A escola normal, as professoras primárias e a educação feminina no Rio de Janeiro no fim do século XIX

AutorJuner E. Hahner
Páginas313-332
Niterói, v. 10, n. 2, p. 313-332, 1. sem. 2010 313
A ESCOLA NORMAL, AS PROFESSORAS
PRIMÁRIAS E A EDUCAÇÃO FEMININA NO
RIO DE JANEIRO NO FIM DO SÉCULO XIX
June E. Hahner
Universidade Estadual de Nova York
E-mail: hahner@albany.edu
Resu mo: Este artigo examina asp ectos
da educaçã o fem inina, da natureza do
magistério primário e do papel da Escola
Normal , conc entrando-se no Ri o de Ja-
neiro, no fim do século XIX. Empregando
font es d ocument ais para inves tiga r as
formas de emprego feminino, as opções
econômicas, as aspirações e o status social
das professoras, as mudanças ocorridas no
magistério e a natureza da Escola Normal
e seu desenvolvimento, tenta-se descobrir
quem eram as professoras e como foi a sua
educação, clarificando, assim, a natureza
do processo da feminização da educação
primária no Brasil.
Palavras-ch ave: escolas normais; femini-
zação ; ed ucação primá ria; prof essoras
primárias.
314 Niterói, v. 10, n. 2, p. 313-332, 1. sem. 2010
Em 1875, Leopoldina da Costa Fontella, uma professora primária no Rio de
Janeiro, mandou uma carta ao inspetor geral da Instrução Primária e Secundária da
Corte, protestando contra a “injustiça com que foi ela tratada” e pedindo os seus
vencimentos. Explicou que se matriculou na Escola Normal no Rio de Janeiro1 no
ano anterior, para “alargar a esfera de seus conhecimentos e adquirir mais instru-
ção”. Esclareceu que “deixou de frequentar a escola em que estava em exercício
[quer dizer, a escola primária onde ela lecionava], para comparecer aos exames
da Escola Normal, que se realizaram durante o dia, apesar de as aulas serem à
noite. Por isso, foi penalizada em seu salário, apesar de outros professores em
circunstâncias iguais às suas, que também faltaram ao trabalho, não terem sido
descontados. Contra esse tratamento discriminatório, ela protestou, “de viva voz”,
junto à Administração da Escola, que, depois disso, não lhe pagou seu ordenado,
apesar de ela ter estado continuamente em exercício. Por isso, o seu pedido de
encaminhamento à Inspetoria para providências quanto aos seus vencimentos.2
Nunca ficamos sabendo do resultado do pedido de Leopoldina da Costa
Fontella sobre os seus vencimentos, mas sua carta nos permite levantar algumas
questões relacionadas a formas de emprego feminino, e aspirações, imagens e sta-
tus social das professoras, bem como ao papel da Escola Normal, na tentativa de
explorar aspectos da educação feminina no fim do século XIX, concentrando-nos
no Rio de Janeiro. Além de focalizar a legislação e os regulamentos pertinentes
à area de educação e os currículos das escolas, fomos às fontes documentais,
como livros de atas, correspondências e livros de matrícula, quando esse tipo
de material está disponível, para procurar saber quem eram as professoras e
como foi a sua educação, bem como a natureza do processo da feminização da
educação primária.3
A primeira legislação a respeito da educação feminina data de 1827, quando
o Parlamento Imperial, numa tentativa de remediar o abandono no qual ficou a
educação durante a época colonial, estabeleceu o sistema bifurcado, que seria
característico do século XIX, com base em uma lei que criou duas faculdades
1 A Escola Normal Livre, fundada pelo conselheiro Manuel Francisco Correa, durou de 25 de março
de 1874 a 20 de dezembro de 1875 (SILVEIRA, Alfredo Balthazar da. História do Instituto de Edu-
cação. Rio de Janeiro: Instituto de Educação, 1954).
2 Leopoldina da Costa Fontella, Inspetora Geral da Instrução Primária e Secundária do Município da
Corte, Rio de Janeiro, 30 de junho de 1875, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 13-1-1.
3 O excelente livro de ALMEIDA , Jane Soares de. Mulher e educação. A paixão pelo possível. (São
Paulo: Editora Unesp, 1998) só trata de vários aspectos do percurso profissional feminino no
estado de São Paulo, incluindo a feminização do magistério. Para uma história abrangente da
educação em São Paulo, ver MARCÍLIO, Maria Luiza, História da escola em São Paulo e no Brasil,
São Paulo: Instituto Braudel/Imprensa Oficial, 2005), na sua bem pensada história da feminização
do magistério elementar em Minas Gerais, nos séculos XIX e XX, denominada Trajetória de femi-
nização do magistério. Ambiguidades e conflitos, (Belo Horizone: Autêntica/FCH-FUMEC, 2005);
Magda Chamon examina a trajetória da feminização do magistério como produto da moderni-
dade capitalista ocidental.

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