Feira de santana - Vara da infância e juventude

Data de publicação21 Setembro 2021
Número da edição2945
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DE INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
SENTENÇA

8014267-42.2021.8.05.0080 Adoção
Jurisdição: Feira De Santana
Requerente: Itajay Azevedo Pedra Branca Junior Registrado(a) Civilmente Como Itajay Azevedo Pedra Branca Junior
Advogado: Eduardo Jose Cerqueira Esteves (OAB:0007762/BA)
Requerido: Aline Souza De Oliveira
Custos Legis: Ministério Público Do Estado Da Bahia

Sentença:

Trata-se de ação de adoção c/c pedido de guarda provisória proposta por CRISTINA SANTANA NOGUEIRA PEDRA BRANCA e ITAJAY AZEVEDO PEDRA BRANCA JUNIOR em favor da criança MARIA DULCE DE OLIVEIRA, filha de ALINE SOUZA DE OLIVEIRA.

Conforme consta na inicial, a infante nasceu no dia 16/08/2021 e, no dia seguinte, a genitora fez a entrega da filha aos cuidados do casal requerente para fins de adoção, por não se considerar apta a educá-la e por não possuir condições financeiras, psicológicas e socioafetivas para mantê-la consigo. A filiação paterna é desconhecida.

Instado a se manifestar, o Ministério Público pugnou pela extinção do processo sem resolução de mérito, busca e apreensão da criança e aplicação de medida protetiva de acolhimento institucional (ID 134068334).

É o relatório. Decido.

O art. 50 do ECA estabelece a criação de cadastros de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção, devendo ser observada a ordem cronológica das habilitações dos pretensos adotantes inseridos previamente. Desta forma, o procedimento assegura a todos os pretendentes tratamento igualitário, regido por normas claras e objetivas, sendo o meio através do qual se busca garantir aos adotandos a melhor estrutura familiar.

O §13 do aludido artigo prevê apenas três hipóteses em que poderá o julgador desconsiderar a ordem cronológica do cadastro de pretensos adotantes e dispensar o prévio cadastramento, quais sejam: pedido de adoção unilateral, pedido formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade, bem como pedidos formulados por quem detenha guarda ou tutela legal de criança maior de três anos ou adolescente, desde que comprovada a fixação de laços de afinidade e afetividade.

Foi firmado na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o julgador poderá flexibilizar a observância dos cadastros de adotantes, através de fundamentação idônea, sempre que tal solução se mostrar mais adequada ao caso concreto, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Contudo, para que seja possível a referida flexibilização, é necessário que já exista um vínculo consolidado entre a criança e os pretensos adotantes, caracterizado por uma convivência durante um lapso de tempo considerável.

Todavia, no caso em epígrafe, não se revela caracterizada nenhuma das hipóteses de desconsideração ou dispensa do cadastro de adoção previstas no art. 50, §13º do ECA, bem como não houve o prévio cadastramento dos adotantes. O que se verifica da análise dos autos é que a situação se amolda ao que se denomina adoção direta ou intuito personae, vedada pelo ordenamento jurídico. Ademais, considerando que a convivência da infante com o casal de requerentes durou menos de um mês, não há que se falar em vínculo consolidado que justifique a flexibilização da observância aos cadastros de adoção. Na verdade, o deferimento do pedido, neste momento, resultaria em absoluto descaso a todos que se encontram em posição superior nos cadastros e com requisitos inequívocos para a adoção, bem como configuraria incentivo à ilícita prática da adoção intuito personae.

Como se não bastasse, estudos demonstram que a burla do sistema legal pelos pretensos pais traz efetivo prejuízo psicológico à criança. Para o psicólogo e psicanalista Francês PIERRE LÉVY-SOUSSAN, em entrevista para o Fórum dos Leitores do Boletim Mensal do Centro Internacional de Referência para os Direitos da Criança Privada de Família (http://www.iss-ssi.org), edição de abril de 2007, aqui livremente traduzida, "quando a lei consente com semelhantes situações deixando a criança com o casal transgressor, existe a impossibilidade para a criança de sua futura filiação e põe-se em perigo seu futuro psicológico. Uma criança só pode construir uma filiação quando seus pais não transgrediram nenhuma lei para tê-la".

