Efeitos do assédio moral e legislação de referência

AutorAdriana Wyzykowski/Renato Da Costa Lino De Goes Barros/Rodolfo Pamplona Filho
Ocupação do AutorProfessora substituta da Universidade Federal da Bahia ? (UFBA)/Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário Jorge Amado e da Faculdade Dois de Julho/Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador/BA
Páginas153-175

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4.1. Aspectos iniciais

A prática do assédio moral só traz malefícios, tanto para o empregado assediado e para o assediador, quanto para o empregador, e para toda a sociedade.

Os efeitos negativos355 decorrentes dessa prática não têm qualquer proteção jurídica específica, entretanto deve-se ponderar que essa prática implica a violação dos deveres contratuais356 (arts. 483 e 482 da CLT), bem como a violação do dever de proteção da dignidade da pessoa do trabalhador.

4.2. Sob a ótica do empregado assediado

Os reflexos, nesse sujeito, normalmente são devastadores. O trabalhador é o hipossuficiente da relação subordinativa trabalhista, submetendo-se ao poder diretivo e disciplinador do seu patrão.

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4.2.1. Ataque à integridade físico-psíquica e a reparação por danos morais

Quando o assédio moral se instala, tal processo destrutivo vai minando o bem estar do indivíduo em todas as suas esferas. Tanto no lado profissional, quanto no lado pessoal357, o trabalhador se vê acuado358 diante desta prática injusta e desumana.

Prontamente, sua integridade físico-psíquica359 é afetada, como também sua autoestima e produtividade. Sobre esses efeitos nefastos, traz Guedes360 que:

O tratamento clínico dos pacientes vitimados pelo mobbing avançou de modo decisivo quando Leymann descobriu que a “Desordem Pós-traumática por Estresse” (PTSD) era o diagnóstico psiquiátrico e psicologicamente correto para aproximadamente 95% de um gupo de 64 pacientes vítimas do psicoterror no trabalho. O mobbing é definido como forma extrema de estresse social no local do trabalho. Nesse tipo de conflito a vítima é submetida a um sistemático processo de estigmatização e abuso dos direitos civis, por meio de hostilidades e comportamentos aéticos. A estatística de 64 diagnósticos efetuados por Leymann mostrou um severo grau de PTSD (Desordem Pós-traumática por Estresse) comparável com o PTSD oriundo de uma guerra ou prisão nos campos de concentração.

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No ambiente de trabalho, o indivíduo sofre com o mal-estar e com a humilhação perante os colegas, fato que faz com que ele possa entrar em quadro de depressão, com risco de suicídio.

Além disso, havendo pressão no ambiente de trabalho, cai sua produtividade, não só pelo fato de a produtividade estar diretamente ligada ao grau de satisfação do empregado em relação ao seu emprego, como também pelo fato de que reduzirá sua produção em razão das eventuais faltas para seu tratamento. Daí a necessidade de imediata identificação dos sintomas evidenciados pelo assediado361, para que seja possível o resgate de sua auto-estima e saúde com o fim desse processo depreciativo.

Afinal, como detalha Piñuel362:

La víctima de las agresiones va perdiendo gradualmente la fe y la confianza en sí misma, a consecuencia de lo cual se ven afectados diferentes aspectos de su vida. Entra en un tipo de estrés creciente que va minándola físicamente y que termia haciéndose crónico e inespecífico, dando lugar a multitud de afecciones o enfermedades somáticas crónicas, que suelen conducir a baja laboral, incapacidad temporal o incluso incapacitación permanente. La calidad del trabajo y la eficacia del trabajador se ven alteradas a la baja, proporcionándo-se de este modo nuevos argumentos al acosador para seguir justificando su agresión a la víctima e incrementando perversamente la percepción pública de que se trata de un castigo merecido por parte de ésta.

No ambiente familiar e social363, os reflexos são indiretos. O indivíduo, massacrado mesmo que, silenciosamente, no ambiente de trabalho, vê-se amargurado com sua própria pessoa. O sentimento de fracasso interfere em seu bem-estar e, por via de consequência, em suas relações interpessoais.

