Economia solidária, ativismo sociopolítico e democracia

AutorLuiz Inácio Gaiger
CargoDoutor em Sociologia, docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Bolsista de Produtividade do CNPq, a quem se reconhece esse apoio desde 2000 e diversos auxílios à pesquisa. Esse trabalho contou com a colaboração de Felipe Friedrich da Silva, graduando em Ciências Sociais e Bolsista de ...
Páginas83-110
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 249, p. 83-110, jan./abr., 2020 | ISSN 2447-861X
ECONOMIA SOLIDÁRIA, ATIVISMO SOCIOPOLÍTICO E
DEMOCRACIA
Solidarity economy sociopolitical activism and democracy
Luiz Inácio Gaiger
(UNISINOS)
ORCID iD https://orcid.org/0000-0003-0241-7064
Informações do artigo
Recebido em 01/11/2019
Aceito em 10/04/2020
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2020.n249.p83-110
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Como ser citado (modelo ABNT)
GAIGER, Luiz Inácio. Economia solidária, ativismo
sociopolítico e democracia. Cadernos do CEAS: Revista
Crítica de Humanidades. Salvador, v. 45, n. 249, p. 83-
110, jan./abr. 2020. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2020.n249.p83-110
Resumo
O artigo examina a contribuição da Economia Solidária para os
processos democráticos no Brasil, a partir da sua presença e
atuação em movimentos e organizações de caráter social e
político, tal como se encontram registradas nas bases de dados
do Sistema Nacional de Informações sobre a Economia Solidária
no Brasil. Após caracterizar o escopo temático e o grau de
disseminação dessas formas de atuação, avalia sua
convergência com questões de interesse coletivo e com
procedimentos de caráter democrático. Discute também as
relações entre os níveis de ativismo sociopolítico e as formas de
gestão participativa adotada internamente pelos
empreendimentos de economia solidária. Por fim, analisa os
traços distintivos da liderança e seu possível distanciamento
daqueles indivíduos cuja associação constitui a base dos
empreendimentos. Ao tratar do ativismo sociopolítico de
setores das classes populares, concluindo positivamente a
respeito, o artigo tem como pano de fundo a questão
democrática, o fato de que os cidadãos brasileiros permanecem
profundamente desiguais do ponto de vista dos seus recursos
econômicos, da discriminação imposta por padrões culturais
ainda vigentes e da sua vulnerabilidade a círculos de
dependência e subordinação política.
Palavras-chave: Autogestão. Classes Populares.
Democracia. Economia Solidária. Política.
Abstract
The article examines the contribution of the Solidarity Economy
to the democracy, from its presence and performance in social
and political movements and organizations, as recorded in the
databases of the National Information System on the Solidarity
Economy in Brazil. After characterizing the scope and degree of
dissemination of those forms of collective action, the article
evaluates their convergence with social demands of common
interest and with democratic procedures. It also discusses the
relationship between the levels of socio-political activism and
the forms of participatory management adopted internally by
solidarity economy enterprises. Finally, it analyzes the
distinctive traits of the leadership and their possible dist ancing
from those individuals whose association forms the basis of the
solidarity enterprises. By addressing the socio-political activism
of popular classes, and concluding positively on this subject, the
article has as its background the still challenging d emocratic
question, the fact that Brazilian citizens remain profoundly
unequal from the point of view of their economic resources, of
the discrimination imposed by cultural patterns still in force and
of their vulnerability to circles of dependence and political
subordination.
Keywords: Self-management. Popular Classes. Democracy.
Solidarity Economy. Politics.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 45, n. 249, p. 83-110, jan./abr. 2020
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Economia solidária, ativismo sociopolítico e democracia | Luiz Inácio Gaiger
Introdução
Um dos fenômenos registrados durante o transcurso do período democrático iniciado
no Brasil em 1985 foi a emergência progressiva de organizações com fins sociais e
econômicos, de origem e cunho comunitário ou classista, que adotaram modalidades de
gestão participativa, baseadas em princípios democráticos. Boa parte dessas iniciativas,
levada à frente basicamente pela auto-organização de produtores, trabalhadores, usuários e
consumidores de bens e serviços, perseverou e ganhou forma, identidade e oficialidade, disto
resultando sua designação como organizações ou empreendimentos de Economia Solidária
(CATTANI et al,2009). Seus fatores de impulsão apareceram modernamente desde a
instauração do capitalismo no séc. XIX, dando lugar às vertentes associativas, mutualistas e
cooperativas nas quais se edificou a experiência da Economia Social, em vários países do
Norte e também ao Sul (DEFOURNY; NYSSENS, 2017). Desde esses primórdios, essas
organizações caracterizavam-se por formas de gestão autônomas e participativas (SINGER,
1999).
Na atualidade da América Latina, a Economia Solidária tem sido associada às
iniciativas que almejam gerar trabalho e renda, além de benefícios como maior qualidade de
vida, reconhecimento e cidadania. Associações, grupos informais, cooperativas, empresas de
autogestão, iniciativas locais nas áreas de serviços sociais, finanças solidárias e comércio
justo, além de mecanismos correlatos de fomento e organizações representativas
expandiram-se entre aqueles setores sociais à margem dos sistemas convencionais de
ocupação e proteção social, ou crescentemente frustrados em suas aspirações individuais e
coletivas (GAIGER et al,2014).
Essas práticas converteram-se em objeto de estudo, motivando pesquisas quanto a
seu sentido, seu papel de resistência social e suas virtudes emancipatórias. Ao longo do
tempo, os entendimentos a respeito adotaram distintas ênfases: nos anos 1990, tais práticas
foram vistas, sobretudo, como respostas emergenciais, lenitivas, frente à pobreza e ao
desalento; novas abordagens (RAZETO, 1997; GUERRA, 2002; CATTANI et al, 2009; GAIGER,
2016) levaram a admitir, gradativamente, que o tema, por sua complexidade, tornaria
inapropriado r aciocinar em te rmos dualistas, contrapondo funcionalidade e alternatividade
(LEITE, 2009). Com as posições céticas ou mais entusiastas assim mitigadas, cresceu a
sensibilidade à natureza contraditória desses processos sociais e, a exemplo do

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