Esplanada - Vara crime, júri, execuções penais, infância e juventude

Data de publicação21 Fevereiro 2022
Número da edição3044
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE ESPLANADA
INTIMAÇÃO

0000256-61.2018.8.05.0077 Adoção
Jurisdição: Esplanada
Requerente: Lucas Leandro De Matos
Advogado: Tania Regina De Matos (OAB:BA51309)
Terceiro Interessado: J. F. N. P.
Custos Legis: Ministerio Publico Do Estado Da Bahia

Intimação:

LUCAS LEANDRO DE MATOS, por conduto de advogado constituído, propôs “AÇÃO DE ADOÇÃO UNILATERAL DE MENOR COM PEDIDO GUARDA EM TUTELA DE URGÊNCIA” (sic) em favor de JOÃO FELIPE NASCIMENTO PAZ, contra JOSÉ ÊNIO PAZ JÚNIOR, todos qualificados nos autos.

Afirma o Autor que manteve união estável com Janai Cristiane Santos Nascimento, genitora do infante, desde 2012. Aduz que ela faleceu em 04 de maio de 2018.

Assevera que sempre prestou ao infante toda a assistência moral, material e afetiva. Relata que JOSÉ ÊNIO PAZ JÚNIOR se separou judicialmente de Janai Cristiane Santos Nascimento em 2009 e que nunca se mostrou presente na vida do infante.

Pugna pela procedência da ação para conceder ao requerente a adoção unilateral de João Felipe Nascimento Paz, com a destituição do seu pai biológico, o requerido.


Juntou documentos (id. 101403096 - Pág. 10

Decisão concessiva de tutela de urgência (guarda) no id. 101403104 - Pág. 9.

Citação pessoal do réu José Ênio – id. 101403107 - Pág. 7.

Relatório de estudo social na residência do requerente – id. 101403107 - Pág. 14.

Juntada de novos documentos no id. 101403107 - Pág. 25/101403108 - Pág. 1.

Parecer do Ministério Público favorável ao pedido – id. 101403108 - Pág. 4.

Em audiência judicial, o réu concordou com o pedido do autor- id. 101403611 - Pág. 1

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Por primeiro, é mister salientar que, em casos como o presente, o aplicador do Direito deve prestigiar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, elevando-o a critério primordial na interpretação da disciplina legal e na busca pela solução mais adequada dos conflitos que os envolvem.

O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que na interpretação desta lei deve-se levar em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

É incontroverso, nos autos, que o hoje adolescente João Felipe Nascimento Paz está sob a guarda do Requerente, de forma ininterrupta, desde a tenra idade, constatando-se o forte vínculo afetivo pelo convívio diário entre eles.

No caso concreto, a adoção apenas formaliza situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.

Maria dos Santos Nascimento, avó materna de João Felipe Nascimento Paz, veio aos autos no id. 101403104 - Pág. 6 e anuiu ao pedido formulado pelo autor, relatando que ele sempre foi presente na vida do infante.

Em consulta ao PJE, constato que, no processo de n. 8000563-73.2018.8.05.0077, foi reconhecida judicialmente a união estável entre o requerente e a mãe do adotando.

O relatório social de 101403107 - Pág. 14 asseverou que João Felipe está com Lucas “desde os 05 anos de idade (…)” e conclui que “(…) a composição familiar em que o adolescente esta inserido há uma boa estrutura financeira e fortes laços de afetividade, permitindo que o adolescente se desenvolva com possibilidades de ser um cidadão com seus direitos assegurados e acesso aos serviços que garantam a sobrevivência do mesmo (..)” (sic).

Há, nos autos, como acima relatado, diversos documentos, dentre os quais:

-Certidão de nascimento de João Felipe Nascimento Paz (nascido em 09/03/2006) – id. 101403096 - Pág. 12.

-Certidão de óbito da genitora do infante - 101403096 - Pág. 16.

-Sentença de separação judicial entre JOSÉ ÊNIO PAZ JÚNIOR e Janai Cristiane Santos Nascimento-id. 101403103 - Pág. 11

- Relatório de estudo social na residência do requerente – id. 101403107 - Pág. 14.

-certidão negativa de antecedentes criminais -id. 101403107 - Pág. 25/101403108 - Pág. 1.

