A ética profissional dos arquitetos

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas119-124

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O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio?

Padre António Vieira, Sermão de Santo António, 1654

O termo "ética" deriva do grego "êthos" que significa caráter, costume, comportamento, o que indica já seu objeto material: é um conhecimento voltado à análise e determinação da "conduta moral do homem" (Jolivet). Como ensina Goffredo, "na linguagem moderna, o adjetivo ético designa a qualidade de ser concernente às atividades próprias do ser humano, ou seja, a seus atos deliberados e voluntários"1. "Ética" e "moral são termos largamente intercambiáveis, embora o primeiro termo tenha um caráter prescritivo e o segundo um sentido subjetivo de introjeção das normas éticas - e sua obediência na vida concreta (e não serão poucas as obras literárias que tratam de situações-limite em que o protagonista tem que optar entre um comportamento ou outro, v.g., Madame Bovary)." A ética profissional é um aspecto particular da ética geral que dirige e normaliza o comportamento deliberado do homem no mundo de relações sociais, em que aparece o exercício de uma profissão, qualquer que seja. Daí que seja nomeada "deontologia" (do grego "deon" = dever e "logos" = conhecimento), ou seja, ciência dos deveres profissionais objetivada (v. o Regulamento de Deontologia da Ordem dos Arquitetos de Portugal, no próximo capítulo).

A ética geral assenta sobre um princípio básico central que é aquele enunciado por Ulpiano: neminem laedere, ou seja, deve-se buscar o Bem e, em conseqüência, não se pode prejudicar os outros, em qualquer circunstância. Trata-se do dever moral básico, o de agir retamente. A propósito, Kant formou o imperativo categórico a reger a razão prática: "age de tal forma que a norma de tua ação possa ser tomada como lei universal". Assim, não me é permitido enganar os outros porque o engano, a trapaça, o embuste, se transformado em norma geral, conduziria à desagregadora "guerra de todos contra todos" (bel-

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lum omnium erga omnes). Porém, ao lado das normas éticas gerais, sugem normas éticas especiais para determinadas relações sociais como a ética negocial, a ética sexual, a ética na política, etc. Na verdade, o princípio ético continua o mesmo, inalterado, em todas essas situações. Ocorre que elas determinam a afirmação de subprincípios e normas próprias e específicas para cada contexto específico.

Assim, por exemplo, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, de 2001, fixa logo no art. 1º: "Este Código estabelece os princípios éticos e as regras básicas de decoro que devem orientar a conduta dos que estejam no exercício do cargo de deputado federal". Da mesma forma, os códigos de ética das profissões liberais existem para disciplinar o comportamento profissional dos agentes, que se caracterizam pela ampla possibilidade de escolhas na prestação de serviços (autonomia) aos cidadãos. Mas entenda-se: escolha quanto aos meios técnicos. O profissional age em função das finalidades - desde que lícitas2 - definidas pelo contratante mas é senhor da utilização dos melhores meios, isto é, delibera acerca dos meios mais adequados na consecução delas. Mesmo o Código Guadet, de 1895, já trazia restrições às determinações do "cliente", cujos interesses o arquiteto deveria defender: "10. Toutefois, l’architecte ne se prête pas à des opérations, même exigées par le client, qui seraient de nature à léser les droits des tiers", ou seja, o arquiteto não se dispõe a atividades, mesmo que exigidas pelo cliente, que poderiam lesar os direitos de terceiros.

Portanto, entre os meios de ação que o profissional define não poderá estar a corrupção de funcionários públicos para obtenção da licença edilícia porque isto tanto é uma falta ética quanto um crime, não podendo se transformar jamais em lei universal. É o desvio da norma, sua vulneração. Se a avalição ética é determinada pelas escolhas feitas, o fato é que no exercício da profissão o arquiteto precisa fazer as melhores escolhas considerando certos "objetos" ou paradigmas de ação, que subordinam aquelas escolhas a valores inerentes à profissão. Os...

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