A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados: controlador ou administrador?

AutorEduardo Jordão
Ocupação do AutorProfessor da Escola de Direito do Rio de Janeiro
Páginas61-86
A intervenção do tcu sobre editAis de
licitAção não publicAdos: controlAdor ou
AdministrAdor?1
Eduardo Jordão2
A multiplicação de medidas governamentais voltadas ao desenvolvimento
da infraestrutura nacional3produz aintensicação daatividade doscon-
troladores – instituições públicas com a competência de vericar-lhes a
validade. Em especial, a atuação recente de um desses atores institucio-
nais, o Tribunal de Contas da União (TCU), 4 tem chamado a atenção. Em
1 Este trabalho foi publicado originariamente na Revista Brasileira de Direito Públi-
co, v. 47, pp. 209-230.
2 Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
(FGV Direito Rio). Doutor em Direito Público pelas Universidades de Paris (Pan-
théon-Sorbonne) e de Roma (Sapienza), em cotutela. Master of Laws (LL.M)
pela London School of Economics and Political Science (LSE). Mestre em Direito
Econômico pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA). Foi pesquisador visitante na Yale Law School, nos
Estados Unidos, e pesquisador bolsista nos Institutos Max-Planck de Heidelberg e
de Hamburgo, na Alemanha. O autor agradece a Igor Lyra pela valiosa ajuda na fase
de pesquisa para a elaboração do artigo e a Adriana Lacombe, Marcelo Lennertz,
Maurício Portugal Ribeiro, Patrícia Sampaio e Tarcila Reis por comentários a versões
preliminares do trabalho. E-mail para contato: eduardo.jordao@fgv.br
3 A precariedade da infraestrutura nacional tem sido apontada como um dos mais
importantes gargalos para o desenvolvimento do país. Relatório do Fórum Econômi-
co Mundial posiciona o Brasil em 114o lugar entre 148 países analisados no critério da
qualidade da infraestrutura. O Brasil é o 103o colocado em ferrovias, o 120o em rodo-
vias, o 123o em transporte aéreo e o 131o em portos. Mais informações em: http://re-
ports.weforum.org/the-global-competitiveness-report-2013-2014/. Um exemplo de
medida governamental para superar essa realidade é o Programa de Investimentos
em Logísticas (PIL). Lançado em 2012 pelo Governo Federal, prevê investimentos da
ordem de 133 bilhões de reais em 25 anos para a construção de 7,5 mil quilômetros
de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias.
4 O TCU foi criado em 1890, pelo Decreto n. 966-A, de iniciativa de Ruy Barbosa,
então Ministro da Fazenda. Sua institucionalização veio com a primeira Constituição
republicana, no ano seguinte, e a instalação efetiva no início de 1893. Apesar de se
tratar de instituição muito antiga, a acentuação da relevância do Tribunal de Contas
Transformações do direiTo adminisTraTivo: ConsequenCialismo e esTraTégias
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hipótese que já mereceu alguma consideração da doutrina jurídica, o TCU
tem intervindo diretamente em contratos administrativos já em execução,
determinando, por exemplo, o redimensionamento de seus valores ou a
retenção de pagamentos.5 Em outra hipótese menos explorada doutrina-
riamente, o TCU tem participado ativamente da própria concepção dos
projetos de concessões comuns e parcerias público-privadas, emitindo su-
gestões ou determinações que impactam as suas opções fundamentais e
emgrandemedidadenemasuamodelagem.Esteartigopretendetratar
desta última hipótese.
Interessa, portanto, a atuação prévia do TCU, aquela que se realiza
antes da formalização e publicação dos projetos: na fase da licitação que
se costuma chamar de “interna”, quando se promovem estudos e se elabo-
ra o edital.6Eisaquestão especícaquese pretendeenfrentarnestetra-
balho: quais poderes detém o TCU na análise prévia de minutas ainda não
publicadas de editais de licitações referentes a projetos de infraestrutura?
Considere-se, a propósito, o seguinte exemplo. Em 2013, o TCU acom-
panhou o primeiro estágio das concessões para ampliação, manutenção e
exploração do aeroporto internacional do Rio de Janeiro (Antônio Carlos
Jobim/Galeão) e do aeroporto internacional de Belo Horizonte (Tancredo
Neves,Conns). Em um primeiroacórdão, resolveu condicionar apubli -
cação do edital à: (i) inclusão no processo de concessão de fundamentos
legais e técnicos sucientes da exigência de experiência em processamen-
to de passageiros e da restrição à participação no leilão de acionistas das
concessionárias de aeroportos, de forma a demonstrar que os parâmetros
da União é muito recente. O marco inicial dessa história pode ser a Constituição Fe-
deralde1988,queampliousignicativamenteascompetênciasdoórgãoeoscrité-
rios de acordo com os quais o seu controle é promovido. Na legislação infraconstitu-
cional,oimpactodedoisdiplomasfoiespecialmentesignicativo:(i)aLeiGeralde
Licitações (n. 8.666/93) estabeleceu a possibilidade de que todas as irregularidades
na sua aplicação fossem representadas ao TCU; (ii) a Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar n. 101/2000) previu papel de destaque a ser por ele cumprido
nocontroledagestãoscal.
5 Ver, por exemplo, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, “Controle das
contratações públicas pelos Tribunais de Contas”, RDA – Revista de Direito Admin-
istrativo, Rio de Janeiro, v. 257, pp. 111-144, maio/ago. 2011.
6 O trabalho foca exclusivamente na atuação do Tribunal de Contas da União,
ainda que as considerações aqui tecidas possam ser largamente aplicadas aos Tri-
bunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e, quando existentes, dos Mu-
nicípios. Aliás, o art. 75 da Constituição estabelece que as normas relativas ao TCU
seaplicam,noque couber,àorganização, composiçãoescalizaçãodos Tribunais
de Contas estaduais. Na maioria dos estados, o Tribunal de Contas Estadual cuida
tanto das contas do Estado quanto das contas dos Municípios. Em alguns deles
(como Bahia e Goiás), há dois Tribunais de Contas na estrutura estadual: um para
scalizarascontasdoestadoe outroparaascontasdosMunicípios. Oart.31,§4º,
da Constituição Federal veda a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas
Municipais. Entretanto, os Tribunais de Contas já existentes antes da Constituição de
1988 (nos Municípios de Rio de Janeiro e São Paulo) seguem atuando.

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