Entrevista com Fernando Henrique Cardoso

AutorMarcos Antônio Beal
Páginas232-256
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n34p232
232 232 – 256
Entrevista com Fernando
Henrique Cardoso
Entrevista concedida a Marcos Antônio Beal
IFHC, Vale do Anhangabaú, São Paulo, 23 de setembro de 2013.
Bloco 1: formação e Autointerpretação
t Eu gostaria de iniciar por uma consideração mais geral sobre o
estilo de sua obra: Bernardo Sorj, ao comentar seu estilo inte-
lectual, arma o seguinte: “Filho da sociologia da USP, Fernan-
do Henrique incorporaria muito mais o modelo sociológico de
Guerreiro Ramos (cf. SORJ, 2001, p. 92) do que o modelo socio-
lógico de Florestan Fernandes, seu mestre (cf. SORJ, 2001, p. 93)”.
Essa armação não subverte a interpretação dominante sobre seu
pensamento? Em que medida o senhor concorda com ela?
Fernando Henrique Cardoso: Eu não sei se o Guerreiro me inuenciou mais
do que o Florestan Fernandes. Acho que não. Pode ser que haja coincidência
de estilo de pensamento. O Florestan foi meu professor a vida inteira, desde
que eu tinha 17 pra 18 anos. Depois nós éramos, mais tarde, vizinhos e, a vida
inteira trabalhamos muito. Ele me inuenciou bastante. Agora, não sei em
que sentido ele teria dito que o Guerreiro me inuenciou. Por quê? Qual é a
dimensão que ele acha?
t A caracterização que ele faz se refere ao estilo da sociologia que o
senhor produziu ao longo de sua trajetória, uma sociologia mais
afeita às questões públicas, menos técnica, como temos visto no
Brasil hoje.
Fernando Henrique Cardoso: Nesse sentido, é possível que sim. Mas, aí,
não só o Guerreiro, como o Celso Furtado inuenciou também. O Guerreiro
era, pra nós aqui de São Paulo, do pessoal do Rio, o mais inuente, o mais
consistente. Estou olhando com olhos daquela época. O primeiro trabalho de
sociologia que eu z foi com o Guerreiro, para o Guerreiro. Era uma pesquisa
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Nº 34 - Set./Dez. de 2016
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sobre evasão escolar no SENAI. O Florestan era amigo do Guerreiro e gostava
dele, “redução sociológica” e aquela coisa toda. Então, possivelmente ele tenha
uma inuência indireta sobre mim.
t Eu estou construindo uma interpretação de seu pensamento que
se afasta do rótulo de “intelectual marxista”. Em outra direção,
creio que seu pensamento bebe em três tradições do pensamen-
to social brasileiro: o liberalismo político, a “escola paulista de
sociologia” e o pensamento econômico estruturalista/desenvol-
vimentista. Esta interpretação está correta? Há alguma outra in-
uência que o senhor ache que mereça destaque?
Fernando Henrique Cardoso: De fato, me reduzir a intelectual marxista é
perder um pouco do que eu realmente fui e sou. Porque eu só fui ler Marx
depois que eu tinha lido todos os autores clássicos. Se você pegar o livro
que eu escrevi sobre o capitalismo e a escravidão no Brasil meridional, sem
dúvida, aí tem uma inuência grande de um debate sobre o marxismo, onde
estávamos tentando fazer uma leitura que não é lá muito ortodoxa, e sim mais
humanista do marxismo, a partir de Sartre, Lukács. O livro do Lukács “Histó-
ria e consciência de classe” me inuenciou, a questão da consciência possível,
do escravo etc. Aquilo foi um momento da minha vida. Eu, na verdade, sem-
pre tive uma visão mais eclética. Mesmo neste livro, ele é eclético. O Roger
Bastide, de quem eu fui assistente e que também me inuenciou bastante, fez
uma resenha para Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional em que ele
fala que este livro, na França, não seria concebível porque nós misturávamos
Marx, Weber e Durkheim. Aliás, naquele caso, muito mais Marx e Weber.
Então, eu nunca fui de pegar “O método” e aplicar “O método”. E, quando
eu li “O Capital”, eu não acreditava no Partido Comunista e nem na União
Soviética. Depois da invasão russa à Hungria em 1956, nenhum de nós tinha
nenhuma ilusão com o socialismo real. Então, quando nós lemos o Marx,
foi muito mais em termos de uma leitura intelectual do Marx, de entender
os procedimentos dele. Essa interpretação que você está sugerindo é verdade,
corresponde absolutamente ao que eu penso. Na questão desenvolvimento,
subdesenvolvimento, dependência, teoria, CEPAL, Celso Furtado aí existe
uma inuência indireta do marxismo. E o que eu ressalto sempre – não sei se
você leu um discurso que eu z nos EUA no ano passado, chama-se “Razão
e emoção”1 –, nele eu faço uma discussão sobre quais foram as foram minhas
1 Discurso de Aceitação do Prêmio Kluge. Washington, DC, 10 de julho de 2012.

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