O ensino em administração: análise à luz da abordagem das competências

AutorSimone Costa Nunes
CargoDoutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Páginas198-223

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Simone Costa Nunes 1

1 Introdução

A ideia de que a sobrevivência no mercado de trabalho depende da aquisição de mais e/ou novas competências vem se propagando no Brasil,

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especialmente nas duas últimas décadas. Tem sido cada vez mais demandado um profissional que apresente conhecimentos atualizados, competência técnica, iniciativa, capacidade crítica e de inovação, além de ser capaz de lidar com novas informações, entre outros (BRASIL, 1998).

Essa discussão se expande para o campo da formação e da educação, pois como explica Handfas (2001), o novo cenário impõe

[...] a necessidade de superação de um modelo de formação [...] baseado na aquisição de habilidades necessárias ao desempenho das tarefas de cada posto de trabalho e aponta para outro, que traduza os requisitos necessários para a formação geral do trabalhador e sua maior capacidade de pensamento teóricoabstrato e lógicomatemático (HANDFAS, 2001, p. 5).

A esse respeito, Gonczi (1996) acrescenta que as diferenças entre o tipo de educação que se buscava em um contexto de produção em série e o que se busca hoje indicam que existe a necessidade de capacitação de um número maior de pessoas aptas a assumir trabalhos novos que requerem níveis mais elevados de competência.

O vínculo entre a oferta de formação e a demanda por profissionais ditos competentes procede de várias vertentes, com objetivos específicos, tais como: do sistema produtivo – pressão por elevação nos níveis de qualificação; das instituições governamentais e privadas de ensino e formação – ampliação das oportunidades e aproximação do mundo do trabalho; da comunidade internacional – padronização e normalização de procedimentos ocupacionais e reconhecimento de competências tácitas do trabalhador, da segurança e saúde no trabalho e da questão da diversidade; e dos órgãos sindicais – estabelecimento da certificação das competências como espaço de negociação e ampliação do leque de qualificações, a fim de criar mais oportunidades de emprego (BRÍGIDO, 1999).

As transformações necessárias à adequação do ensino a essa nova realidade vêm sendo discutidas em nível internacional. É assim, no bojo desse debate, que a noção de competências ocupa espaço privilegiado, tendo sido eleita como perspectiva pedagógica para a implementação da reforma educacional em diversos países, entre os quais se inclui o Brasil.

Diante desse cenário, surgiu o interesse pelo tema do presente trabalho, cujo objetivo é analisar a inserção da noção de competências no ensino

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superior em nível de graduação. Para tanto, foi escolhido o curso de Administração como objeto de análise.

A abordagem metodológica adotada foi do tipo qualitativodescritiva. O método referese a estudo de caso, realizado em três fases, sendo a primeira delas um estudo piloto. A coleta de dados ocorreu a partir de um roteiro de entrevista semiestruturado. As entrevistas foram gravadas, transcritas, tratadas e analisadas segundo o método de análise de conteúdo, tendose estabelecido previamente as categorias de análise.

Os resultados apontam para uma possível ausência de clareza quanto ao significado de competências e habilidades; falta de articulação entre as habilidades que se propõem desenvolver no aluno e a intenção explicitada de formação; centralização do conhecimento no professor; foco na transmissão de conhecimento em detrimento da formação de competências; dificuldades para a operacionalização do modelo de formação baseado em competências. Podese concluir que, a despeito da identificação de habilidades a serem reveladas pelos alunos ao final do curso, não havia uma norma de competência que subsidiasse o processo de formação. Havia indícios, de um lado, da presença de alguns dos elementos da Pedagogia das Competências no curso pesquisado; de outro, isso não significava que havia uma orientação sistematizada e articulada, de forma global, entre todos os elementos que compunham o processo de ensinoaprendizagem.

Este trabalho encontrase estruturado da seguinte maneira: após esta apresentação é feita breve menção à noção de competências seguida do resgate teórico sobre a formação baseada em competências e a Pedagogia das Competências. Na seção 5 são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa. Na seção 6, o caso é descrito; na seção 7 é feita a análise dos dados e na seção 8 são relatadas as conclusões. As referências utilizadas são apresentadas no final.

2 A Noção de Competências

Uma expressiva quantidade de conceitos e enfoques adotados para a noção de competências pode ser encontrada na literatura. Isso demonstra a heterogeneidade com que o assunto é tratado em diferentes esferas de atividades, como o trabalho e a educação (DIAS, 2008).

