A espiritualização do poder punitivo: a religião como palanque político
Autor | Jackson Silva Leal, Priscila Fernandes Borges, Jéssica Domiciano Jeremias, Alex da Rosa |
Páginas | 159-188 |
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CAPÍTULO4
AESPIRITUALIZAÇÃODOPODERPUNITIVO:
ARELIGIÃOCOMOPALANQUEPOLÍTICO
Neste último capítulo a investigação se voltou para o recente processo
de crescimento substancial da bancada parlamentar evangélica, em um
verdadeiro processo de politização da religiosidade, ainda que o discurso
do mesmo segmento seja o inverso, pautado no caráter apolítico de suas
posições, arrogando-se uma neutralidade em termos de valores que são
justificados desde uma compreensão eminentemente neocristã, ou mesmo
ortodoxa enquanto moralidade social.
E, consoante a isso se faz seu potencial e rigoroso julgamento, que
se transmuta em uma percepção extremamente tradicional acerca das
condutas criminais, arrogando-se uma função de paladinos da moral e
dos bons costumes, que se reafirmaria com a certeza da punição, se não
pelos homens e seu direito penal, com certeza por um julgamento divino
supra-humano.
Inclusive atribuindo a finalidade de cumprimento de supostos manda-
mentos bíblicos/religiosos a se efetivarem mediante a cobrança por meio
da ameaça penal e punitiva do direito penal e suas instituições penais. A
isso que se denominou de espiritualização do poder punitivo, na medida
em que o populismo punitivo, que já se trabalhou acima, nesse momento
ganha contornos próprios, e o reforço da ordenação religiosa, assim como
a justificativa para as ações de política criminal se justificam.
Nesse capítulo portanto, visa-se demonstrar o crescimento dessa con-
cepção e vertente religiosa em consonância a perspectiva de avanço do
poder punitivo e da percepção social de rigor no julgamento criminal,
o que se verifica desde sua base teórica e doutrinaria, e se materializa
nos discursos políticos-parlamentares que se verificou na pesquisa junto
aos sítios oficiais do congresso nacional utilizando-se da ferramenta da
análise de discurso.
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Assim como também uma análise quantitativa, a partir dos dados oficiais
acerca do crescimento dessa corrente político-religiosa nos últimos quinze
anos no Congresso Nacional (especialmente tomando por base o processo
eleitoral de 2014) e a formação de legendas e coligações alinhadas desde
pautas religiosas e sua base de valores sociais.
Iniciando-se com um resgate de uma base teórica eminentemente teo-
lógica, que em grande medida esta fora da pauta de leitura das ciências
sociais, de maneira geral, e que, portanto, importa para a presente dis-
cussão o balizamento de alguns de seus elementos teóricos e contexto
de formação.
4.1. PENTECOSTAIS E NEOPENTECOSTAIS NO BRASIL
Para compreender a complicada divisão entre pentecostais e neopen-
tecostais, sinteticamente e apenas com fins de situar o leitor, é preciso
remeter ao termo que fazem referência: o pentecostes como marco da
doutrina Católica do Espírito Santo, suas manifestações – na revelação
de Jesus e no dia da Efusão -, que constituem data celebrada no fim das
sete semanas pascais. Como parte da trindade católica, o Espírito Santo
“faz o mundo entrar no último dos tempos, o tempo da igreja, do Reino”
(VATICANA, 2000, p. 211).
Diferenciando-se da doutrina católica, a reforma protestante procede
principalmente por uma desvaloração dos sacramentos e descentralização
da igreja, atribuindo o princípio da interpretação individual das escritu-
ras como chave da espiritualidade, sendo essa hermenêutica da palavra
iluminada pelo Espirito Santo e o pentecostes (WEBER, 2016, p. 170).
Como bem frisou Weber, as denominações protestantes desenvolvem
uma forte doutrina ascética, uma prática voltada ao labor e pratica sobre
si em busca da retidão, o que bem disciplina os indivíduos e promove
um espírito de comunidade coeso, por meio dum controle endógeno
voltado ao distanciamento do mundo não religioso, dito como secular
(2016, p. 240-260).
Similar em alguns pontos das protestantes tradicionais, ou de primeira
onda, tais como a Metodista e Batista, a Assembleia de Deus (segunda
onda) desenvolve-se no Brasil no início do Sec. XX importada do mo-
delo protestante norte americano (BAPTISTA, 2007, p. 191). Todavia, o
isolamento político da doutrina ascética protestante, a fuga do mundo
secular, modifica-se quando face a massiva população católica brasileira
a população protestante precisa se organizar garantir espaço de profissão
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