O que se ensina nos estudos de gênero em Portugal: uma análise bibliométrica dos planos curriculares

AutorCaynnã de Camargo Santos, Mónica do Adro Lopes, Cristina Coimbra Vieira, Virgínia Ferreira
CargoDoutor em Sociologia Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Coimbra, Portugal / Doutora em Sociologia Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Coimbra, Portugal / Professora Associada Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra, Portugal Universidade do Algarve, Centro de Investiga...
Páginas505-526
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 27, p. 01-22, 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: ht tps://doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e87522
Artigo
Original
O QUE SE ENSINA NOS ESTUDOS DE GÊNERO EM
PORTUGAL: UMA ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA DOS
PLANOS CURRICULARES
What is taught in Gender Studies in Portugal: a bibliometric analysis of the syllabi
Caynnã de Camargo Santos
Doutor em Sociologia
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Coimbra,
Portugal
caynnasantos@ces.uc.pt
https://orcid.org/0000-0003-4069-1363
Mónica do Adro Lopes
Doutora em Sociologia
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Coimbra,
Portugal
monica@ces.uc.pt
https://orcid.org/0000-0001-7892-8560
Cristina Coimbra Vieira
Professora Associada
Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação, Coimbra, Portugal
Universidade do Algarve, Centro de Investigação em Educação
de Adultos e Intervenção Comunitária, Faro, Portugal
vieira@fpce.uc.pt
https://orcid.org/0000-0002-9814-1076
Virgínia Ferreira
Professora Associada
Universidade de Coimbra, Faculdade de Economia, Coimbra,
Portugal
virginia@fe.uc.pt
https://orcid.org/0000-0003-3838-054X
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
Objetivo: Mapear e identificar padrões de referenciação bibliográfica nos programas das unidades curriculares dos cursos
de Mestrado e Doutoramento em Estudos sobre as Mulheres, de Gênero e Feministas (EMGF) oferecidos por
Universidades Públicas Portuguesas
Método: Análise bibliométrica das 448 referências indicadas nas 84 unidades curriculares que compõem os três cursos
de doutoramento e quatro de mestrado, em EMGF, em funcionamento no ano letivo de 2021-22.
Resultado: As referências mais comumente mobilizadas nos cursos analisados são livros publicados a partir da década
de 1990, com preponderância da autoria individual. A produção bibliográfica nacional é prevalecente, embora se verifique
um peso significativo de referências publicadas em outros países da Europa e América do Norte, sobretudo em países e
por autores/as anglófonos/as. O perfil de referências é diverso, em termos de procedência disciplinar das autorias, embora
essencialmente circunscrita às Ciências Sociais e Humanas. Similarmente, são diversificadas as temáticas abordadas,
com particular destaque atribuído à problemática das Identidades e das Sexualidades, na qual o diálogo com as áreas
das Ciências Naturais se faz mais presente.
Conclusões: O estudo permite delinear um perfil de oferta formativa em EMGF atualmente disponível em Portugal,
eminentemente teórico, marcadamente pós-estruturalista, interdisciplinar, c om notável abertura aos debates con duzidos
em outros países, mas com parca representação de obras e autores/as dos países do Sul Global, refletindo o anglo-
eurocentrismo das bibliografias atualmente recomendadas.
PALAVRAS-CHAVE: Estudos de Gênero. Conteúdos programáticos. Ensino Superior. Bibliometria.
ABSTRACT
Objective: To map and identify bibliographic referencing patterns in the syllabi of master’s and Ph.D. courses in Women's,
Gender, and Feminist Studies (WGFS) offered by Portuguese Public Universities
Methods: Bibliometric analysis of the 448 references listed in the 84 course units that make up the three doctoral and four
master's degree programs in WGFS, running in the 2021-22 academic year.
Results: The most commonly used references in the analyzed courses are books published from the 1990s onwards, with
a preponderance of individual authorship. The national bibliographic production is prevalent, although there is a significant
weight of references published in other countries of Europe and North America, especially in English -speaking countries
and by anglophone authors. The profile of references is diverse, in terms of the disciplinary origin of the authors, although
essentially limited to the social sciences and humanities . Similarly, the themes addressed are diversified, with particular
emphasis given to the problems of Identities and Sexualities, in which the dialogue with the areas of natural sciences is
more present.
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 27, p. 01-22, 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: ht tps://doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e87522
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Conclusions: The study allows us to delineate a profile of the WGFS training offer currently available in Portugal eminently
theoretical, markedly post-structuralist, interdisciplinary, with remarkable opines to the debates conducted in other
countries, but with s carce representation of works and authors from the Global South, reflecting the Anglo-Eurocentrism
of the currently recommended bibliographies.
KEYWORDS: Gender Studies. Programmatic contents. Higher Education. Bibliometrics.
1 INTRODUÇÃO
O processo de institucionalização e integração dos Estudos sobre as Mulheres, de
Gênero e Feministas (EMGF)
1
no ensino superior se desenvolve de maneira variável em
diferentes contextos nacionais, estando condicionado por um amplo leque de fatores, que
se estendem de dinâmicas políticas e econômicas às particularidades das estruturas
educativas de cada país. Estudos anteriores demonstraram, por exemplo, que cursos e
programas conferentes de grau em EMGF têm sido criados mais rapidamente e em maior
número em países onde há maior autonomia universitária na elaboração dos currículos, as
estruturas da Academia são menos rigidamente disciplinares e o Estado apoia as
discussões sobre estas temáticas (SILIUS, 2002; ZIMMERMANN, 2007).
Em Portugal, os EMGF emergiram como campo de investigação na década de 1980,
um surgimento relativamente tardio em comparação a outros países no contexto europeu
(PEREIRA, 2013). Um importante marco no seu processo de institucionalização na
Academia portuguesa ocorreu em 1995, aquando da criação do primeiro programa
conferente de grau acadêmico em Estudos sobre as Mulheres, um Mestrado oferecido pela
Universidade Aberta, sediada em Lisboa.
Volvidas quase três décadas desde o surgimento do primeiro programa de estudos
na área, será pertinente analisar criticamente a atual configuração dos EMGF nas
universidades portuguesas. Com esse propósito, desenvolvemos uma análise bibliométrica
dos planos das unidades curriculares que compõem os sete cursos de pós-graduação em
1
A opção por uma das três nomenclaturas mais comumente evocadas para designar a área “estudos
sobre as mulheres”, “estudos de gênero” ou “estudos feministas” – caracteriza um ponto de intenso debate
na literatura, sendo esta falta de consenso terminológico reflexo das efervescentes disputas e controvérsias
políticas, teóricas e estratégicas que historicamente marcam as tentativas de definição da natureza,
objetivos e limites do campo de estudos. No contexto acadêmico português, a expressão “estudos sobre as
mulheres” foi, até meados da década de 2000, a mais utilizada, devido à influência anglo-saxônica dos
women’s studies (TAVARES, 2008). A titulação de “estudos” nas três designações remete para a
“desidentidade compósita da interdisciplinaridade” (RAMALHO, 2001, p. 109) que, como sublinha Maria
Irene Ramalho, é característica do campo. Ferreira, por seu turno, considera que a designação de “Estudos
feministas” uma falsa imagem de homogeneidade de perspectivas (FERREIRA, 2001, p. 22).
Recentemente, na esteira da proposta de Maria do Mar Pereira, o termo agregado “estudos sobre as
mulheres, de gênero e feministas” tem alcançado crescente popularidade. Em consonância com Pereira
(2013), utilizamos aqui a nomenclatura agregada, de forma a visibilizar a complexidade e designar a área
de modo inclusivo.

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