Evolução das escolhas administrativas: da self-execution law à regulação

AutorSérgio Guerra
Ocupação do AutorPós Doutor em Administração Pública. Doutor e Mestre em Direito
Páginas87-105
evolução dAs escolhAs AdministrAtivAs: dA
self-execution lAw à regulAção
Sérgio Guerra1
Na sua origem, o direito administrativo adotado no Brasil era denido
como sendo um conjunto de condições necessárias à conformação da
estrutura burocrática governamental às regras criadas pelo Poder Legis-
lativo (lei). Assim, era considerada a disciplina jurídica voltada à organiza-
ção da máquina administrativa do Estado, com características de unidade,
centralização e uniformidade. Tais características, direcionadas à manu-
tenção do funcionamento dos serviços prestados pelo Estado, levavam a
Administração Pública a uma posição privilegiada em relação ao cidadão,
então denominado “administrado”.2
Como ponto central dessa estrutura, destacavam-se a superiorida-
de do interesse público – e da Administração Pública – sobre o interesse
privado, o princípio da legalidade, os serviços públicos e a escolha dis-
cricionária. Dessa premissa, adveio o regime administrativo diferenciado,
compreendendo as prerrogativas da Administração Pública em relação ao
setor privado: poder de polícia, espécies de propriedade, de contratos e
de responsabilidade.
1 Pós-Doutor em Administração Pública. Doutor e Mestre em Direito. Professor Ti-
tular de Direito Administrativo; Vice-Diretor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação
e Coordenador do Mestrado em Direito da Regulação da FGV Direito Rio. Diretor
Executivo da Revista de Direito Administrativo — RDA. Coordenador Geral do Curso
Internacional Business Law da University of California Irvine.EmbaixadordaYale
University, no Brasil, onde foi Visiting Researcher na Yale Law School (2014). Árbitro
da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem, da Câmara Brasileira de Mediação e
Arbitragem e da Câmara de Arbitragem da Federação da Indústria do Paraná. Con-
sultor jurídico da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ.
2 O tema foi objeto de apresentação no Seminário de Integração dos Programas
de Pós-Graduação entre a Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getulio
Vargas e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, baseado na obra de minha au-
toria: Discricionariedade, regulação e reexividade: uma nova teoria sobre a escolha
administrativa. 3. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
Transformações do direiTo adminisTraTivo: ConsequenCialismo e esTraTégias
88
Nesse contexto, e ao longo dos tempos, a doutrina do direito admi-
nistrativopátrio, fortementeinuenciada peladoutrina francesae, entre
nós, por Hely Lopes Meirelles, enfatizou o estudo e o desenvolvimento de
teorias sobre o ato administrativo,denido, quaseunanimemente, como
sendo toda manifestação unilateral da Administração Pública que, agindo
nessa qualidade, tenha por m imediato adquirir, resguardar, transferir,
modicar,extinguire declarardireitosou imporobrigaçõesaosadminis-
trados ou a si própria.
Por essa linha, os estudos sobre os atos administrativos foram dividi-
dos,basicamente,em:elementos(competência,nalidade,forma,motivo
e objeto), características e atribuições (presunção de legitimidade, impe-
ratividadeeautoexecutoriedade),tipos,espécies,existência,validade,e-
cácia, controles, formas de anulação, revisão, convalidação, extinção etc.,
estruturando-o, na maioria das vezes, sob o viés vinculado ou comando
discricionário.
Ainda que se sustente que o ato administrativo tenha deixado uma
posiçãodeguracentralnadogmática doEstadodeDireito,perdendoo
seu papel de protagonista no relacionamento dos indivíduos com a Admi-
nistração Pública, as categorias e institutos jusadministrativistas acabaram
por acompanhar o desenvolvimento exegético sob essa ótica.
O mesmo não vem ocorrendo no tocante às escolhas administrativas
— tema dos mais complexos na organização da divisão de funções estatais
e que, historicamente, se dividia em três espécies: escolha absoluta-
mente vinculada; escolha relativamente vinculada e escolha discricionária.
Passo a examiná-las até chegar às escolhas regulatórias.
1. escolhA AbsolutAmente vinculAdA
Sob a premissa do reino das leis ou de que o Direito tem de expressar-se
precisamente por meio de leis, a norma jurídica seria válida não por ser
justa, mas, apenas, por haver sido posta por uma autoridade dotada de
competência normativa. Desse modo, sustentava-se que todas as carên-
cias deveriam ser supridas pelo contido na lei, que a liberdade consistia no
direito de fazer tudo que as leis permitiam.3 Nas palavras de Montesquieu,4
“a lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa todos os povos da
terra; e as leis políticas e civis de cada nação devem ser apenas casos par-
ticulares onde se aplica esta razão humana”.
3 SILVA, Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do ato administrativo
perdido. pp. 5, 47.
4 MONTESQUIEU. O espírito das leis, pp. 16-17.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT