A economia social solidária e red comparte na América Latina em tempos de pandemia

AutorAlvaro Idárraga, Joaci de S. Cunha
CargoEngenheiro Agrônomo (Colômbia). Secretário Executivo da Red COMPARTE/Advogado, doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pós-doutor (2020) pelo Programa de Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, assessor do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e coeditor da revista Cadernos do CEAS
Páginas398-428
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 250, p. 398-428, maio/ago., 2020 | ISSN 2447-861X
A ECONOMIA SOCIAL SOLIDÁRIA E RED COMPARTE NA AMÉRICA
LATINA EM TEMPOS DE PANDEMIA
The solidary social economy and Red Comparte in Latin America in pandemic times
Alvaro Idárraga
Red COMPARTE/CPAL
Joaci de S. Cunha
Universidade Católica de Salvador (UCSAL); CEAS, Salvador,
Brasil
Informações do artigo
Recebido em 01/10/2020
Aceito em 25/11/2020
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2020.n250.p398-428
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Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
IDÁRRAGA, Alvaro; CUNHA, Joaci de S.
A economia social solidária e Red Comparte na América
Latina em tempos de pandemia. Cadernos do CEAS:
Revista Crítica de Humanidades. Salvador/Recife, v. 45,
n. 250, p. 398-428, maio/ago. 2020. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2020.n250.p398-428
Resumo
O presente artigo discute a economia social solidária na América Latina a
partir da experiência e dos princípios da Rede COMPARTE, abordando as
iniciativas desse setor da economia popular frente à conjuntur a da
pandemia de Covid-19. Inicialmente, parte de uma le itura da c rise
sanitária inserida num contexto maior de crise estrutural de reprodução
das relações e da acumulação capitalista, como pressuposto das políticas
públicas adotadas por alguns governos do continente, a exemplo do
Brasil, Argentina e Colômbia, frente às urgências sociais da pandemia. As
iniciativas dos segmentos sol idários são vistas como caminhos
alternativos de ação social e de reorganização produtiva dos setores
populares diante da incapacidade do capital, em crise, para incorporar
amplos setores d a população latino -americana à pro dução de bens,
serviços e cuidados sociais. Assim, açõe s autônomas em espaços de
elevados níveis de desigualdade e de d esconexão com o s governos
podem ter evitado um número ainda m aior de adoecimento e mortes.
Nessa direção, as inici ativas solidárias abordadas apo rtam sinais de
recuperação dos valores, modos de produzir e relações sociais, em geral,
muito distintos daqueles produzidos pela dinâmica de mercado.
Contribuem, portanto, para a reorganização da vida comunitária em
outros moldes, rompendo com a subjetividade baseada em valores ético-
morais egoísticos. Por essa trilha, a experiência da Rede COMPARTE
reflete múltiplas expressões de economias alternativas, em vários níveis
de progresso e crescimento, que podem convergir para um movimento
social que transforme, mas, sobretudo, multiplique o princípio do cuidado
com a vida e qu içá rompa com a lógica capitalista e sua natureza
especulativo-financeira.
Palavras-Chave: Economia Solidária. Crise Cap italista. Conjuntura da
Pandemia. Covid-19.
Abstract
This article discusses the social solidarity economy in Latin America based
on the experience and principles of the COMPARTE Network, addressing
the initiatives of this sector of the popular economy in the conjuncture of
the Covid-19 pandemic. Initially, i t is part of a reflection on the health
crisis inserted in a l arger context of structural c risis of reproduction of
relations and capitalist accumulation, as a premise of the public policies
adopted by some governments of the continent, such as Brazil, Argentina
and Colombia, in face of the social emergencies of the pandemic. The
initiatives of solidarity segments are seen as alternative ways of social
action and productive reorganization of popular sectors in front of the
incapacity of capital, in cris is, to incorporate broad sectors of Latin
American population to the production of goods, services and social care.
Thus, autonomous actions, in regions of high levels of inequality and
disconnection from governments, may have avoided an even greater
number of illnesses and deaths. In this perspective, the solidarity
initiatives that have been approached show signs of recovery of moral
values, production methods and social relations, in general, very different
from those p roduced by mar ket dynamics. Therefore, the so lidarity
initiatives contribute to the reorganization of community life in other
forms, breaking with subjectivity based on egoistic ethical-mora l values.
Along this path, the experience of the COMPA RTE Network reflects
multiple exp ressions of alternative economies, at various levels of
progress and growth, which may conve rge towards a social movement
that transforms and, most importantly, multiplies the principle of care for
life and perhaps breaks with capitalist logic and its speculative-finan cial
nature.
Keywords: Solidarity Economy. C apitalist Crisis. Pandemic Situation.
Covid-19.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 250, p. 398-428, maio/ago., 2020
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A economia social solidária e Red Comparte na América Latina em tempos de pandemia | Alvaro Idárraga e Joaci de S.Cunha
ás fu ér
Introdução
O dilaceramento das relações e dos valores sociais, levado a cabo pela dinâmica de
reprodução do capital nas atuais crises econômica, sanitária, socioambiental e política deixa
certas produções fílmicas hollywoodianas com ares utópicos. Duvida? Pois bem, nestes
filmes, de pouco valor artístico, mas de grande orçamento, não raro culturas e países
diferentes se unem para enfrentar ameaças que vêm do espaço, de mundos estranhos,
meteoros ou vírus que ameaçam a vida na terra.
Todavia, unidade de propósitos foi o que não se viu como resposta internacional à
grave ameaça e ao efetivo rastro de contaminação e morte produzidas pelo SARS-Cov-2. Ao
contrário de parceria global entre as potências, o que se são tentativas de
enfraquecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), disputas geopolíticas reavivando
o fantasma nuclear, controles neofascistas sendo aplicados ou articulados, guerras regionais
em preparação; além de agravarem-se a xenofobia, o racismo, o feminicídio e a destruição
ambiental. Enfim, o que vimos são diversas formas de manifestação da crise do modo de
produção capitalista e das subjetividades por ele difundidas.
Com esta resposta afirmamos o pressuposto que dá lastro ao presente texto, mas que
não define o seu tema. A conjuntura geral, ainda que seja o seu horizonte temático, não é,
em sentido estrito, diretamente o seu objeto. O foco da análise aqui são os sinais de
recuperação dos valores, modos de produzir e relações sociais, em geral, muito distintos
daqueles produzidos pela dinâmica capitalista e sua sociedade em crises múltiplas.
As ex periências que dão base às discussões aqui realizadas são formas de produzir
alternativas em experimentação, acompanhadas pelo trabalho de um coletivo de centros
sociais e organizações produtivas camponesas em atividade por toda a América Latina, que
constituem a Rede COMPARTE.
Mais especificamente, a rede COMPARTE é uma comunidade de aprendizagem e
ação composta por 16 centros sociais, distribuídos por dois programas em 11 países da
América Latina e uma instituição (ALBOAN) na Espanha. Desde 2011, a COMPARTE tem
centrado a sua ação na qualificação de experiências econômicas produtivas, sustentáveis e
expansíveis, presentes em territórios rurais e urbanos em benefício de comunidades e
territórios excluídos e marginalizados pelo sistema econômico e político vigente . A
expansividade ou ampliação de escala dessas iniciativas depende de muitas variáveis, uma

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