Ética, Cidadania e Direitos Humanos: A Experiência Recente da Constituinte no Brasil

AutorJosé Geraldo de Sousa Júnior
CargoProfessor na Universidade de Brasília

A partir da consideração do pluralismo jurídico e de um modelo de interlegalidades que nele se fundamenta, Boaventura de Sousa Santos aponta para o que designa porosidades de diferentes ordens jurídicas que obrigam a constantes transições e transgressões.

É neste contexto que o sociólogo português repõe o tema dos direitos humanos referidos a práticas sociais emancipatórias, nas quais as transgressões concretas são sempre, diz ele, produto de uma negociação e de um juízo político.

Para Boaventura, a reciprocidade é o critério geral de uma política democrática emancipatória, enquanto a forma e os meios de negociação deverão ser privilegiadamente os direitos humanos enquanto expressão avançada de lutas pela reciprocidade.

"Uma tal prática de direitos humanos é uma prática radical porque tem lugar nas diferentes configurações de legalidade e assume, portanto, a possibilidade de envolver práticas ilegais em qualquer dos direitos estruturais, incluíndo o próprio direito estatal. É, pois, uma práticas pós-reformista. Mas é também, de algum modo, uma prática pós-revolucionária, na medida em que privilegia a negociação em detrimento da ruptura e, quando recorre a esta última, constrói-a como micro-ruptura feita de momentos de legalidade e de ilegalidade num contexto prático concreto, limitado. A radicalidade da prática dos direitos humanos aqui proposta reside acima de tudo em não ter fim e, como tal, em conceber cada luta concreta como um fim em si mesmo. É uma prática micro-revolucionária. Uma prática contigente, tão contigente como os sujeitos individuais e coletivos que se mobilizam para ela a partir das comunidades interpretativas onde se aprende a aspiração de reciprocidade".

Note-se que Roberto Lyra filho, na medida em que formulou a sua concepção de Direito, na abordagem de sua dialética social- "aquilo que ele é, enquanto vai sendo, nas transformações incessantes do seu conteúdo e forma de manifestação concreta dentro do mundo histórico e social"- também indicou como critério de avaliação dos produtos jurídicos contrastantes, na competitividade de ordenamentos, os direitos humanos.

Lyra Filho fala em direitos humanos, pois, enquanto síntese jurídica. Para ele, o processo social, a História é um processo de libertação constante e dentro deste processo histórico, o aspecto jurídico representa a articulação dos princípios básicos da Justiça Social atualizada, segundo padrões de reorganização da liberdade que se desenvolvem nas lutas sociais do homem.

Nesta perspectiva diz Roberto Lyra Filho:

"Justiça é Justiça social, antes de tudo: é atualização dos princípios condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à criação duma sociedade em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. Direito é processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, perfeita e acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e opressões que o contradizem, mas de cujas próprias contradições brotarão as novas conquistas. À injustiça, que um sistema institua e procure garantir, opõe-se o desmentido da Justiça Social conscientizada; às normas, em que aquele sistema verta os interesses de classes e grupos dominadores, opõem-se outras normas e instituições jurídicas, oriundas de classes e grupos dominados, e também vigem, e se propagam, e tentam substituir os padrões dominantes de convivência, impostos pelo controle social ilegítimo; isto é, tentam generalizar-se, rompendo dos diques da opressão estrurural. As duas elaborações entrecruzam-se, atritam-se, acomodam-se momentaneamente e afinal chegam a novos momentos de rupura, integrando e movimentando a dialética do Direito. Uma ordenação se nega para que outra a substitua no itinerário libertador. O Direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda".

Vê-se, logo, nesta ordem de consideração, que a reposição do tema dos direitos humanos referidos ao contexto de práticas sociais emancipatórias, repõe, por sua vez, o problema da inafastável e incindível...

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