Epistemologia geral

AutorHugo de Brito Machado Segundo
Páginas31-55
CAPÍTULO 2
EPISTEMOLOGIA GERAL
2.1 Conhecimento, sujeito e objeto. 2.2 Imperfeição do conhecimen-
to. Sua inafastabilidade e suas consequências. 2.3 O ser e o dever
ser no comportamento do pesquisador. 2.4 Espécies ou formas de
conhecimento. 2.5 Relevância da abertura, do debate e do pluralismo
nas discussões cientíca e losóca. 2.6 É possível fazer armações
falseáveis sobre normas e sobre valores?
2.1 CONHECIMENTO, SUJEITO E OBJETO
No capítulo anterior, usou-se a palavra conhecimento de forma
bastante ampla, de modo a abarcar todo tipo de informação armaze-
nada, acessada ou utilizada para determinar consequências, ainda que
por processos não conscientes ou mesmo não vivos. Como o sentido
das palavras não é dado a priori pela natureza, sendo, como se sabe,
construído pelos falantes, não há propriamente um erro nesse uso
bastante amplo. Convém, entretanto, lembrar que a palavra também
pode ser, e geralmente o é, utilizada em sentido mais restrito, reservado
ao processo, ou ao seu resultado, por meio do qual um sujeito constrói
uma imagem de determinado objeto, no âmbito de uma relação.
Faz-se presente, aqui, uma dubiedade conhecida como “proces-
so-resultado”, relativa àquelas palavras usadas para designar tanto um
processo como o resultado dele. É o caso, também, de “pensamento”,
DIREITO E SUA CIÊNCIA • Hugo de Brito MacHado Segundo
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“interpretação”, “decisão”, “julgamento” e “raciocínio”. O mesmo
se dá com “conhecimento”, que pode designar tanto a relação ou o
processo por meio do qual um sujeito procura construir uma imagem
de um objeto, como o resultado desse processo.
Conhecimento, portanto, é palavra que designa uma relação,
havida entre um sujeito que conhece, ou sujeito cognoscente, e um
objeto que é conhecido, sendo usada, também, para designar o re-
sultado dessa relação, como tal entendida a imagem construída pelo
sujeito a respeito do objeto.
Registre-se que o conhecimento não necessariamente terá por
objeto apenas parcelas do mundo físico, acessíveis ao sujeito cognos-
cente através dos órgãos dos sentidos, como uma pedra, um inseto ou
o curso de um rio. Também podem ser alvo do conhecimento objetos
ideais, acessíveis por meio da razão, ou do pensamento, como os
números e as operações matemáticas, por exemplo, ou as regras de
um jogo. Voltando à ideia de Karl Popper a respeito dos três mundos,
referida no capítulo anterior, podem ser objeto do conhecimento
tanto entidades do “mundo 1” como entidades do “mundo 3”. Aliás,
o próprio “mundo 2” também pode sê-lo, o que parece ocorrer no
âmbito da psicologia ou da psiquiatria.
Essa noção elementar do que consiste o conhecimento, por
certo, pode ser submetida a diversas críticas, algumas das quais serão
examinadas neste e no próximo item. Ela ainda assim foi aqui enun-
ciada, pois permite uma primeira compreensão do tema, embora em
seguida, com as objeções que se lhe podem formular, a ideia inicial
dela decorrente possa sofrer modif‌icações e aprimoramentos.
O mérito, que se pode atribuir ao criticismo de Kant, de se visu-
alizar o conhecimento como uma relação entre um sujeito e um ob-
jeto, da qual surge uma imagem do referido objeto, feita pelo sujeito,
reside no fato de que há correntes na f‌ilosof‌ia que em geral atribuem
demasiada ênfase a apenas um dos polos dessa relação. Correntes
idealistas emprestam relevância ao sujeito cognoscente ou ao que se
forma no interior de sua mente, desprezando a realidade subjacente,
tida por inacessível ou muito precariamente acessível em função da
imperfeição dos sentidos, enquanto correntes realistas consideram
importante, para o conhecimento, o objeto, a ser pelo sujeito apenas
descrito, sendo equivocada a pretensão de que o sujeito, no ato de

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