Eunápolis - 1ª vara cível, comercial e de registros públicos

Data de publicação24 Maio 2022
Número da edição3103
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE EUNÁPOLIS
INTIMAÇÃO

0005164-39.2010.8.05.0079 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Eunapolis
Interessado: Banco Itaucard Sa
Advogado: Antonio Braz Da Silva (OAB:PE12450)
Interessado: Adria Cristine Schaidhauer Borges De Medeiros
Advogado: Leonardo Santana Lopes (OAB:BA31493)

Intimação:

Vistos.

ADRIA CRISTINE SCHAIDHAUER BORGES DE MEDEIROS ajuizou ação de indenização por danos morais em face de BANCO ITAUCARD S/A, para tanto dizendo, em síntese, que o réu, mesmo após celebração de acordo extrajudicial de débito com a autora, relativo a contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor, promoveu ação de cobrança que resultou na apreensão do seu veículo em logradouro público, causando profundo constrangimento, razão pela qual pleiteia indenização compensatória.

Citado, o réu contestou a ação (Id Num. 110056643 - Pág. 1) , dizendo, em síntese, que a busca da atividade jurisdicional pelo credor não pode ser tachada de ato ilícito e que a apreensão judicial do veículo da autora ocorreu por força de cumprimento de ordem emanada do juízo competente, não tendo havido tempo suficiente entre a renegociação do débito e a expedição da ordem para que a apreensão do carro da autora fosse evitada, de modo que resta infirmada qualquer tipo de responsabilidade civil do réu.

Tentativas de conciliação infrutíferas (Id. Num Num. 110056717 - Pág. 1 e Id Num. 110056732 - Pág. 1).

Anunciado o julgamento antecipado da lide, as partes não se manifestaram contrariamente (Id Num. 110056721 - Pág. 1 ).

Relatados brevemente.

Fundamento e decido.

O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que a questão que dispensa dilação probatória. Não há necessidade de produção de prova diversa da documental, que já foi apresentada na petição inicial e pela parte ré na contestação, em observância ao art. 396 do CPC, sobretudo porque a matéria trabalhada nestes autos é exclusivamente de direito.

Ademais, além das partes terem tacitamente consentido com o julgamento antecipado (Id Num. 110056721 - Pág. 1 ), o juiz é o destinatário da prova (art. 370 do CPC), razão pela qual o julgamento antecipado, quando os documentos juntados são suficientes para o deslinde da causa, não configura cerceamento de defesa e, mais do que uma faculdade, trata-se de imposição legal ao magistrado.

Por não haver preliminares ou prejudiciais pendentes de análise, passo ao julgamento do mérito.

Trata-se de ação fundada em defeito na prestação de serviço, envolvendo consumidor e fornecedor, portanto, sujeita à legislação consumerista.

Segundo dispõe o art. 14, da Lei 8078/90, “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Zelmo Denari, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, ensina que a Lei 8078/90, ao dispor sobre a responsabilidade civil independente de culpa “o Código acolheu, desenganadamente, os postulados da responsabilidade objetiva, pois desconsidera, no plano probatório, quaisquer investigações relacionadas com a conduta do fornecedor”.

Autora e réu celebraram contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor.

Diante da inadimplência da autora, o réu ajuizou ação de reintegração de posse.

Em seguida, extrajudicialmente, a autora pagou o débito.

Porém, o réu não cuidou de por fim ao processo de reintegração de posse, do que resultou da apreensão judicial do bem quando já não mais existia mora ou inadimplência da demandante.

Com efeito, quando o réu ajuizara contra a autora ação de reintegração de posse de veículo financiado, existia inadimplemento da demandante, de modo que o ajuizamento de ação de cobrança não consubstanciou ato ilícito.

Nada obstante, a partir do momento em que o réu, credor, renegociou o débito com a autora, incumbia-lhe promover a desistência da ação de cobrança, evitando-se assim que o veículo fosse apreendido judicialmente quando não mais remanescia qualquer mora da consumidora, ora requerente.

