Essenciais ou descartáveis? Trabalhadores em supermercados 'descobertos' durante a pandemia de COVID-19 no Brasil

AutorPatrícia Rocha Lemos, Bianca Briguglio
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.79536
101101 – 122
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Essenciais ou descartáveis?
Trabalhadores(as) em supermercados
“descobertos” durante a pandemia de
COVID-19 no Brasil
Patrícia Lemos Rocha
Bianca Bigruglio
Resumo
O artigo analisa as condições de trabalho dos(as) trabalhadores(as) de supermercado durante a
pandemia de COVID-19. Por um lado, o caráter essencial de sua atividade diante das políticas
de isolamento social para conter o vírus chamou à atenção para a importância desse trabalho de
pouco ou nenhum prestígio social. Por outro lado, como poderemos observar para o conjunto de
categorias consideradas essenciais, essa indispensabilidade da atividade não implica necessaria-
mente a valorização social com reexo em melhores condições de trabalho. O artigo baseia-se
em evidências de pesquisas de campo realizada em lojas da rede Walmart no Brasil, entrevistas
semiestruturadas com trabalhadores(as) e dirigentes sindicais, dados administrativos e da mídia.
O argumento aqui defendido é que, no caso dos trabalhadores(as) de supermercados, a pandemia
contribuiu para agravar condições de trabalho que já eram precárias, aprofundando a vulnerabilida-
de e expondo ao risco de vida e adoecimento trabalhadores(as) e seus familiares.
Palavras-chave: Trabalho em supermercados. Condições de trabalho. Precariedade laboral.
1 Introdução
Este artigo explora as condições de trabalho de trabalhadores(as) de
supermercados no Brasil durante a pandemia de covid-19. Ele examina
as maneiras pelas quais a importância dessa atividade foi revelada ao pú-
blico, ou seja, “descoberta” aos olhos da grande massa de consumidores
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Patrícia Lemos Rocha, Bianca Bigruglio
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para quem esses(as) trabalhadores(as) eram até o momento invisíveis.
Entretanto, essa indispensabilidade durante o isolamento e/ou distancia-
mento social não tem sido suciente para o reconhecimento da necessi-
dade de garantir condições de vida e de trabalho dignas. Desse modo,
esses(as) trabalhadores(as) permanecem “descobertos” no sentido da priva-
ção de seus direitos. É a partir dessa tensão – entre a atribuição essencial da
atividade e a descartabilidade dos sujeitos que a desempenham – que este
artigo evidencia as diferentes formas como o contexto pandêmico reforça
as já precárias condições de trabalho e aprofunda a situação de vulnerabili-
dade e insegurança vivenciada por esses(as) trabalhadores(as).
Os estudos sobre varejo, especialmente sobre as características do tra-
balho neste setor, são muito limitados e despertam pouco interesse, como
já reconheceram autores como Grugulis e Bozkurt (2011) e Wrigley e Lowe
(1996). Embora permaneça pouco estudado, como explicam Grugulis e
Bozkurt (2011, p. 4-10), o trabalho do varejo é signicativo, diverso e
problemático. Seu estudo contribui para a compreensão da dinâmica das
relações de trabalho no atual contexto de expansão do emprego no setor
de serviços, tanto em face da internacionalização quanto da globalização
do varejo (DAWSON, 2007; WRIGLEY; COE; CURRAH, 2005) e do
processo mais amplo de precarização do trabalho em escala global.
A crise sanitária que atingiu o mundo e chegou ao Brasil no início de
2020, acabou agravando a crise social, econômica e política em que o país
estava mergulhado. A disseminação do vírus evidenciou dois grandes pro-
blemas que afetam mais gravemente os(as) trabalhadores(as) precários(as).
O primeiro diz respeito às diculdades de praticar o distanciamento social
e o isolamento domiciliar, tanto pela necessidade de renda quanto por
problemas estruturais que impedem esses(as) prossionais de ter acesso a
condições básicas como moradia e saneamento básico. O segundo proble-
ma são as condições precárias de trabalho de empregados(as) no comércio
varejista, que se aprofunda na pandemia pela falta de condições mínimas
de higiene, acesso a EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e pro-
teção social para quem precisa se afastar temporariamente do trabalho.
Para os que permanecem em atividade, aumenta a jornada, as pressões e as
causas de adoecimento.

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