Erosão Constitucional e Governança Digital: a influência das plataformas de mídias sociais em processos eleitorais e a solução proposta com a criação do Facebook Oversight Board

AutorAna Luiza Marques
Páginas152-185
152 • Direito & Tecnologias - Capítulo 8
Erosão Constitucional e Governança Digital: a
inuência das plataformas de mídias sociais
em processos eleitorais e a solução proposta
com a criação do Fac eboo k Ove rsig ht B oard1
Ana Luiza Marques
INTRODUÇÃO
Neste artigo, busca-se, inicialmente, tratar das relações entre
as plataformas de mídias sociais e o processo de erosão constitucio-
nal, a partir das ondas de desinformação e fake news que têm mar-
cado processos eleitorais ao redor do mundo. A análise é feita com
enfoque no caso brasileiro, em que a Meta – atual denominação da
empresa que controla as plataformas Facebook, Instagram e What-
sapp – sofreu diversas críticas pelo papel desempenhado durante
as eleições de 2018, especialmente em razão da estratégia do então
candidato, Jair Bolsonaro, de privilegiar a comunicação pelas redes
sociais durante o período de campanha, estratégia que se manteve
durante o seu mandato.
Neste contexto, ganha relevância a atividade de moderação
de conteúdo das plataformas, mecanismo de governança digital,
que, em linhas gerais, visa regulamentar o conteúdo produzido ou
compartilhado pelos usuários da plataforma, de acordo com as suas
políticas de uso. A moderação de conteúdo torna-se ainda mais im-
portante em uma sociedade hiperconectada, em que cada vez mais
1
Em relação ao Facebook Oversight Board, este artigo é uma continuação da
pesquisa que vem sendo desenvolvida em conjunto com Isadora Werneck,
inicialmente com enfoque nos aspectos processuais, e que já culminou com
a publicação de artigo. Ver: WERNECK, Isadora; MARQUES, Ana Luiza
Pinto Coelho. Suprema Corte digital? Facebook Oversight Board e as no-
vas fronteiras da moderação do discurso público no ambiente virtual. In:
Nunes, Dierle; Lucon, Paulo; Werneck, Isadora. (Org.). Direito Processual
e tecnologia: Os impactos da virada tecnológica no âmbito mundial. 1ed.
Salvador: JusPodivm, 2021
Ana Luiza Marques • 153
esferas da vida são realizadas virtualmente, o que aumenta, também,
os impactos da restrição do discurso online.
A partir da conceituação dessa relevante atividade das pla-
taformas de mídias sociais, será analisada a infraestrutura de mode-
ração de conteúdo adotada na plataforma Facebook. O contexto de
criação do Comitê de Supervisão independente do Facebook - Face-
book Oversight Board (FOB), o seu design institucional e as funções
assumidas também serão abordados. Em seguida, as decisões pro-
feridas pelo órgão até o momento de conclusão deste artigo serão
estudadas, o que permitirá aferir como tem sido a atuação do FOB
nos casos que são a ele submetidos.
Assim, o presente texto parte de dois recortes. Inicialmente,
volta-se para moderação de conteúdo, sem desconsiderar o contexto
geral em que esta atividade está inserida, exposto na primeira parte
do texto. Em seguida, restringe-se à análise da moderação de conte-
údo no Fac ebook , especicamente a partir da criação do Comitê de
Supervisão independente do Facebo ok - Facebook Oversight Board
(FOB).
Ao nal, busca-se avaliar se o FOB tem sido e será capaz de
cumprir ao papel a que se propôs – tomada de decisões independen-
tes e mais transparentes sobre a moderação de conteúdo, de forma
a preservar a liberdade de expressão – ou, ao contrário, representa
apenas uma tentativa de aplacar as críticas sofridas pela plataforma,
sem trazer nenhuma mudança signicativa p ara o processo de mo-
deração adotado. Com a aproximação de novo processo eleitoral no
Brasil e a necessidade de maior clareza sobre os critérios que serão
utilizados na moderação do discurso político, a análise torna-se
mais relevante para a resposta à pergunta: haverá avanços no pro-
cesso eleitoral de 2022?
1. FAKE NEWS, DESINFORMAÇÃO E EROSÃO CONSTITUCIONAL
Inicialmente, as plataformas de mídias sociais foram vistas
como meio de democratizar o acesso à informação e auxiliar em
processos de mudança social, como exemplica a repercussão po-
154 • Direito & Tecnologias - Capítulo 8
sitiva ao papel das redes durante o movimento da Primavera Árabe,
em 2010.2
Contudo, com o tempo, esta visão passou por uma mudança
signicativa. Em grande parte, isso se deve ao modelo econômico
que sustenta o funcionamento das plataformas tal qual ele se apre-
senta no momento, oriundo das premissas do neoliberalismo conso-
lidadas ao longo do século XX – que, por si só, já se encontravam em
permanente tensão com a democracia constitucional.3
Entretanto, por mais que seja possível identicar continui-
dades entre o capitalismo industrial e nanceiro e o modelo eco-
nômico que vem se implementando no século X XI, pelas g randes
empresas de tecnologia (as denominadas Big Techs),4 há um fator
novo, oriundo das tecnologias digitais e do constante crescimento
da parcela de nossas vidas desempenhada online, que deve ser con-
siderado: o número de dados, inclusive sobre nossa vida privada e
cotidiana, disponível para coleta, tratamento e monetização.
Assim, o modelo de negócio das Big Techs, diferentemente
do que ocorria até então, é baseado precipuamente na conversão de
aspectos de nossa vida cotidiana em ativos rentáveis de uma eco-
nomia “dadocêntrica” e pouco transparente.5 Os dados, ou seja, a
própria experiência humana, são objeto de extração, tratamento, ar-
mazenamento e comercialização. Para descrever esse novo modelo
2
Veja-se, por exemplo: AL-JENAIBI, Badreya. e Nature of Arab Public
Discourse: Social Media and the Arab Spring. Journal of Applied Journa-
lism & Media Studies, [s. l.], v. 3, n. 1, ed. 2, p. 241-260, 2015. Disponível
em: https://www.researchgate.net/publication/264938731_e_nature_of_
Arab_public_discourse_Social_media_and_the_’Arab_Spring’. Acesso em:
10 mar. 2021.
3
A este respeito, ver: BROWN, Wendy. In the ruins of neoliberalism: the
rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University
Press, 2019
4
As Big Techs compreendem as gigantes companhias que dominam a era
digital, como Google (Alphabet), Facebook (atualmente, Meta), Amazon,
Twitter e Apple, por exemplo.
5
Segundo Morozov, vivenciamos um período de transformação ampla da
vida social “(...) sob condições de conectividade permanente e mercantili-
zação imediata: o que antes se fazia por prazer, ou só para cumprir as nor-
mas sociais, passa a ser rmemente guiado pela lógica de mercado” (MO-
ROZOV, Evgeny. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São
Paulo: Ubu Editora, 2018, p. 33).

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