Euclides da cunha - 1ª vara dos feitos de relações de consumo, cíveis e comerciais

Data de publicação09 Novembro 2020
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
Número da edição2734
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS REL A RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEL, COM, FAM E SUC DE REG PUBLICOS DA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA
INTIMAÇÃO

0501163-73.2018.8.05.0078 Interdição
Jurisdição: Euclides Da Cunha
Requerente: V. P. D. O.
Advogado: Chiara Santana Ferreira De Oliveira (OAB:0030784/BA)
Requerido: A. P. D. C.
Advogado: Leandro D Oliveira Ramos (OAB:0047523/BA)

Intimação:

Vistos etc.

VITÓRIA PEREIRA DE OLIVEIRA, ingressou neste Juízo, por intermédio de advogado legalmente constituído, com AÇÃO DE INTERDIÇÃO em face de AILTON PEREIRA DA COSTA, pugnando, ao final, pela citação do(a) interditando(a), sua perícia e decretação de sua interdição, sendo-lhe nomeado(a) curador(a) a Requerente.

Narra que o interditando é portador de deficiência mental que o incapacita para reger sua pessoa e administrar bens, requerendo, ao final, a nomeação da requerente, avó materna do mesmo, como curador.

Curatela provisória deferida (id. 17660406)

Realizado interrogatório do interditando (id. 20352796).

Relatório de estudo psicossocial de id. 21948926.

Realizou-se exame pericial, o qual concluiu, em suma, que a interditando não possui capacidade para reger seus interesses particulares (id. 32851359)., apresentando doença mental grave.

Instado o Parquet, manifestou-se favoravelmente ao pedido inicial.

É, em suma, o relatório.

Passo a decidir.

Inicialmente, ressalto a aplicação imediata do novo Código de Processo Civil/15, nos termos da regra de transição prevista no seu art. 1.046.

A interdição continua a figurar como um procedimento especial de jurisdição voluntária, em que não há partes, mas interessados, que buscam resguardar os interesses de pessoa incapaz de reger os atos da vida civil, por meio da decretação de interdição/curatela, nos termos do art.1.767 e ss do CC/02, alterado pela Lei 13.146/15, e art. 747 e ss do NCPC/15.

A proteção mais efetiva dos direitos da pessoa com deficiência iniciou com a adesão do Brasil à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, por meio do Decreto n.º 6.949/2009. Tal convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional, nos termos do procedimento previsto no art. 5º, §3º da CR/88.

Contudo, decorridos mais de 05 (cinco) anos de vigência da referida convenção, com força de norma constitucional, os direitos e garantias normatizados em favor das pessoas com deficiência não tiveram a abrangência e efetividade desejada.

Diante deste cenário, foi promulgada a Lei 13.146/15, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ora denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, nos termos do seu art. 1º.

O art. 2º da Lei 13.146/15 conceitua a pessoa com deficiência nos seguintes termos:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência objetivou concretizar o aspecto positivo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, exigindo uma ação do Estado e da sociedade capaz de fomentar os direitos existenciais da pessoa com deficiência, permitindo que a pessoa com algum impedimento possa se autodeterminar, bem como ser protagonista da sua vida.

Com o novo Estatuto buscam-se diferenciar os atos econômicos/negociais da vida cotidiana, dos atos existências, direitos da personalidade.

Acredita-se que o ser humano que possui alguma deficiência não pode ser alijado de seus direitos da personalidade. Devem-se buscar todos os meios possíveis para possibilitar à pessoa com deficiência manifestar sua autonomia da vontade, com relação às questões tais como: intimidade, família, sexualidade, religião, entre outros.

O Estatuto, no art. 4º, prevê que a pessoa com deficiência não pode sofrer qualquer tipo de discriminação. O polêmico art. 6º da Lei 13.146/15 estabelece que:

Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Da análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência depreendem-se os seguintes princípios:

a) Protagonismo do curatelando, ou seja, o processo de curatela deve possibilitar a efetiva participação do curatelando;

b) Busca pelo melhor interesse do interditando (art. 755, §1º do NCPC); c) Proporcionalidade; limitação dos direitos na curatela deve ser a menor possível, de acordo com as limitações da pessoa;

d) Temporalidade/Reversibilidade: o curador tem a finalidade de fomentar maior autonomia e melhoria da saúde do curatelado, a fim de permitir o resgate de sua autonomia plena;

e) Acompanhamento periódico: o Estado deve se aparelhar para buscar um acompanhamento periódico na evolução do quadro da pessoa com deficiência.

Inúmeros direitos em favor da pessoa com deficiência são elencados no Estatuto, notadamente a assistência social (art. 40); previdência social (art. 41), bem como a habilitação e reabilitação profissional (art. 34 e ss).

Assim, o ordenamento jurídico pátrio conta com uma legislação de vanguarda, com o intuito de garantir os direitos da pessoa com deficiência. Cabe ao Estado se aparelhar e oferecer estrutura de saúde e assistência social adequada para efetivação de tais direitos.

Feita as breves considerações, resta apreciar o caso concreto.

O pedido não foi impugnado, bem como contra o laudo apresentado não houve insurreição. O laudo acostado (id. 33216105) deve ser observado. Esclarece o perito que o interditando é portador de doença mental e alcoolismo, estando, portanto, incapacitado para reger seus interesses patrimoniais e negociais, na forma do art. 85 da Lei 13.146/20015. Assim, restou comprovado que o Interditando padece de distúrbio mental, comprometendo, integralmente, seu discernimento.

Incabível ainda a renovação de toda fase instrutória, haja vista que a norma processual de transição prevista no art. 1.047 NCPC/2015 estabelece que as novas disposições sobre direito probatório somente deverão ser aplicadas após a vigência do novo codex.

Corroborando a prova pericial temos a documentação que instruiu a vestibular e o interrogatório do interditando, através dos quais foi possível formular o convencimento deste Magistrado de que ele é portador de problema psíquico que o impossibilita de exercer atividades negociais de cunho patrimonial.

Deste modo, ainda que a instituição da curatela constitua medida excepcional extraordinária (art. 85, §2°, da Lei 13.146/2015), o caso em apreço recomenda a interdição do requerido, com o escopo primordial de proteger os seus interesses de caráter material, assegurado ao mesmo o livre exercício dos direitos relacionados ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. art. 85, §2°, da Lei 13.146/2015).

Ora, o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi criado para proteger tais pessoas. Se a deficiência impede que a pessoa tenha qualquer tipo de discernimento, a melhor forma de protegê-la é outorgando a opção de escolha ao curador. Em caso de abusos ou contradições de interesses do próprio Interditado, caberá a qualquer interessado pugnar pela remoção do curador ou redução das limitações impostas ao Interditando, caso apresente melhora futura.

Saliento que o grau de interdição pode ser alterado, em nova ação, mediante a comprovação de melhora/piora no quadro de saúde do Interditando, não impedindo a concessão do benefício previdenciário junto ao órgão competente, mediante o preenchimento dos requisitos legais.

Outrossim, considerando-se que o munus será exercido pelo filho do interditando, respeitada está a ordem estampada nos arts. 1.768 e 1.775 do Código Civil pátrio. Vale salientar os deveres do curador com relação ao Interditando, notadamente com a destinação dos recursos para sustento e tratamento de saúde, conforme estabelecem as normas descritas nos art. 84 e 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) e o art. 758 do NCPC/2015, in verbis:

Estatuto da Pessoa com Deficiência ( Lei 13.146/15)

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o Quando...

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