Viralidade Digital: o adoecimento da democracia pelas fake news

AutorSamara Cristina Oliveira Coelho
Páginas123-151
Samara Cristina Oliveira Coelho • 123
Viralidade Digital: o adoecimento da
democracia pelas fake news
Samara Cristina Oliveira Coelho
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a uma análise teórica-jurídi-
ca sobre o enfrentamento das fake news, considerando que um dos
maiores problemas quanto à sua regulamentação e controle está no
modo como elas se propagam, através de meios digitais, principal-
mente, pelas redes sociais. Daí que a diculdade de regulamentação
do fenômeno passa pelos mesmos percalços do direito e do Estado
de efetuarem o controle de qualquer tema referente à Internet ou
mundo digital1.
1
Lawrence Lessing foi um dos pioneiros a teorizar a relação do Estado e do
direito com o mundo digital, designado por ele de Ciberespaço, locus com
natureza própria. A natureza do mundo virtual é o seu código de constitui-
ção, ou seja, hardwares e sowares. O foco no código e não mais, como tra-
dicionalmente, na regulação de condutas humanas, é a grande inovação de
Lessing. De acordo com ele, há duas maneiras de se regular a Internet, con-
soante com os seus respectivos efeitos. A primeira consiste em lhe a lterar
a arquitetura, o código. Modilo implica recongurar a “realidade física”
ou a “natureza” da Internet, tornando p ossível o que antes era impossível
e vice versa, sem passar por qualquer outra etapa intermediária. A segunda
delas é aprovar leis que, para serem implementadas de maneira ecaz, le-
vam, por consequência, a alterações no código. Nesse contexto, formas de
conter a arbitrariedade ou restrições fáticas da liberdade dentro do mundo
digital não passariam necessariamente por intermediação de regras jurídi-
cas, mas por “ativismos, os quais inuenciariam o próprio código. Nesse
ponto, Lessing enxergava no open source movement um exemplo prático
de uma ecaz medida na contenção da arbitrariedade no mundo digital,
ao atuar diretamente no código de funcionamento da Internet. (LESSING,
Lawrence. Code the other laws of cyberspace apud ABBOUD, Georges.
CAMPOS, Ric ardo. A autorregulação regulada como modelo do Direito
proceduralizado: Regulação de redes sociais e proceduralização. Fake news
e Regulação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020)
124 • Direito & Tecnologias - Capítulo 7
Vale ressaltar, também, que apesar do termo fake news ser
vastamente usado, o “rótulo” abarca vários fenômenos2, que têm
pouco em comum e que geralmente esbarram num juízo de valor
sobre o conteúdo difundido. Porém, há um fator convergente, que
os identica: o fato de serem submetidos a um tipo de inteligência
algorítmica. Por isso, relevante é a ideia de que as fake news devem
ser vistas para além do seu conteúdo, pois o maior problema delas
incide não necessariamente na sua falsidade, mas na sua forma de
propagação, percebida como uma atividade viral, que macula o de-
bate público, ao propiciar uma situação de desordem informacional.
Apesar disso, contudo, as propostas de regulação sobre os
conteúdos postados por usuários nas redes sociais, intitulando-os ou
tipicando-os como “fake news” vão sempre esbarrar numa forma
de controle desse conteúdo, como nos cas os de algumas propostas
legislativas no Brasil3. Sendo assim, inevitavelmente, será exigido
2
Nesse sentido, a pesquisa realizada por Edson C. Tandoc Jr., Zheng Wei
Lim & Richard Ling no artigo “Dening ‘Fake news’”, a partir de uma re-
visão de 34 estudos anteriores, realizados entre 2003 e 2017 que deniram
e operacionalizaram o termo “fake news, constatou como resultado que há
uma tipologia de conceitos abarcados pelo termo “fake news”, sendo elas:
sátira de notícias, paródia de notícias, fabricação, manipulação, publicida-
de e propaganda. Ess as denições são baseadas em duas dimensões: ní-
veis de facticidade e fraude. (TANDOC JR., Edson C.., LIM, Zheng Wei
& LING, Richard. Dening “Fake News”, Digital Journalism, 2017. DOI:
10.1080/21670811.2017.1360143. Disponível em: http://dx.doi.org/10.108
0/21670811.2017.1360143 Acesso em: Agosto/2021). Já um recente estu-
do que foi realizado por Claire Wardle e Hossein Derakhshan , a m de
criar parâmetros sobre o processo de produção e disseminação das fake
news, estabeleceu parâmetros teóricos sobre o assunto das fake news e da
desinformação, e três conceitos centrais foram elaborados, quais sejam: a)
Des-information: a informação falsa que é criada para prejudicar uma pes-
soa, um grupo social, uma organização ou um p aís; b) Mis-information:
a informação que é falsa, mas que não foi criada com o objetivo de causar
danos; c) Mal-information é a informação baseada na realidade, mas que
é usada para causar danos a pessoas, organização ou países. (WARDLE,
Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: Toward an inter-
disciplinar framework for research and policy making. Council of Europe,
2017; Disponível em: https://rm.coe.int/information-disordertoward-an-
-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c. Acesso em: agosto
2021).
3
De acordo com reportagem de 2018 de Pedro Grigori para a Pública

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