A farda e a intimidade: novos desafios da feminização das Forças Armadas Brasileira

AutorNilza Rogéria de Andrade Nunes, Nádia Xavier Moreira
Páginas11-26
A FARDA E A INTIMIDADE: novos desafios da feminização das Forças Armadas
Brasileira
Nilza Rogéria de Andrade Nunes1
Nádia Xavier Moreira2
Resumo
Este artigo reflete como os valores militares da hierarquia e da disciplina se fazem presentes na interação dos casais de
dupla-carreira nesse ambiente. A presença do efetivo feminino nas Forças Armadas Brasileira possibilitou relações
diferenciadas pela estrutura militar, em sua dimensão afetiva, amorosa e sexual. Através de produções bibliográf icas e
observação participante, evidenciamos que o namoro e o casamento entre militares de diferentes escalões subvertem, na
prática, as distâncias, sobretudo entre o círculo de praças e oficiais e abriram a possibilidade de desenrijecimento das
diferenças hierárquicas, aspecto que impõe desafios à conciliação família-trab alho nesse ambiente.
Palavras-chave: família; casamento; gênero; Forças Armadas Brasileira.
THE UNIFORM AND THE INTIMACY: new challenges of the feminization of the Brazilian Armed F orces
Abstract
This article reflects how the military values of hierarchy and discipline are present in the interaction of dual -career couples in
this enviro nment. The presence of the female force in the Brazilian Armed Forces allowed differentiated relation s for the
military structure, in its affective, loving and sexual dimen sion. Through bibliographical productions and participant
observation, we have shown that courtship and marriage between military personnel of diffe rent echelons distort, in practice,
the distances, especially between the circle of squares and officers, and opened the possibility of the dissolution o f
hierarchical differences, an aspect that imposes challenges to family-work reconciliation in this environment.
Keywords: Family; Marriage; Gender; Brazilian Armed Forces
Artigo recebido em: 08/10/2018 Aprovado em: 06/04/2019.
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v23n1p11-26.
1 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela PUC-RJ com estágio doutoral pela CAPES na Universidade de Dundee
Escócia. Professora convidada da Pós-Graduação em Psicopedagogia do Instituto Superior de Educação Pró-Saber -
ISEPS. Professora de Pós-Grad uação, Graduação e Extensão do Departamento de Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Endereço: R. Marquês de São Vicente, 225 - Gávea, Rio de Janeiro
RJ. CEP: 22451-900. Email: n.rogerianunes@gmail.com
2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalha na Marinha
do Brasil. Endereço: End. Prof.: Praça Barão de Ladário, s/n, 5° andar- Centr o-RJ. CEP: 20091-00
Nilza Rogéria de Andrade Nunes e Nádia Xavier Moreira
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1 INTRODUÇÃO
O estudo da família, como um todo, e dos casais, em particular, tem experimentado
grandes mudanças. Os métodos de pesquisa e as abordagens teóricas vêm buscando refletir e se
adaptar à complexidade do tema. No ambiente militar essas questões se fazem presentes sob a égide
da hierarquia e da disciplina, determinantes no comportamento de homens e mulheres e que trazem,
em si, um conjunto de valores e atitudes que implicam na própria identidade militar. Assim, buscamos
refletir sobre possíveis impactos que a farda exerce na família e no trabalho diante da emergência de
uma nova possibilidade relacional na qual os valores do militarismo transcendem os muros dos quartéis
e invadem a intimidade de seus membros.
Os casais em que ambos trabalham em tempo integral, nomeados dupla-carreira, no
ambiente militar somente tornou-se possível com a entrada de mulheres nas Forças Armadas. Pois, o
processo de recrutamento feminino nos países ocidentais, a partir dos anos 70, fez-se acompanhar não
somente por significativas transformações nas condições de exercício da violência organizada e na
própria estrutura organizativa das instituições militares, mas também repercutiu nas relações cotidianas
de seus membros.
Um estudo clássico realizado por Janowitz (1967) mostra como se constitui a profissão
militar, qual o ethos que a sustenta. Segundo o autor, para tornar-se um profissional das armas, o
soldado deve deixar de ser o indivíduo que é e transformar-se num ser cuja identidade é determinada
pela instituição, que tem como função o combate. Todo aprendizado do soldado tem como finalidade
construir um novo homem. O elemento central desta identidade é justamente a masculinidade, pois a
guerra sempre foi associada à agressão. Para o autor, as Forças Armadas talvez sejam a mais
masculina de todas as instituições sociais, bem como uma das mais fechadas e conservadoras; aliás, a
conservação é típica da profissão militar, pois cabe a ela garantir a permanência do Estado.
Ao longo da nossa trajetória no exercício superior, trabalhando com questões de poder,
gênero e família e como assistente social militar, identificamos empiricamente, através de escutas e
conversas com colegas de farda, da observação de posicionamento de comandantes, bem como por
meio da observação participante no exercício profissional com o atendimento a casais, que em muitas
ocasiões, o casamento entre militares, quando não bem administrado pelos cônjuges, pode vir a se
constituir em fonte de estresse e de transtornos familiares e profissionais.
Notamos ainda que em muitas ocasiões o casamento entre praças e oficiais1 não é visto
como algo comum na instituição. É encarado, em diversas situações, como quebra de hierarquia.
Observamos ainda que tal questão ganha contornos mais complexos quando neste tipo de casamento
o oficial é uma mulher.

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