O 'Eu' ordinal: entre aplicativos, emoções e indicadores

AutorElaine Leite
CargoProfessora do Departamento de Sociologia e Política de do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni-versidade Federal de Pelotas (UFPel)
Páginas70-94
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e91367
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“Eu” ordinal: entre aplicativos,
emoções e indicadores1
Elaine da Silveira Leite2
Resumo
O presente artigo procura abordar o advento dos aplicativos digitais de autoajuda que visam a pro-
mover o desenvolvimento pessoal e o bem-estar emocional e físico. Inspirado pela sociologia eco-
nômica e das emoções, e pela estratégica metodológica que integrou o mapeamento e a seleção
dos principais aplicativos de desenvolvimento/crescimento pessoal, bem como o levantamento de
informações sobre os aplicativos em sites e redes sociais, e de uma pesquisa de inspiração etnográ-
ca via o uso desses aplicativos. A maioria destes aplicativos buscam estimular o crescimento pes-
soal e a melhorar as habilidades emocionais através de um dispositivo neutro (aplicativo) que se
alimenta de dados diários do “eu”, isto é, estimulam práticas de automonitoramento constante, e
fornecem grácos e indicadores que possibilitam a visualização de métricas do “eu”. Desse modo,
as evidências preliminares deste estudo apontam que as emoções são consequências das habili-
dades pessoais/mentais que perpassam pela materialização em números e estatísticas do “eu”. A
interação mediada por aplicativos tende a encorajar o esforço contínuo para a auto-otimização or-
dinal da vida, intensicando o trabalho emocional, bem como o trabalho relacional. Assim, propõe
uma discussão sociológica sobre a constituição de indicadores, grácos e índices de autocontrole
emocional via aplicativos que projetam na felicidade o “eu ordinal”.
Palavras-chave: autoajuda, emoções, lógica ordinal.
1 Algumas informações preliminares para a construção deste artigo encontram-se no trabalho: Aplicativos e emo-
ções: a quantificação da felicidade. Anais da 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28
de agosto a 03 de setembro de 2022.
2 Professora do Departamento de Sociologia e Política de do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni-
versidade Federal de Pelotas (UFPel), Bolsista Produtividade CNPq - Nível 2.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 51 - Mai./Ago. de 2022
7170 – 94
Introdução
O presente estudo aborda o advento dos aplicativos digitais de autoajuda
que visam a promover o desenvolvimento pessoal e o bem-estar emocional
e físico. A maioria destes aplicativos é pautada pelo princípio da psicologia
positiva, garante estimular o crescimento pessoal3 e melhorar as habilidades
emocionais através de um dispositivo neutro (aplicativo) que se alimenta
de dados diários do “eu”, isto é, estimulam práticas de automonitoramento
constante, e fornecem grácos e indicadores que possibilitam a visuali-
zação de métricas do “eu”. Desse modo, consideramos aplicativos de au-
toajuda, conforme Mazzilli (2019), aqueles aplicativos móveis que visam
a fornecer uma instrumentalização tecnológica de superação individual,
pautados pelo discurso do crescimento pessoal, autonomia, positividade
e, autoempreendedorismo; assim, quanticam o processo de superação in-
dividual, ofertando novas metas e desaos para seus usuários, mantendo
estes sempre engajados.
Aplicativos de monitoramento de saúde existem há algum tempo no
Brasil; entretanto, a popularidade teve início com os aplicativos “tness”
sobre queima de calorias, índices de gorduras, e aqueles que calculam os
passos diários (NASCIMENTO, 2014);assim, o mercado de aplicativos
de automonitoramento se legitima, em princípio, via o uso de aparelhos
eletrônicos para registrar desde a taxa de açúcar e gordura no sangue à
pressão arterial, padrões de sono, perda de peso, controle da dieta etc.
(NASCIMENTO, 2014). Portanto, tais aplicativos sugerem que, a partir
do automonitoramento, as pessoas busquem mudanças de hábitos/rotinas,
a m de que o usuário conquiste indicadores de alta performance de de-
senvolvimento pessoal e bem-estar, visíveis na tela do celular. Desse modo,
os aplicativos surgem relacionados à esfera da saúde; mas, passam a ganhar
espaços nas áreas de autoconhecimento, mindfulness, crescimento pessoal,
controle emocional, redução de ansiedade e estresse etc. (NASCIMENTO,
2014; LESSA, 2019; MAZZILLI, 2019).
3 Neste trabalho, são empregados como sinônimos crescimento e desenvolvimento pessoal, que significam pro-
curar melhorar as capacidades individuais em busca da superação individual.

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