A evolução do trabalho humano

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas33-42

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1. Sociedade humana fundada no trabalho

Da sociedade primitiva, passando pelo escravismo da antiguidade e o servilismo feudal, as relações de trabalho foram essencialmente calcadas na economia da terra. A cultura da agricultura organizada ao lado do pastoreio ultrapassou milénios. As relações de trabalho eram de extrema verticalidade, dada a submissão provocada pela dependência absoluta dos trabalhadores, em função das estruturas económicas e de poder. O contrato de prestação de trabalho tinha na unilateralidade a negação de um direito social, exceto nas relações de trabalho artesanais ou corporativas.

O trabalhador moderno é produto da I Revolução Industrial, que mudou o mundo sob a liderança da burguesia, à época, a classe social revolucionária. O marco histórico foi a tomada do poder político do Estado pela burguesia, em 1789. A burguesia desalojou à força a monarquia do centro de decisões e implantou a República liberal. A base das relações capital-trabalho modernas foi estabelecida com profundos conflitos sociais. A partir daquele momento, passam a polarizar as lutas sociais: de um lado, o burguês capitalista industrial ou comercial e, de outro lado, o proletário, ou o operário, enfim, o trabalhador. Este vende a sua força de trabalho ao dono do capital, que a utiliza na produção de bens e serviços. Desde então, podemos falar em relação patrão ou empregador e trabalhador ou empregado. Numa primeira fase, as relações entre empregadores e empregados não estavam reguladas e o mais forte economicamente fez prevalecer sua vontade no contrato de trabalho. Em seguida, as relações de trabalho passaram a ser balizadas pelo Código Civil Francês de 1804, cujas normas, aos poucos, foram sendo levadas além-fronteiras, sobretudo, em função das guerras de conquistas de Napoleão.

Como esse diploma legal não conseguia responder às demandas desse novo tipo de relação de produção, foi inevitável o conflito e, por conseguinte, a emergência da questão social. Essa relação conflituosa colocava em risco o sistema capital e trabalho. Diante do impasse, começou a ser articulada uma legislação social para possibilitar a continuidade da evolução do sistema.

As linhas que se seguem demonstram o inescusável liame entre o desenvolvimento da sociedade humana e o trabalho dos homens. Veremos que o processo de evolução em todos os campos dos sistemas sociais é dependente da atividade humana. Na sociedade do trabalho, a introdução da técnica, que passa a garantir a sobrevivência da sociedade, posteriormente confere ao homem o poder de definir o

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seu futuro e ao mesmo tempo gerar conflitos sociais, cabendo ao direito estabelecer e regular as expectativas normativas, estabilizando e equilibrando essas relações sociais.

1.1. As relações de trabalho na sociedade primitiva

Na sociedade primitiva, o trabalho era dividido equitativamente entre os integrantes das gens, do grupo ou da tribo. Participavam do trabalho todos os membros do grupo segundo o costume, o qual considerava as possibilidades de êxito de cada um nas tarefas. A caça era geralmente tarefa dos homens adultos e a colheita era dividida entre os homens, mulheres e jovens. O produto da caça, da pesca e da colheita era dividido segundo o porte de cada unidade familiar. Ninguém ficava com qualquer excedente, tudo era dividido. Embora houvesse pequenas variações, tanto as mulheres quanto os homens se ocupavam dos afazeres domésticos como cuidar dos pequenos, tecer e cozer.

Quando o homem primitivo conseguiu, com base nas dificuldades da experiência vivida, lapidar o sílex e dele formatar o machado, que fixado em um pedaço de pau facilitou a sua ascendência sobre as outras espécies, certamente não tinha consciência das consequências desse ato para a espécie humana. Esse fato fundamental, que se seguiu da descoberta do fogo, do arco e da flecha, permitiu dominar um raio de espaço suficientemente importante e decisivo para a sua sobrevivência e evolução. Podemos dizer com segurança que, nesse momento, tivemos a fundação da técnica e da tecnologia pelo homem. Com tais apetrechos, passou à caça e mudou o seu cardápio, o que lhe proporcionou uma mudança biológica que somente a ingestão de proteínas, produto da caça, poderia realizar. O processo humano foi lento, mas contínuo.

A sociedade primitiva admitia apenas uma forma de hierarquia: o comando dos anciãos. Estes transmitiam aos mais jovens a experiência vivenciada e que lhes fora transmitida pelos antepassados. Aos anciãos cabiam como tarefas adicionais o culto, a cura e a aplicação da justiça. Os homens primitivos entendiam corretamente que os anciãos eram mais experientes e estavam mais preparados para essas tarefas. Como a sociedade era ainda oral, as tradições tinham muito valor e os mais velhos eram os guardiões dessa cultura.

Uma sociedade oral e simples valorizava muito o território. Neste é que estavam os meios de manutenção do grupo numa economia de sobrevivência. Por isso, invasão de território por parte de outro grupo era mais do que suficiente para defendê-lo por meio da guerra. Como sabemos, na guerra temos vencidos e vencedores. Era natural que os vencedores abatessem seus inimigos derrotados. Esse costume vigeu por séculos. Em dado momento, alguém percebeu que poderia dar uma destinação mais utilitária aos vencidos. Estes poderiam trabalhar para os vencedores. Foi exatamente o que aconteceu. A ingenuidade da sociedade primitiva de economia de subsistência transitou para uma sociedade de classes e interesses, sobretudo, interesses de natureza económica.

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A partir desse momento crucial da história do homem foi criada a nefanda figura do vencido, que passou à condição de escravo inferior e derrotado, transformado em "coisa" pelo seu algoz. Sendo "coisa", poderia — além de trabalhar forçado graciosamente para seu novo senhor — ser ou vendido, ou emprestado, ou simplesmente aniquilado (morto). O trabalho, aos poucos, passou a sertarefa dos subalternos. Esse fato gerou a acumulação, a posse e a propriedade de poucos. As relações sociais mudaram. Os relatos históricos nos dão conta de que foi pela força bruta que nasceu a sociedade escravista1.

O novo modelo estabeleceu divisão de classes e relações sociais. Surgem os que mandam e os que obedecem. Passaram a existir as relações de troca e nasce um mercado incipiente. Na evolução, até os devedores que não saldassem suas dívidas por não terem bens suficientes para cobrir suas obrigações poderiam, inclusive, ver-se a si próprios e a seus familiares como escravos dos respectivos credores, conforme constatamos nas sociedades gregas e romanas.

1.2. As relações de trabalho na sociedade escravista

Na sociedade escravista, a produção dos bens era realizada basicamente pelo escravo. Aos poucos, vai sendo criada uma elite que passa a devotar desprezo ao trabalho. Afinal, para quê trabalhar se os escravos estavam disponíveis? Homens de pensamento, como Aristóteles e Platão, chegaram a escrever que o trabalho escravo seria natural, revelando o quanto estava enraizada naquela sociedade essa modalidade de produção de bens.

Consta que na Atenas de Péricles viviam 500 mil pessoas. Perto de 100 mil eram estrangeiros, 40 mil homens e mulheres gregos livres, 20 mil metecos assalariados e mais...

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