Extensão às emissoras de radiodifusão optantes pelo simples nacional da situação de não-incidência de ISS sobre a veiculação de publicidade

AutorRoque Antonio Carrazza
CargoProfessor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da PUC/SP
Páginas184-197

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1. Circunscrição do problema e encaminhamento de sua solução jurídica

A Lei Complementar 123,14.12.2006 - mais conhecida como Lei Geral da Micro e Pequena Empresa - instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições - SIMPLES Nacional.

O SIMPLES Nacional, nos termos do Anexo III da Lei Complementar 123/2006, acarreta para as empresas optantes o recolhimento mensal dos seguintes impostos e contribuições: IRPJ, CSLL, COFINS, PIS/ PASEP, INSS e ISS.

Ocorre, porém, que a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 não prevê a tributação por meio de ISS dos serviços de veiculação de publicidade prestados por emissoras de rádio e televisão.

Por outro lado, o Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte/CGSN editou, em 30.5.2007, a Resolução CGSN-5, dispondo sobre o cálculo e o recolhimento dos impostos e contribuições devidos pelas empresas optantes pelo SIMPLES Nacional e estabelecendo, em seu art. 14, que: "Sobre a parcela das receitas sujeitas a imunidade, serão desconsiderados os percentuais dos

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tributos sobre os quais recaia a respectiva imunidade, conforme o caso".

Diante disso, deseja-se saber se: (i) a situação de não-incidência de ISS sobre a prestação de serviços de veiculação de publicidade por emissoras de rádio e TV é extensiva às emissoras de radiodifusão optantes pelo SIMPLES Nacional; e (ii) o termo "imunidade" contido no art. 14 da Resolução CGSN-5 pode ser de algum modo aplicado às emissoras de radiodifusão optantes pelo SIMPLES Nacional.

Para levarmos a bom termo nossa tarefa, dividiremos o presente artigo em duas partes. Na primeira teceremos considerações gerais sobre o tema. De seguida, com apoio nas conclusões a que tivermos chegado, procuraremos dar resposta fundamentada às duas questões acima formuladas.

2. Considerações gerais

I-O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, mais conhecido como SIMPLES Nacional (ou Super SIMPLES) - como já adiantamos -, foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei Complementar 123, de 14.12.2006.

O SIMPLES Nacional objetiva, dentre outras coisas, dispensar tratamento tributário favorecido às microempresas (MEs) e às empresas de pequeno porte (EPPs), tal como estipulado no art. 146, III, "d", e parágrafo único, da CF, verbis:

"Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195,I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

"Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, 'd', também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes."

Claro está, pois, que tudo o que disser respeito à tributação das MEs e das EPPs deve receber uma interpretação generosa, posto ser vontade do constituinte - explicitamente manifestada - incentivá-las e submetê-las a uma carga fiscal mais branda que aquela que alcança as empresas privadas em geral.

Deveras, dispensar, em matéria fiscal, "tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte" é reconhecer-lhes as peculiaridades e, ao fazê-lo, eximi-las, o quanto possível, de tributação. Afinal, como é de comum sabença, a tributação lanha a propriedade dos contribuintes, já que fica com uma parcela, por vezes significativa, de suas riquezas.

Logo, por injunção constitucional, as pessoas políticas, mais que a mera faculdade, têm o dever inarredável de dispensar tratamento tributário o quanto possível vantajoso às MEs e às EPPs. Melhor dizendo, os montantes dos tributos a serem por elas recolhidos e os deveres instrumentais tributários a seu cargo devem ser menores que os suportados pelas empresas de médio e grande porte.

Por outro lado, eventuais dúvidas que a legislação tributária possa, a respeito, suscitar devem ser solvidas em favor das MEs e das EPPs.

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Destarte, as normas tributárias devem ser editadas, interpretadas e aplicadas de tal modo que as MEs e as EPPs sofram um mínimo de tributação e suportem o menor número possível de deveres instrumentais tributários.

