Estratégias de enfrentamento da pandemia da covid-19 no mundo: o Brasil como caso de fracasso

AutorNaomar Almeida-Filho
CargoPh.D. em Epidemiologia. Professor Titular de Epidemiologia, Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Professor Visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP. Pesquisador 1-A do CNPq
Páginas294-316
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 294-316, maio/ago., 2021 | ISSN 2447-861X
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19
NO MUNDO: O BRASIL COMO CASO DE FRACASSO
Strategies to cope with the Covid-19 Pandemic in the world:
Brazil as a case of failure
Naomar Almeida-Filho
Instituto de Saúde Coletiva da UFBA
Informações do artigo
Recebido em 3/10/2021
Aceito em 04/11/2021
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n253.p294-316
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Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
ALMEIDA-FILHO, Naomar. Estratégias de
enfrentamento da Pandemia da Covid-19 no mundo: o
Brasil como caso de fracasso. Cadernos do CEAS:
Revista Crítica de Humanidades. Salvador/Recife, v.
46, n. 253, p. 294-316, maio/ago. 2021. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n253.p294-316
Resumo
Este artigo analisa processos políticos induzidos por
retórica negacionista como determinante da dinâmica da
pandemia de Covid-19 no Brasil. Em primeiro lugar,
analisa os efeitos das desigualdades estruturais sobre a
dinâmica social da pandemia, resultante de
desentendimentos e descoordenação na formulação e
execução de políticas de controle da pandemia. Em
segundo lugar, apresenta uma análise política construída
a partir da identificação de conflitos e inconsistências
entre narrativas e evidências estruturantes do discurso
oficial sobre a pandemia. Nessa perspectiva, modelos de
intervenção e medidas de controle em diversos pa íses, e
sua subsequente adoção ou rejeição em nosso país, são
interpretados como equívocos estratégicos que se
tornaram fracassos no enfrentamento da crise sanitária
da Covid-19 no Brasil.
Palavras-Chave: Covid-19. Medidas de controle.
Políticas de saúde. Brasil.
Abstract
This article analyzes political processes induced by
denialist rhetoric as a determinant of the dynamics of the
Covid-19 pandemic in Brazil. First, it analyzes the effects
of structural inequalities on the social dynamics of the
pandemic, resulting from disagreements and
discoordination in the formulation and implementation
of pandemic con trol policies. Secondly, it presents a
political ana lysis constructed from the identification of
conflicts and inconsistencies between narratives and
structuring evidence of the official discourse on the
pandemic. From this perspective, intervention models
and control measures in several countries, and their
subsequent adoption or rejection in our country, are
interpreted as strategic misconceptions that have
become failures in coping with the health crisis of Covid-
19 in Brazil.
Keywords: Covid-19. Control measures. Health policies.
Brasil.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 294-316, maio/ago., 2021.
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Estratégias de enfrentamento da Pandemia da Covid-19 no mundo... | Naomar Almeida-Filho
Introdução
Afinal, uma pandemia, do que se trata? E quais seriam seus desdobramentos sobre o
Sistema Único de Saúde, esse patrimônio de política pública da sociedade brasileira? O que
significa atuar numa escala societal, a partir da esfera institucional pública na qual opera a
universidade, para reduzir efeitos sociais imediatos da Covid-19?
Epidemias, endemias e pandemias, do ponto de vista científico e técnico, constituem
fenômenos de grande complexidade. Uma pandemia é formada por distintos objetos de
conhecimento, processos de determinação e diversas possibilidades ou modos de
intervenção, em muitas e várias dimensões biológica, clínica, epidemiológica, ecossocial,
tecnológica, econômica, política, simbólica e suas respectivas interfaces. Nas interfaces,
expressa complexas interações biológicas, culturais, sociais e ambientais. Na pandemia da
Covid-19 observamos ocorrências simultâneas em vários planos de realidade:
microestrutural, que trata das reações moleculares e celulares; microssistêmico, ligando
metabolismo e tecido; subindividual, processos que ocorrem nos órgãos ou sistemas do
corpo; individual, sintetizado na expressão caso clínico, para designar pessoas atingidas por
uma doença; o nível epidemiológico, que abarca populações sob risco de alguma doença; o
ecossocial, que examina eventuais alterações ambientais ligadas à emergência de novas ou
velhas doenças; e o plano simbólico que atinge e é atingido por aspectos políticos e sociais.
Escrevi um ensaio recente justamente sobre esse tema (ALMEIDA FILHO, 2020).
Nesse texto, ar gumento que a pandemia do novo coronavírus não se reduz a um patógeno
que repentinamente se tornou capaz de ameaçar a saúde humana, o SARS-CoV-2. Nem se
trata de conjunto de sinais e sintomas inicialmente desconhecidos de uma nova entidade
mórbida batizada de COVID-19. Nem uma série de indicadores epidemiológicos e curvas
epidêmicas, nem um pr ocesso dinâmico d e disseminação e contágio. Nem mesmo é uma
grande narrativa arbitrária, uma “infodemia” de fake news, mitos e mentiras, junto com o
medo/pânico que tudo isso provoca, nem se refer e às crises econômicas, políticas e
psicossociais dela decorrentes ou a ela associadas.
Uma pandemia é um evento singular e complexo, como furacões, tsunamis e guerras,
que altera não só corpos humanos, mas também o tecido social, relações econômicas, meios
de comunicação, a política. Não se pode dizer numa pandemia que “isto causa aquilo”,
porque nos sistemas complexos tudo está integrado. Nenhuma dimensão de análise,

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