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No âmbito do trabalho, o tema vem sendo estudado tanto no plano organizacional, sob a ótica da gestão estratégica (BECKER; DUTRA; RUAS, 2008; FLEURY; FLEURY, 2004; JAVIDAN, 1998; LEI; HITT; BETTIS, 2001; PRAHALAD; HAMEL, 1995), quanto em nível individual, que inclui a gestão de pessoas (BOYATZIS, 1982; DUTRA, 2008; LE BOTERF, 2003; ZARIFIAN, 2001).

Na esfera da educação, os estudos enfatizam diferentes aspectos, tais como a formação de currículos, o processo de ensinar e aprender, a avaliação e as competências docentes, além do enfoque privilegiado na educação profissional, entre outros temas. Exemplos de estudos nesse campo são os de Araújo (2001), Moretto (2009), Perrenoud (1999), Ropé e Tanguy (2003), Rué, Almeida e Arantes (2009), Silva (2008), Zabala e Arnau (2007).

A análise de diversos conceitos atribuídos ao tema permite considerar que “a competência é inseparável da ação” (ROPÉ; TANGUY, 2003, p. 16). Ou, como afirma Perrenoud (1999, p. 10), a construção de competências “é inseparável da formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo real, ao serviço de uma ação eficaz”.

Para fins do estudo que se apresenta entendese como adequada a síntese apresentada por Zabala e Arnau (2007), que reúne as principais ideias sobre a noção de competências. Segundo eles, a competência referese à capacidade ou habilidade para realizar tarefas ou atuar frente a situações diversas, de forma eficaz, em um determinado contexto. Para isso é necessário mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, ao mesmo tempo e de forma interrelacionada. O conhecimento referese ao saber. As habilidades dizem respeito ao saber fazer, que está relacionado com a prática do trabalho. As atitudes referemse ao saber ser.

3 O Enfoque da Formação Baseada em Competências

O enfoque da formação baseada em competências tem suas raízes na década de 1920, nos Estados Unidos, embora só tenha ganhado destaque a partir da década de 1960, quando foi retomado o debate clássico do distanciamento entre o ensino acadêmico e a realidade da vida e do trabalho (OIT, 1999).

McClelland é citado como o responsável pela origem do conceito. Ele argumentou que os tradicionais exames acadêmicos não garantiam o desem-

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penho no trabalho e nem o êxito na vida. Dessa forma, era necessário buscar outras variáveis – competências – que pudessem melhor predizer os resultados (MERTENS, 1996; TRUJILLO, 2000; VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001). Foi assim que surgiu, na década de 1970, o movimento denominado “Ensino baseado em competências”.

O enfoque nas competências profissionais distingue quatro dimensões, que representam a aplicação prática da noção de competências: identificação, normalização, formação e certificação (CINTERFOR, 2004).

A identificação de competências referese ao processo que estabelece, a partir de uma atividade de trabalho, as competências necessárias para o desempenho dessa mesma atividade, de maneira satisfatória (CINTERFOR, 2004). Consiste em uma análise qualitativa do trabalho, que visa descrever os conhecimentos, as habilidades, as destrezas e a compreensão que o trabalhador mobiliza para desempenhar efetivamente uma função (VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001).

O resultado do processo de identificação é o estabelecimento de um perfil de competências, que se converte em norma ou padrão.

A normalização de competências pode ser entendida como a expressão escrita e formalizada de conhecimentos, habilidades, destrezas e a compreensão que o trabalhador deve mobilizar para desempenhar a contento uma atividade de trabalho.

Uma norma compreende o que a pessoa deve ser capaz de fazer, a forma de julgamento do desempenho em relação ao padrão estabelecido, as condições em que a pessoa deve demonstrar sua competência e os tipos de evidências necessários e suficientes para assegurar que o desempenho tenha sido consistente, com base em um conhecimento efetivo.

No desenho da formação devem ser estabelecidos os módulos, as pautas de requisitos do corpo docente, os espaços, os recursos didáticos, as metodologias, os recursos tecnológicos e as atividades profissionais, com os critérios de realização (VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001).

Feita a descrição das competências e a sua normalização, a elaboração de currículos de formação para o trabalho será muito mais eficiente se considerada a orientação da norma.

Para orientar a formação, os conteúdos, as metodologias e a avaliação deveriam concentrarse no marco pedagógico que contemple a aquisição de cada uma das competências requeridas segundo o perfil estabelecido. Para isso, é necessário que as estratégias pedagógicas sejam mais flexíveis que as

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tradicionalmente utilizadas (CINTERFOR, 2004; VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001).

A certificação de competências diz respeito ao ato...

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