Em resumo, o já citado art. 146, III, "d", da CF traduz o reconhecimento de que as MEs e as EPPs somente reúnem condições de sobreviver, num mercado dominado pelas grandes empresas (nacionais e internacionais), se receberem tratamento tributário mais benéfico que o dispensado a estas últimas. Estamos, aqui - permiti-mo-nos dizer -, diante de um valor que o Estado é obrigado a perseguir e realizar.1

II- Consoante dispõe o art. 13 da Lei Complementar 123/2006, a adesão, pela ME ou pela EPP, ao SIMPLES Nacional implica recolhimento mensal, por intermédio de documento único de arrecadação, do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), do imposto sobre produtos industrializados (IPI), da contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS), da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), das contribuições para a seguridade social a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei 8.212/1991, do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).

Deixando de lado detalhes, que não vêm para aqui, o montante destes tributos a ser mensalmente recolhido pelas MEs e pelas EPPs optantes pelo SIMPLES Nacional será obtido mediante a aplicação, sobre a receita bruta mensal por elas auferida, de alíquotas progressivas, variáveis conforme o montante da receita bruta acumulada, dentro do ano-calendário, até o próprio mês da incidência. A cobrança dá-se por meio da incidência de alíquotas específicas, ou seja, sobre as receitas decorrentes da atividade industrial, comercial e de prestação de serviços, contabilizadas em separado (cf. art. 18, § 4o, da Lei Complementar 123/2006).

Em meio a todas estas questões, uma idéia, porém, precisa ficar clara: a Lei Complementar 123/2006 não instituiu nenhum novo tributo, mas apenas abriu espaço, em favor das MEs e das EPPs que voluntariamente aderirem ao SIMPLES Nacional, à unificação da fiscalização, do lançamento e da arrecadação de determinados impostos e contribuições.2 Em nenhum momento - convém que se frise -atropelou as garantias formais e materiais, plasmadas pela Constituição Federal, que protegem o contribuinte contra eventuais excessos fazendários.

Noutras palavras, o SIMPLES Nacional não criou - para as MEs e as EPPs que a ele voluntariamente aderirem- novas incidências tributárias, mas, pelo contrário, mitigou as existentes, por meio de uma série de reduções de bases de cálculo e de alíquotas, de simplificações contábeis, de isenções e de benefícios fiscais em geral.

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Assim, nenhuma interpretação da Lei Complementar 123/2006 será havida por jurídica - e, portanto, por boa - se fizer tabula rasa de direitos fundamentais destes contribuintes, como o de só serem tributados na forma da Constituição Federal, maiormente como determinado em seus arts. 146, III, "d", e parágrafo único, e179.

III - Para dirimir eventuais dúvidas, controvérsias ou conflitos acerca do microssistema tributário forjado pelo SIMPLES Nacional, o art. 2°, I, da Lei Complementar 203/2006 criou o "Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte", que, no exercício desta verdadeira função explici-tadora (que há de ser desempenhada estritamente secundum legem),3 editou várias resoluções, dentre as quais a de n. 5/2007, que, em seu art. 14, estabelece: "Art. 14. Sobre a parcela das receitas sujeitas a imunidade, serão desconsiderados os percentuais dos tributos sobre os quais recaia a respectiva imunidade, conforme o caso".

Muito bem. O que se deseja saber, em última análise, é se esta correta diretriz vale também nas hipóteses de não-inci-dência dos tributos, mais especificamente do ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza). Estamos convencidos de que sim.

Realmente, nas hipóteses em que o ISS não incide não há como nem por quê compelir a ME ou a EPP aderente ao SIMPLES Nacional a se submeter a tal gravame fiscal.

Aliás, seria um rematado contra-sen-so exigir ISS da ME ou da EPP quando a média e a grande empresas que exercem a mesma atividade estão a salvo desse tributo.

Neste ponto de nosso raciocínio, é o caso de colacionarmos os sempre preciosos ensinamentos de Carlos Maximiliano, verbis: "Deve o Direito...

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