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Em reportagem elaborada por Edward364, publicada na Revista Veja, demonstrou a interferência do fenômeno, no âmbito familiar, em consequência das humilhações sofridas no trabalho. Veja-se:

Durante um ano e quatro meses vivi num inferno, como vendedor de uma companhia de bebidas. A ordem da gerência era ridicularizar quem não cumpria as metas. Nas reuniões que precediam as nossas saídas para a rua, cada vendedor relatava os resultados do dia anterior. Quando eu era um dos que não tinham alcançado a meta, me via obrigado a pagar prendas, como subir na mesa e fazer flexões. Ao mesmo tempo, meus colegas eram instigados pelos gerentes a passar as mãos nas minhas nádegas. Às vezes, era obrigado a desfilar de saias ou passar por um corredor polonês formado pelos colegas, ouvindo palavrões e ofensas, como ‘burro’ e ‘imprestável’. Em seguida, eu ia para o banheiro e chorava escondido. Um dia de trabalho depois disso era o maior sacrifício. Em casa, vivia estressado, brigava com a minha mulher. Vivia a ponto de explodir. (Ronaldo Nunes Carvalho, 37 anos, vendedor em Porto Alegre, conquistou o direito a uma indenização de 21 600 reais em virtude das humilhações sofridas como vendedor de uma cervejaria).

Pode-se dizer que as relações familiares são atingidas, principalmente, quando o indivíduo, por vergonha, não revela sua angústia aos seus parentes. Com isto, termina por ficar isolado, bem como tende a brigar mais facilmente com seus familiares. Sobre esse aspecto, pondera Guedes365:

Normalmente a vítima do mobbing tende a desafogar as frustações e a raiva acumuladas no trabalho no ambiente familiar e amigável; parentes e amigos tornam-se o ponto de desafogo natural da vítima. A capacidade da família e dos amigos de suportarem esta situação é limitada, e a intolerância destes debilitam ainda mais o equilíbrio da vítima, que acaba se isolando. Verifica-se, assim, o doppio mobbing, identificado e estudado por Harald Ege. Se a situação persiste por certo tempo, pode coduzir também à ruptura das relações familiares (separação ou divórcio na maioria dos casos). Trata-se, segundo o autor, de uma situação particulamente evidente na Itália, onde o papel social da família é ainda muito forte, diversamente do que acontece nos países nórdicos, onde o liame do indivíduo com a família, sobretudo aquela de origem, tende a esfriar muito cedo facilitado e perseguido pelo sistema educacional.

Assim, inquestionável é que este ataque ao trabalhador atinge a sua esfera extra patrimonial, qual seja, seus direitos da personalidade.

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E, como se verá nesse estudo, linhas adiante, caberá efetivamente reparação aos danos sofridos pelos empregados submetidos ao processo de assédio moral.

Nesse sentido, sustenta Pamplona366:

A fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico para reparar tal dano foi a possibilidade jurídica de estipulação de uma compensação, não necessariamente pecuniária (apesar de ser, frequentemente, a mais adotada), para tentar amenizar a dor sofrida pela vítima. Esta sanção pelo dano moral poderá, inclusive, consistir em uma retratação ou desagravo público, o que, de certa forma, também compensa a dor sentida pela vítima.

No caso de suicídio em virtude de assédio moral, pode-se ainda discutir acerca da possibilidade de reconhecimento da ocorrência de acidente de trabalho nesta hipótese.

Sobre tal tema, importante observação é feita por Pereira:

Consequentemente, se o motivo determinante para a decisão de cometer suicídio está relacionado com o processo de assédio moral a que a pessoa foi sujeita, não se vislumbra porque o motivo não se deve qualificar o dano morte como originado por uma acidente de trabalho. O critério para a sua determinação reside no facto de o evento que dá origem ao dano, neste caso, ter deixado de ser apenas a sujeição a um processo mais ou menos longo, passando a englobar também o acto de pôr termo à sua vida, o qual, por seu turno, encontra a sua razão de ser na exposição a tal feixe de condutas367.

Ainda acerca do reconhecimento como acidente, Pereira368 complementa:

No caso de a vítima se ter suicidado, no pressuposto de se conseguir se estabelecer o nexo casual entre a sujeição a este feixe de condutas e o dano morte, o evento, porque súbito imprevisto, deve ser considerado como acidente de trabalho. Da prática de actos assédio moral emerge responsabilidade contratual para empregador e aquiliana para trabalhador assediante, competindo a vítima a escolha de os demandar conjuntamente ou não.

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Tal entendimento é compartilhado por parte doutrina estrangeira. Neste caminho, sobre o tema diz Rojo369:

La sentencia del Tribunal Superior de Justiça de Navarra, de 30 de abril de 2001, reconoce El “mobbing” como accidente de trabajo, “al provenir la enfermedad como consecuencia del ambiente laboral hostil, existindo nexo causal entre la situación laboral y el síndrome psíquico que padece.

O presente estudo, ao analisar os elementos caracterizadores e os efeitos decorrentes do assédio moral, compartilha deste posicionamento, entendendo ser possível a configuração do acidente de trabalho no caso de suicídio decorrente do assédio.

4.2.2. Da despedida indireta — da interpretação extensiva do art 483 para a tutela do trabalhador

Muito embora existam outras modalidades de assédio moral, a vertical...

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