O espaço de liberdade, segurança e justiça e o mandado de detenção europeu

AutorAnamara Osório Silva
Ocupação do AutorProcuradora da República em São Paulo
Páginas93-112
PARTE III – A DUPLA INCRIMINAÇÃO E
O MODELO DA UNIÃO EUROPÉIA
título i
O ESPAÇO DE LIBERDADE, SEGURANÇA
E JUSTIÇA E O MANDADO DE
DETENÇÃO EUROPEU
1. A UNIÃO EUROPÉIA E O ESPAÇO DE LIBERDADE, SEGURANÇA
E JUSTIÇA
Em 25 de março de 1957, foram rmados em Roma, os Tratados consti-
tutivos da Comunidade Econômica Européia (CEE) e da Comunidade Euro-
péia de Energia Atômica (CEEA ou EURATOM). Os dois tratados entraram
em vigor em 1º de janeiro de 1958 para os seis Estados contratantes: França,
Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, os mesmos Estados
que fundaram a CECA (Comunidade Européia do Carvão e do Aço)1 em 1951.
A CEE, CEEA e CECA mantiveram-se separadas até que, em 7 de fe-
vereiro de 1992, o Tratado de Maastricht (TUE), criou uma União Européia
fundada em três pilares: (i) o pilar comunitário (das Comunidades Euro-
péias)2, (ii) o pilar intergovernamental de cooperação em Política Externa e
de Segurança Comum (PESC) e (iii) o pilar intergovernamental de coopera-
ção no âmbito da Justiça e de Assuntos de Interior (JAI).3
Em 1997, o Tratado de Amsterdam (TA) reformulou o terceiro pilar de
Maastricht (JAI) e criou o chamado Espaço de Liberdade, Segurança e Jus-
tiça (ELSJ). O ELSJ tornou-se um objetivo da União Européia, descrito no
artigo 2 do TUE, como manter e desenvolver a União como um espaço de
1 MANGAS MARTIN, Araceli; LINAN NOGUERAS, Diogo J. Instituciones y derecho de la Union
Européia. Madrid: Tecnos, 2010. p. 35.
2 Conforme contextualiza Paulo Borba Casella: “A formação e evolução da CE, suplantando tenta-
tivas concomitantes, como o Conselho da Europa – representa uma das mais bem-sucedidas em-
preitadas de integração regional realizadas até hoje -, deve contudo, ser inserida, no contexto geo-
gráco-histórico-político-econômico-social-cultural muitíssimo especíco da Europa Ocidental, no
imediato pós-guerra, no momento da formação dos blocos, por meio dos quais se manifestou e cris-
talizou a guerra fria, e onde intervém injeção maciça de recursos, sob a forma do Plano Marshall.”
A respeito do contexto internacional e formação da CE ver mais em CASELLA, Paulo Borba. União
Européia: instituições e ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 2002.
3 Idem. A Cooperação em matéria de justiça e assuntos de interior (JAI) está prevista no Titulo VI, do
TUE, artigos K a K9.
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dupla incriminação no direito internacional contemporâneo
análise sob a perspectiva do processo de extradição
anamara osório silva
liberdade, segurança e justiça no qual esteja garantida a livre circulação de
pessoas, conjuntamente com medidas adequadas de controle de fronteiras
exteriores, o asilo, a imigração e a prevenção e luta contra a delinqüência. 4
As políticas de controle de fronteiras, asilo, imigração, e cooperação
jurídica civil que antes pertenciam ao terceiro pilar (JAI) foram transferidas
ao primeiro pilar, isto é, tornaram-se “comunitárias””5, passando a integrar o
Titulo IV do TUE, ao passo que a cooperação penal e policial permaneceram
no bloco intergovernamental do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça.
A principal contribuição dos Tratados constitutivos de Maastricht (1992)
e Amsterdam (1997) relativamente à cooperação penal, ainda que tenha esta
permanecido no pilar intergovernamental, foi a de criar um caminho para a
cooperação penal que antes só se desenvolvia com base em tratados multi-
laterais ou bilaterais entre os Estados membros.
Ao analisar a nalidade do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça
VITORINO (2004) assevera que consiste em assegurar que a liberdade,
que inclui o direito de livre circulação em toda a União, possa ser desfruta-
da em condições de segurança e de justiça acessíveis a todos.6
O último tratado constitutivo da União Européia, o Tratado de Lisboa
(TFUE), de 13 de dezembro de 2007, avançou ainda mais no processo de
harmonização legislativa do ESLJ, na medida em que previu a extinção dos
pilares intergovernamentais, e por conseqüência a necessidade do consenso
entre os Estados para as suas formulações, além de ter disposto, expressa-
mente, sobre a supressão das fronteiras interiores.7
4 Amparado na noção de Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (ELSJ), o Tratado de Amsterdam
incorporou, também, o acervo de Schengen de 1985 na União Européia. O Sistema de Schengen foi
criado por um Acordo de 14 de junho de 1985, pelo qual participaram Bélgica, Holanda, Luxembur-
go, França e Alemanha, posteriormente, com a adesão, de Itália (1990), Portugal e Espanha (1991),
Grécia (1992), Áustria (1995), Dinamarca, Finlândia e Suécia (1996) e dois Estados não membros
da União Européia, Islândia e Noruega (1996). Suas normas, regulamentações e práticas no tocante
ao controle de fronteiras exteriores e supressão de fronteiras interiores foram incorporadas ao ELSJ.
5 A “comunitarização” signica a submissão da matéria ao processo de co-decisão legislativa da Con-
selho e do Parlamento europeu, bem assim, à jurisprudência do TJUE.
6 Ambiciona-se criar uma União em que as pessoas e os fatos jurídicos possam circular com liber-
dade e segurança. A liberdade de circulação, apesar das vantagens que apresenta, facilita também
a mobilidade dos agentes criminosos e dos proventos das suas atividades. VITORINO, Antonio.
O espaço europeu de liberdade, segurança e justiça. Disponivel em: <http://www.janusonline.
pt/2004.2004_3_1_5.html1> Acesso em: 22 nov. 2011.
7 Segundo artigo 67 do TFUE, os objetivos do ESLJ cam mais claros: 1. Garantir a ausência de con-
troles de pessoas nas fronteiras interiores e desenvolver uma política comum de asilo, imigração
e controle de fronteiras exteriores baseada na solidariedade entre Estados membros e que seja equi-
tativa para com os nacionais de terceiros países, ao que se assemelham os apátridas. Esta matéria se
regula no Capitulo 2, titulado “Política sobre controles em fronteiras, asilo e imigração”, e se refere
as matérias que estavam cobertas pelo Titulo IV do TCE.
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