A Escravidão do Homem Livre

AutorWashington Bolívar de Brito
Páginas1-18
A Escravidão do Homem Livre
Washington Bolívar de Brito
Sumário: I – Introdução. Liberdade e Escravidão. Direito Romano e “direito
das gentes”. Substrato comum: a força, a violência. Direito ditado pelos Deuses
– o Código de Hamurabi. Direito ditado pelo Deus-Único – os Dez Manda-
mentos. Direito ditado pelos Homens – a Lei das Doze Tábuas e a Magna Car-
ta. II – Declarações de Direitos do Homem e do Cidadão. Preâmbulos: resumo
das causas determinantes nos momentos histórico-condicionados. III – Supre-
macia dos Princípios Fundamentais sobre as normas da Constituição. O princí-
pio da dignidade da pessoa humana e a escravidão. Brasil-Colônia (Ordena-
ções), Império (Lei do Ventre Livre e Lei Áurea) e na atualidade, das antigas
formas do trabalho escravo ao trabalho análogo ao da escravidão. Servidão hu-
mana: da escravidão ao vício das drogas e ao da tecnologia. IV – História do
Futuro. Direitos Humanos na Era da Tecnologia. O Macro e o Micro – da As-
trofísica à Nanotecnologia. Nanotecnologia e direitos humanos. A libertação do
Homem Livre.
Palavras-chave: Direitos humanos, liberdade, escravidão, tecnologia.
I – LIBERDADE E ESCRAVIDÃO
A audácia de escrever sobre tema que já vem de longe, transitando entre
a Filosofia e o Direito, amplamente versado pelos luminares da Antiguidade
e do nosso tempo, em livros e enciclopédias, somente o ânimo de homena-
gear um grande jurista e Magistrado, Professor Reis Friede, justifica.
Nenhuma pretensão, portanto, ao revê-lo, senão a de mero resumo, tal-
vez crítico, mas livre, pelo menos na intenção, de qualquer submissão a cor-
rentes ou ideologias.
A triste verdade é que a Humanidade, também quanto à Liberdade e sua
antítese – a Escravidão, não evoluiu muito, senão em proclamações grandi-
loquentes, rotineira e cotidianamente desprezadas pelas pessoas, povos e na-
ções. Basta conferir clássicas definições romanas, cujo substrato comum é a
força, a violência, inscritas nas Institutas e no Digesto. Registraram que “a
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divisão principal no direito das pessoas é que todos os homens ou são livres ou
escravos”.1
“A liberdade (da qual vem a palavra livre) é o poder natural de fazer
cada um o que quer, se a força ou a lei lho não proíbe”2 “A servidão é uma
instituição do direito das gentes, pela qual é alguém submetido contra a na-
tureza ao domínio de outrem.”3
A noção de liberdade, oposta à de escravidão, portanto, foi bem desta-
cada no Direito Romano: não admitia a escravidão senão como instituição
oriunda do jus gentium. Ao senso jurídico e à sensibilidade dos jurisconsul-
tos romanos repugnava a idéia de que a escravidão fosse um instituto do di-
reito civil; relegaram sua instituição ao direito das gentes, de prática muito
antiga. E enquanto a liberdade era considerada uma faculdade natural, con-
cedida a todos os homens, indistintamente, a escravidão era a submissão de
alguém a outrem, contra a natureza, conforme leciona o saudoso mestre de
Direito Romano Adalício Nogueira, Ministro do Supremo Tribunal Fede-
ral.4
Todo homem é pessoa, mas nem toda pessoa é homem. Para os roma-
nos, havia clara distinção entre homo e persona, bem como entre pessoas fí-
sicas (singularis persona) e pessoas morais, civis ou jurídicas (personae vice
fungitur, personae vice sustinet), produto de ficção jurisprudencial, sujeitos
com capacidade jurídica, o colégio, a cúria, a corporação (collegium, curia,
corpus).5
A condição civil (status) das pessoas variava em graus: a do homem livre
status libertatis; cidadão romano – status civitatis; aquele sem nenhuma
sujeição (poder) no seio da comunidade doméstica – status familiae. Tinha
status ou caput o detentor das três condições. O escravo, portanto, não tinha
status.
Se o escravo era coisa ou pessoa divergem os intérpretes do Direito Ro-
mano: uns lhe atribuem a condição exclusiva de coisa (Ernest Perrot,
Maynz, Bevilaqua); outros, de pessoa (Edouard Cuq, Coelho Rodrigues) ou
de ambas, simultaneamente (Marnoco e Souza), seja pela linguagem obscu-
ra dos textos, seja pelas modificações de sua situação jurídica na evolução do
direito. Resta indubitável, entretanto, que “não era mais do que uma cousa
2
1 Summa itaque de jure personarum divisio haec est; quod omnes aut liberi sunt, aut
servi. Dig. liv. 1, 5, 3. Inst. liv. 1, 3. De jure personarum.
2 Naturalis facultas ejus, quod cuique facere libet, nisi quod vi aut jure prohibetur.
Inst. liv 1, 3 §1º. Dig. liv. 1, 5, 4.
3 Servitus autem est constitutio juris gentium, qua quis dominio alieno contra natu-
ram subjicitur. Inst. liv 1, 3 §2º. Dig. liv. 1, 5, 4 § 1º.m
4 ADALÍCIO NOGUEIRA —”Aspectos de pessoa física no Direito Romano”, Dis-
sertação para Concurso a Cadeira de Direito Romano, na Faculdade de Direito da Ba-
hia, 1940, Tipografia Naval, pág. 15.
5 Dig. liv. 4, 2, 9, § 1º; liv 46, 1,22.

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