Encontros e desencontros no centro da mulher brasileira (CMB) anos 1970-1980

AutorRachel Soihet
Páginas237-255
Niterói, v. 7, n. 2, p. 23 7-254, 1. sem. 2007 Niterói, v. 7, n. 2, p. 23 7-254, 1. sem. 2007
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ENCONTROS E DESENCONTROS
NO CENTRO DA MULHER BRASILEIRA
(CMB) ANOS 1970-1980*
Rachel Soihet
Resumo: Apresentar um panorama do signifi-
cado do Centro da Mulher Brasileira (CMB) no
Rio de Janeiro/RJ para as lutas feministas nos
anos 1970-1980 constitui-se o objetivo deste
artigo. A partir de entrevistas com militantes
e utilização de fontes documentais serão fo-
calizadas divergências de en caminhamento
dessas lutas, como parte de preocupações com
o processo de formação de identidades nes-
ses movimentos, ressaltando-se a posição das
esquerdas naquela organização.
Palavras-cha ve: femini smos; des encontros;
consciência de gênero.
Nos anos 1960/1970, boa parte do mundo parecia estar de “ponta cabeça”.
Naqueles anos, irrompera a rebelião contracultural nos Estados Unidos, estendendo-
se à Europa, em especial à França. Aí Maio de 1968 tornou-se emblemático, em sua
tônica incidia na contestação aos valores tradicionais e à sociedade de consumo
típicos do capitalismo, sem esquecer as críticas ao “socialismo real”. Também na
América Latina dominava a efervescência, dando lugar à Revolução Cubana em 1959,
acompanhada pela movimentação de estudantes e trabalhadores, em busca de trans-
formações naquelas sociedades desiguais, movimentação, em grande parte, frustra-
da pela sucessão de golpes militares (RIDENTI, 2000, p. 135). Por outro lado, ainda
nos Estados Unidos, desencadearam-se naqueles anos a luta dos negros em busca
dos direitos civis, seguida pelos protestos contra a guerra do Vietnan, emergindo,
igualmente, a rebelião das mulheres. Assim, vem à tona uma nova vaga feminista
nos Estados Unidos e na Europa, a qual também se manifestou no Brasil e que será
objeto desta abordagem.1 Ele enfocará, mais precisamente, o Rio de Janeiro, pela
análise das diversas correntes do feminismo no Centro da Mulher Brasileira – CMB,
* Colaboraram nesta pesquisa as bolsistas Flávia Copio Esteves, Nataraj Trinta Cardoso, Cecília Chagas de Mes-
quita do CNPq e Erika Silva Ferreira do PIBIC. Este texto é uma versão modificada e acrescida de outras questões
do artigo elaborado com Flávia Copio Esteves, “O Centro da Mulher Brasileira (CMB-RJ) e suas experiências nos
anos 1970 e 1980” (no prelo).
1A primeira vaga feminista desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX, quando as mulheres
lutaram para obter o direito à educação, ao voto, ao trabalho, aos direitos civis. Destacou-se, no Brasil, a
campanha liderada por Bertha Lutz, entre 1919 e os anos 1930.
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Encontros e desencontros no Centro da Mulher Brasileira (CMB) – anos 1970-1980
além de buscar vislumbrar sua contribuição na formação de uma consciência de
gênero em algumas de suas componentes.
Segundo Yasmine Ergas, o termo feminismo indica um conjunto de teorias e
de práticas historicamente variáveis em torno da constituição e da legitimação dos
interesses das mulheres (ERGAS, 1994, p. 590). Confirmando tal perspectiva, obser-
va-se a luta das feministas pelos direitos sociais, como ocorrera anteriormente, em
termos de leis de proteção ao trabalho feminino, no tocante às questões da discrimi-
nação sexual, da licença maternidade, de igualdade salarial etc. Mas novas questões
foram colocadas em suas pautas de reivindicações, distintas daquelas de feminismos
anteriores, expressando o momento histórico em que estavam inseridas. Em conse-
qüência, destacam-se nas agendas feministas certos aspectos como as mobilizações
contra a demarcação rígida de papéis de gênero que sobrecarregava as mulheres
com a dupla jornada e os cuidados exclusivos com os filhos. As “políticas do corpo”
assumiram caráter significativo, manifestando-se as reivindicações em favor dos di-
reitos de reprodução, buscando a plena assunção de seu corpo e de sua sexualidade
(aborto, prazer, contracepção), opondo-se à violência sexual, não mais admitindo
que esta fosse uma questão restrita ao privado, cabendo a sua extensão ao público.
Igualmente, proclamava-se a “existência de uma inextricável ligação entre o reino do
corpóreo e a constituição da subjetividade” (ERGAS, 1994, p. 601). Apontavam tais
mulheres como uma mistificação em relação à separação entre o público e o priva-
do, entre o pessoal e o político, insistindo sobre o caráter estrutural da dominação,
expresso nas relações da vida cotidiana, dominação cujo caráter sistemático apre-
sentava-se obscurecido, como se fosse produto de situações pessoais. Longe estaria
o político, portanto, de estar ausente dessa esfera, na qual se desenvolvem múltiplas
relações de poder (VARIKAS, 1997, p. 67). Assim, ao estabelecer o lema de que “o
pessoal é político”, o movimento feminista alertava as mulheres acerca do caráter
político de sua opressão, vivenciada de forma isolada e individualizada no mundo do
privado, sendo suas mazelas identificadas como meramente pessoais (COSTA, 2005,
p. 11).
No Brasil, essa nova vaga feminista manifestou-se no momento em que o país
se via acossado pela ditadura militar, após o golpe de 1964, fator que contribuiu
para que o feminismo aqui surgido assumisse características peculiares. De um lado,
enfrentou a oposição do governo que via com desconfiança qualquer forma de or-
ganização da sociedade; de outro dos grupos de esquerda que consideravam que a
luta deveria se polarizar contra o governo autoritário e a desigualdade de classes
aqui vigente.2 Destaque-se, nesse particular, o jornal alternativo O Pasquim que, ao
mesmo tempo que se opunha ao regime por meio da ridicularização, voltava sua
mordacidade, igualmente, para as mulheres que se decidiram pela luta com vistas a
2Foi encontrada no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, no Fundo Polícias Políticas no Rio de Janeiro,
documentação do DOPS, na qual pode ser verificado o acompanhamento das atividades do feminismo, atri-
buindo-o à conspiração comunista internacional. Entre outros: “Encontro do Movimento de Mulheres no
Brasil”. Informação no 1303 DI/DGE, Rio de Janeiro, 05 ago. 1981.
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