Ela, a tal

AutorCadernos do Ceas
Páginas1-8
EDITORIAL
ELA, A TAL
Tem coisas sobre as quais ninguém gosta de falar, e outras cujo nome chega a
ser impronunciável. Em certos círculos políticos e na gestão da economia
mundial, então, há coisas que nem se nomina; dão-se a elas nomes que
evitem expressar o que realmente está para acontecer ou, como alternativa,
usa-se o “economês”, para que só os iniciados o saibam. Mas há certos
segredos que não se consegue mais guardar, de tão evidentes.
Um exemplo está na origem da alta inadimplência no mercado imobiliário
estadunidense, na pauta desde 2006 e cujos efeitos atingem a economia
global agora. Para se livrar de uma quebradeira generalizada em 2001, Alan
Greenspan, então presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central
norte-americano), direcionou os investimentos econômicos para o setor
imobiliário, em especial para o financiamento de casas para pessoas de baixa
renda através de títulos de crédito chamados subprime, cuja única garantia é a
hipoteca das casas compradas com ele. O mesmo Fed aumentou as taxas de
juros dos subprime em 2005. Eis no que dá: como quem comprou casa com os
subprime foram famílias de baixa renda, especialmente depois que os bancos
estadunidenses baixaram todas as exigências para a concessão do crédito,
três milhões destas famílias foram à falência ou deixaram de pagar as
prestações da casa própria.
O resultado disso é simples: uma confissão de dívida cujo devedor não tem
como pagar e todo mundo sabe disso se desvaloriza quase automaticamente
(afinal, quem quer um papel que não pode ser transformado em dinheiro?), e o
poder de conseguir dinheiro vendendo essa dívida para outros cai tanto que
pode sair mais barato jogar o documento fora. Acontece que as financeiras que
haviam emprestado dinheiro para os pobres através dos subprime já haviam
passado a batata quente para outros bancos, que a largaram nas mãos de
fundos de empréstimo especulativos, os quais, como bons especuladores
(dormem com um olho aberto e outro fechado), espalharam os subprime no
mercado mundial inteiro. Quando, em 2006, as primeiras instituições
financeiras estadunidenses começaram a falir por causa da “quebra de
confiança” dos mercados (trocando em miúdos, quando todo mundo viu que
cada subprime seria muito difícil de ser transformado em dinheiro antes que
pelo menos três milhões de famílias de trabalhadores norte-americanos
fossem expulsas de suas casas), a bomba já estava armada. Eis de onde vem
“ela, a tal”, cujo nome ninguém fala para que ela não apareça.
George Soros, mega-especulador financeiro global, declarou em fevereiro
deste ano que a situação pode ter dois desenlaces: ou os EUA cedem à China
sua posição de preponderância mundial daqui a alguns anos, quando a poeira
baixar, ou pode acontecer o que ele chama de “coisa pior”. É a situação que
leva o mesmo Alan Greenspan (que facilitou o acesso aos subprime) a dizer
que a “mão invisível” dos mercados tem o leve problema de não funcionar, que
os modelos econômicos com os quais o sistema financeiro mundial trabalha

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