De mais a mais, em audiência judicial, o réu concordou com o pedido do autor- id. 101403611 - Pág. 1.

Os documentos apresentados pela parte Autora demonstram sua aptidão física, mental e material.

O art. 50, § 13, do Estatuto da Criança e do Adolescente assim dispõe: “Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.”.

A adoção unilateral (ou adoção por cônjuge/companheiro) é prevista no § 1º do artigo 41 do ECA “Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. § 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes. “

Nessa perspectiva, o consorte pode adotar o enteado durante a constância do casamento ou da união estável (ou até mesmo após), desde que demonstrada a existência de liame socioafetivo consubstanciador de relação parental concretamente vivenciada pelas partes envolvidas, de forma pública, contínua, estável e duradoura.

Sobre tal modalidade de adoção, Maria Berenice Dias leciona:

“Solvidos os vínculos afetivos, a tendência de todos é buscar novos amores. Quando um ou ambos possuem filhos de uniões anteriores, há a possibilidade de o novo parceiro adotá-los. Forma-se um novo núcleo familiar – as chamadas famílias mosaico – e é natural o desejo de consolidar os laços familiares não só do par, mas também com relação aos respectivos filhos. Por isso, admite a lei que o cônjuge ou companheiro adote a prole do outro. Ocorre a exclusão do genitor biológico, que é substituído pelo adotante, permanecendo o vínculo de filiação com relação ao outro genitor (ECA 41 § 1º). Em outras palavras, se uma mulher tem um filho, seu cônjuge ou companheiro pode adotá-lo. A criança permanece registrada em nome da mãe biológica e o adotante é registrado como pai. O filho mantém os laços de consanguinidade com a mãe e o vínculo paterno é com o adotante. O poder familiar é exercido por ambos, e o parentesco se estabelece com os parentes de cada um dos genitores. É o que se chama de adoção unilateral. Estabelece-se uma biparentalidade fática do filho com o parceiro do genitor biológico. Trata-se de forma especial de adoção, que tem caráter híbrido, pois permite a substituição de somente um dos genitores e respectiva ascendência. Daí também se chamar adoção semiplena. Subsistem impedimentos matrimoniais de duas ordens, tanto com relação à família de sangue (CC 1.521 I, II e IV), como com relação à adotiva (CC 1.521 III e V). Nada justifica condicionar a adoção ao consentimento expresso do genitor. A necessidade da concordância é de todo descabida. Muitas vezes abandonado pelo pai, o filho passa a ter estreita vinculação com o companheiro ou marido da mãe. Como o abandono serve de causa para a perda do poder familiar (CC 1.638 II), essa é a única solução quando injustamente o pai se insurge contra a adoção. Resistir a essa possibilidade revela sacralização do vínculo familiar originário, ainda que desfeito, em detrimento do elo de afetividade que se estabeleceu com quem assumiu os deveres parentais. O pai somente precisa ser citado para se sujeitar aos efeitos da sentença, pois perderá o vínculo jurídico com o filho. O novo cônjuge ou companheiro dispõe de legitimidade ativa para a ação de destituição do poder familiar do genitor cumulada com a ação de adoção. Ainda que não requerida a destituição do poder familiar, esse é um efeito anexo da sentença. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 517-518)”

Na forma do artigo 50, §13, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, compreendo que o caso se amolda à hipótese de adoção unilateral, sendo desnecessário que a parte Autora tenha inscrição em cadastro de adoção (CNA).

Ademais, no art. 43 da Lei n. 8.069/90 (ECA), o legislador definiu dois critérios básicos para o deferimento da adoção, quais sejam: reais vantagens para o adotando e motivos legítimos.

Considerando que, na hipótese dos autos, é oferecido ambiente familiar adequado ao adotando, além de existir amor, carinho e afeição por parte do adotante, cumprem-se os requisitos então estabelecidos.

Essas circunstâncias, portanto, reforçam a convicção deste magistrado no sentido de reconhecer o vínculo da filiação socioafetiva, em respeito, especialmente, ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.

Cabe ainda salientar que, do que foi colhido dos autos, restou claro que, desde a tenra idade, o réu se afastado da vida do infante. Por tais razões, entendo desnecessária prévia ação objetivando destituição...

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