Estrutura Institucional e Arquitetura Participativa em setores de políticas públicas

AutorCarla Giani Martelli, Celene Tonella, Rony Coelho
CargoProfessora e pesquisadora do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Universidade Estadual Paulista - UNESP/ Araraquara / Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual de Maringá / Visiting Research Fellow, Institute of Development Studies ...
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.65413
257257 – 299
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Estrutura Institucional e Arquitetura
Participativa em setores de
políticas públicas1
Carla Giani Martelli
Celene Tonella
Rony Coelho
Resumo
O objetivo deste artigo é sistematizar estruturas socioestatais de dez setores de políticas públicas.
Utilizamos o conceito de capacidade estatal para falar da autonomia do Estado para xar políticas
e sua capacidade para implementá-las, o que depende de arranjos técnico-administrativos e arran-
jos políticos relacionais. Para medi-los, foram criados o Índice de Estrutura Institucional (IEI) e o
Índice de Arquitetura Participativa (IAP) a partir de dados das pesquisas Munics e Estadics do IBGE
de 2014. Os resultados apontam correlação positiva entre o IEI e o IAP: forte estrutura institucional
e forte arquitetura participativa nas áreas da Saúde, Educação, Assistência Social e Meio Ambiente;
fraca estrutura institucional e fraca arquitetura participativa para os setores de Mulheres, Cultura,
Segurança Alimentar, Segurança Pública, Direitos Humanos e Esportes. Esses resultados são qua-
licados analisando-se a trajetória da Assistência Social, Política para Mulheres e Cultura a partir
dos documentos das respectivas Conferências Nacionais.
Palavras-chave: Capacidades estatais. Participação. Políticas públicas. Conferências. Conselhos.
1 Introdução
Desde a Constituição de 1988, o Brasil assiste à multiplicação de expe-
riências participativas. A partir de 2003, principalmente nos dois governos
1 Este trabalho é vinculado ao Projeto: “Mudanças e permanências nos padrões de participação política no Brasil:
análise longitudinal do envolvimento político dos brasileiros (1988-2013)”, financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Estrutura Institucional e Arquitetura Participativa em setores de políticas públicas | Carla Giani Martelli, Celene Tonella, Rony
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Lula, essas experiências se intensicaram em números e, muitas delas, em
termos de escala abrangendo as esferas municipais, estaduais e nacionais.
Como observa Santos (2018), a agenda governamental federal foi aberta
a temas que vinham sendo reivindicados pelo ativismo societal há déca-
das, resultando na implementação de programas e ações em áreas como:
juventude, cultura, promoção da igualdade racial, políticas para as mulhe-
res, cidades, economia solidária, segurança alimentar e nutricional, entre
outras. Para todas elas foram criados ministérios ou secretarias especiais
que passaram a contemplar mecanismos de participação social, como são
exemplos os conselhos e as conferências nacionais. Note-se que, no pe-
ríodo de 2003-2014, dez novos conselhos nacionais foram criados e 103
conferências foram realizadas, com destaque para a área de políticas sociais
(57,2% do total de conferências realizadas). Nos ciclos conferenciais, esti-
mou-se participação de 7 milhões de brasileiros (SANTOS, 2018, p. 428).
Este boom de experiências participativas veio acompanhado de um
signicativo avanço de pesquisas para o campo (ALMEIDA; CAYRES;
TATAGIBA, 2015). Algumas agendas têm se voltado para os estudos sobre
os efeitos ou resultados das experiências participativas na operacionalidade
da democracia brasileira. Não à toa, fala-se em “problema da efetividade”
(AVRITZER, 2011) ou em “agenda da efetividade” (GURZA LAVALLE;
VOIGT; SERAFIM, 2016) com produção considerável de pesquisas que
têm abordado as “estratégias de avaliação” de diversos modos e ângulos
(PIRES, 2011). Também pesquisadores têm avançado na compreensão de
que há uma multiplicidade de sentidos para o termo efetividade e que
ampliar o leque de signicados implica aumentar as lentes analíticas na
avaliação da efetividade das experiências participativas para a qualidade e/
ou o aprofundamento da democracia brasileira (ROMÃO; MARTELLI,
2013; ALMEIDA, 2017; ZORZAL; CARLOS, 2017;; MARTELLI;
ALMEIDA; LÜCHMANN, 2019; MARTELLI; COELHO, 2021).
Essa frente de trabalho tem aberto um diálogo profícuo com o campo
de políticas públicas, assumindo novos desaos teóricos e metodológicos
na busca por aferir os resultados produzidos pela inclusão de processos par-
ticipativos na gestão de políticas públicas. Juntando o acumulado de estu-
dos do campo da participação, variáveis – tais como desenho institucional,
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 20 - Nº 48 - Mai./Ago. de 2021
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grau de organização da sociedade civil, compromissos políticos e ideológi-
cos dos atores envolvidos, trajetória do setor da política, coesão da comuni-
dade política etc. – têm sido testadas para avaliar o quanto importam para
que as instituições participativas tenham um papel efetivo no desempenho
de um dado setor de política. Olhando pela perspectiva do Estado, estudos
têm chamado atenção para o fato de que a vontade dos atores estatais,
ainda que fundamental, não é suciente para que objetivos sejam alcan-
çados. Como enfatiza Souza (2017, p. 31), “[...] os atributos dos Estados
precisam ser complementados por mecanismos que viabilizem sua ação”.
Em outros termos, é preciso haver autonomia estatal para xar políticas e
capacidade para implementá-las, o que dependente de arranjos técnico-ad-
ministrativos e de arranjos políticos relacionais, tal como vem sendo discu-
tido por autores que tratam das chamadas “capacidades estatais” (PIRES;
GOMIDE, 2016; GOMIDE; PEREIRA; MACHADO, 2018). Em ter-
mos gerais, essas capacidades dizem respeito à identicação de problemas,
formulação de soluções, execução de ações e entrega dos resultados.
Considerando o protagonismo do Estado na intensicação de pro-
cessos participativos, especialmente nos governos petistas, neste trabalho
questiona-se em que medida suas capacidades garantem meios para a efe-
tividade desses processos. O conceito de capacidades estatais parte de uma
compreensão multidimensional das condições de ação do Estado, como
mostraremos no próximo item. Para os ns deste artigo, importa olhar o
aspecto relativo às instituições que estruturam um setor de política pública.
Para tanto, objetiva-se sistematizar a estrutura institucional de dez setores, a
saber, Assistência Social, Cultura, Direitos Humanos, Educação, Esportes,
Meio Ambiente, Mulher, Saúde, Segurança Alimentar e Segurança Pública.
O que vericaremos é a existência ou não de algumas estruturas técnico-
-administrativas para cada um desses setores em nível nacional e subna-
cional como Ministério e/ou Secretaria, Sistema e/ou Política Nacional e
Estadual, Fundo Nacional e Estadual. Também vericaremos, para os dez
setores, a existência ou não de conselhos e conferências em nível nacional
e subnacional, buscando informações sobre o potencial para os arranjos
político-relacionais do Estado.

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