas que se debruçam sobre a matéria, bem assim, os manuais de
Direito Internacional e a doutrina especializada podendo-se citar alguns: RIPOLLÉS, Quintano.
op. cit., t. 1 e v. 2. BERDUGO, Ignácio et al. Curso de direito penal: parte geral. Barcelona: Ex-
periência, 2004. p. 92; ONECA, Anton. op. cit., p. 145; BUSTOS RAMIREZ, Juan J. Leciones
de derecho penal: parte geral. Madrid: Trotta, 1997. t. 1, p. 118. CARBONELL MATEU, Juan
Carlos. Derecho penal: conceptos y princípios constitucionales. Valencia: Tirant lo Blanc, 1999.
p. 180; CEREZO MIR, Jose. op. cit., p. 284; LUZON PENA, Diego-Manuel. Curso de derecho
penal: parte general. Madrid: Universitas, 2004. v. 1, p. 216; MUNOZ CONDE, Francisco. Dere-
cho penal: parte general. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2007. p. 162. VON LISZT, Franz. op. cit., v.
2. JESCHECK, Hans Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. Barcelona: Bosch, Casa
Editorial, 1981. p. 92. Tradução vertida do alemão para o espanhol realizad por Mir Puig e Muñoz
Conde; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito internacional público. São Paulo: Quartier
Latin, 2009. v. 1, p. 519; REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar.
13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. SHEARER, I. A. Extradition in international law. Manchester:
University of Manchester, 1971. JAREBORG, Nils (Ed.). Double criminality: studies in inter-
national criminal law, cit. DONNEDIEU DE VABRES, H. Traitê elémentaire de droit criminel.
Paris: Librãirie Du Recueil Sirey, 1932.
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dupla incriminação no direito internacional contemporâneo
análise sob a perspectiva do processo de extradição
anamara osório silva
fato criminoso à norma penal primária3 do ordenamento jurídico do Estado
requerido, estiver satisfeito.4
Não raras às vezes, entretanto, o termo “dupla incriminação”5 ou dupla
tipicidade vem associado a outras terminologias, como “dupla identidade”6
“dupla punibilidade”, “dupla procedibilidade”, “dupla penalização”, “dupla
responsabilidade”, “dupla culpabilidade”, “equivalência de crimes”7.
À exceção dos termos “dupla tipicidade” e “equivalência de crimes”,
as demais terminologias sugerem um alcance muito mais além do sentido
de identidade de crimes, pois avançam para o terreno da responsabilidade
penal, da punibilidade e da procedibilidade.
Tais terminologias podem guardar relação com outras cláusulas de re-
cusa de extradição, como é o caso da existência da prescrição do fato (em
relação ao sentido de “punibilidade”), ou da idade do extraditando (com re-
lação à “culpabilidade”), e mesmo mínimo de pena (relativamente à “dupla
penalização”), as quais serão vistas mais adiante, quando da exposição do
conceito de dupla incriminação de acordo com sua classicação.
Em verdade, a adoção da melhor terminologia vai depender da política
criminal de cada Estado e do que se entende por “crime”.
Neste livro, adotar-se-á indistintamente a expressão “dupla incrimina-
ção” e “dupla tipicidade”, a primeira, por estar mais próxima à nomenclatura
utilizada nos tratados de extradição rmados pelo Brasil, e, a segunda, por
ser a referência adotada pela Suprema Corte brasileira.
3 Também chamada de preceito primário. Sobre a estrutura das normas penais, veja-se o ensinamento
do penalista italiano Francesco Antolisei: “Las normas penales de ordinario están constituidas por
dos elementos: el precepto (praeceptum legis) y la sanción (sandio legis). El precepto es la orden
de observar un determinado comportamiento, es decir, de no realizar algo o de cumplir determi-
nada acción; la sanción es la consecuencia jurídica que debe seguir a la infracción del precepto”.
ANTOLISEI, Francesco. Manual de derecho penal: parte general. Bogotá: Temis, 1988. p. 32.
4 À toda evidência, estamos tratando da dupla incriminação sob a perspectiva do Estado requerido, pois,
logicamente, o Estado requerente não demandaria um pedido de extradição sobre fato que considera lícito.
5 Na língua inglesa, adota-se “double criminality” ou “dual criminality”. No espanhol, “double incri-
minación” e no francês “double incrimination”. Por “incriminação” entende-se a tarefa de imputar,
acusar alguém de um crime. Ver DIREITO Virtual. Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.
direitovirtual.com.br/?section=dicionario_portugues-inicial&termo=I>. Acesso em: maio 2012.
6 Quintano Ripollés refere-se à “identidade normativa”, embora, com isso, não queira dizer que os
tipos necessitam ser idênticos. RIPOLLÉS, Quintano. op. cit., t. 2, p. 209. Explica Sonja Gafner
d’Aumeries que Lammasch foi o primeiro a desenvolver o conceito de normas idênticas (Lam-
masch, 1887). Para Sonja essa terminologia é fortemente contestada atualmente porque mostra-se
inadequada uma vez que as disposições penais dos Estados são raramente idênticas. D’AUMERIES,
Sonja Gafner. Principle de la double incrimination: en particulier dans les rapports d’entraide judi-
ciaire internationale en matière pénale entre la Suisse et les Etats-Unis. Genève: Faculté de Droit de
Genève; Helbing &Lichtenhahn, 1992. p. 11.
7 PLACHTA, Michael. The role of double criminality in international cooperation in penal matters.
In: JAREBORG, Nils (Ed.). Double criminality: studies in international criminal law. Uppsala:
Iustus Förlag, 1989. p.104.
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