Nisso consistiu a falha do réu: mesmo tendo renegociado extrajudicialmente o débito, deixou de informar ao juízo da ação de cobrança acerca do pagamento (renegociação), permitindo que, meses após essa renegociação, o veículo fosse apreendido em via pública por oficial de justiça.

Nesse sentido, a ação de reintegração de posse foi ajuizada pelo réu contra a autora em 16.04.2010, no dia 22.04.2010, o débito da autora com o réu foi renegociado e pago em 22.04.2010, e o oficial de justiça apreendeu o carro em 02.08.2010.

Ora, repito, houve tempo mais do que suficiente para que o réu desistisse da ação de reintegração de posse e/ou comunicasse ao juízo que a dívida não mais existia, a fim de evitar que o mandado não fosse cumprido.

Assim, se a autora pagou o débito em abril de 2010 e teve seu carro apreendido em agosto de 2010, o constrangimento por ela sofrido decorreu de fato imputável ao demandado que, sendo fornecedor de serviço, deve responder pelos consectários legais independente de culpa.

A situação vivenciada pela parte autora, que teve veículo injustamente apreendido em praça pública, por um débito que já estava quitado há mais de quatro meses, consubstancia apta a ensejar o dano moral in re ipsa.

Para escorreita caracterização do dano moral, é significativo o entendimento de seu conteúdo, haja vista que não é apenas o dinheiro, ou a coisa assim convertida que está em exame, mas sim, a dor, o pudor, a injúria e a sensação de que a vitima é tomada. Em verdade deve-se dar à palavra dor um significado mais amplo que a própria acepção, mesmo que se possa compreender a inexistência no critério de valoração do patrimônio. Até mesmo o dano material não é, efetivamente, reparado em sua plenitude, sendo que à perseguição é enviada para a restauração da situação anterior, ou mais próximo dela e da forma mais ampla possível1.

Preciosa, a respeito, a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR2:

Em direito civil há um dever legal amplo de não lesar a que corresponde a obrigação de indenizar, configurável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenidade, surta algum prejuízo injusto para outrem.(CC, art. 927).

(...) É ato ilícito, por conseguinte, todo ato praticado por terceiro que venha refletir, danosamente, sobre o patrimônio da vitima ou sobre o aspecto peculiar do homem com ser moral. Materiais, em suma, são os prejuízos de natureza econômica, e morais, os danos de natureza não-econômica e que se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado. (...).

De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade,ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (“o da intimidade e da consideração pessoal”) ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da reputação ou da consideração social”).

Ou, no dizer sempre autorizado de YUSSEF SAID CAHALI3:

Se, porém, abstrairmos o caráter estritamente econômico do patrimônio, para (segundo as concepções mais modernas) dilargar o seu conteúdo de modo a compreender valores imateriais, inclusive de natureza ética, veremos que o critério distintivo à base da exclusão revela-se insatisfatório.

Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos: portanto, como “a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, à honra e os demais sagrados afetos”; classificando-se, desse modo, em dano que afeta “a parte social do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).

É bem assim que se concebe o dever de indenizar, a partir do principio constitucional do neminem laedere. Dano, no dizer de ANTONIO JEOVÁ SANTOS4, e prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeiçoes legitimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. (...) A contrario sensu, não existirá dano que não chegue a afetar o patrimônio econômico ou moral de alguém , pois o dano que não chegue a pressuposto da obrigação de indenizar. Onde não houver dano, não haverá a correspondente responsabilidade jurídica. Embora nem todo dano cause prejuízo na órbita patrimonial, o ressarcimento ocorre em pecúnia. Bem por isso, EDUARDO ZANNONI ( “El dano em la Responsabilidade Civil”, p. 22) expõe de forma clara que “ existem danos cujo conteúdo não é dinheiro, nem uma coisa comercialmente reduzível a dinheiro, senão a dor, o espanto, a emoção,a...

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