Não restam dúvidas, portanto, que a burla ao sistema legal de adoção expõe a criança a situação de risco, a) porque a impossibilita de construir psicologicamente o estado de filiação adotiva com perfeição, pondo em risco seu futuro psicológico, b) porque a família substituta irregularmente constituída sempre estará sujeita a sofrer pressão por parte dos pais biológicos para obter de volta o filho "dado" ou para exigir vantagens financeiras, condenando o infante a crescer em meio a essa situação de insegurança, intranquilidade e instabilidade, bem como c) porque foi lançada à própria sorte em mãos de pessoas que não passaram por qualquer sistema de avaliação com critérios científicos, na maioria das vezes despreparadas para serem pais, mormente porque privados tanto do período gestacional quanto do auxílio de equipe profissional.

Impende salientar que não há dúvidas de que os vínculos afetivos entre um bebê e seus cuidadores, sejam ou não os pais biológicos, vão se formando gradativamente. Assim, é necessário perquirir essa fase de constituição do vínculo afetivo da criança para com o seu provedor, a fim de delimitar na linha do tempo de vida dos bebês a possibilidade de ação do Poder Judiciário para retirar-lhes da guarda de quem indevidamente a detenha. De acordo com estudos psicológicos, não há que se falar em apego, afetividade ou formação de vínculos quando a criança não completou ainda seis meses de idade, por absoluta incapacidade fisiológica de o bebê, até aquele momento, ter atingido o estágio de desenvolvimento mental necessário para que sofra com a separação ou a perda de uma pessoa específica da qual venha a ser afastado. O importante é que o bebê continue a receber os cuidados de que necessita, desimportando a identidade de quem os presta.

Logo, antes de atingidos os seis meses de vida do adotando, não tem aplicação o entendimento jurisprudencial supramencionado no sentido de que a formação de laços de afeto com o adotante justifica a não observância dos mecanismos legais destinados a coibir a prática da adoção irregular, porquanto é fisiologicamente impossível que já tenha havido a consolidação de laços de afeto da criança para com o detentor da sua posse de forma a justificar a não intervenção do Judiciário como forma de livrar o interessado da situação de risco em que se viu colocado.

Assim, a situação trazida a exame se encontra maculada desde o início, em virtude da entrega direta e irregular, sem observância do procedimento previsto no art. 19-A do ECA, que versa acerca da entrega de recém-nascido à Vara da Infância e Juventude para fins de adoção. Há de se ter em conta que o casal que tem a sua guarda de fato não passou por qualquer processo de avaliação prévia ou preparação para receber uma criança em adoção, e por opção própria. Entregar-lhes a criança em guarda seria privilegiar quem não quis se submeter à espera da fila de adoção, em detrimento de uma criança que não terá nenhum grande, evidente e imensurável benefício em conviver com pessoas que não receberam qualquer tipo de avaliação ou preparação para a adoção.

Desta forma, incumbe ao Poder Judiciário aplicar as medidas necessárias para livrar a criança da situação de risco a que está submetida, o que, in casu, só será possível mediante sua imediata apreensão e colocação em família substituta não conhecida pela biológica e regularmente cadastrada para recebê-lo em adoção. Nesse sentido, colaciono os julgados a seguir:


ECA. AÇÃO CONSENSUAL DE CONCESSÃO DE GUARDA. BURLA AO CADASTRO DE ADOÇÃO. DETERMINAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CABIMENTO. 1. Verificada nos autos a possibilidade da ocorrência de adoção dirigida, são cabíveis as providências necessárias para a mais ampla proteção do interesse da infante. 2. Mostra-se adequada a busca e apreensão da criança quando é constatado o manifesto propósito de burlar o Cadastro de Adoção. 3. O processo de adoção deve observar a forma legal e a escolha de uma criança para adotar feita pelos pretendentes não os habilita necessariamente ao processo de adoção. 4. A existência de vínculos sólidos com a infante, que seria situação excepcional, não se verifica no caso em exame, sendo necessário antes verificar o rol de pretendentes habilitados na Comarca, cuja ordem deve ser obedecida. Recurso desprovido. (TJ-RS - AC: 70078613478 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 29/08/2018, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/09/2018).


*****


AGRAVO DE INSTRUMENTO. INFÂNCIA E JUVENTUDE E PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. ABRIGAMENTO DETERMINADO. ENTREGA DE CRIANÇA RECÉM NASCIDA AO CASAL AGRAVANTE. GUARDA DE FATO EXERCIDA POR POUCO MAIS DE 3 MESES. ORIGEM DA RELAÇÃO COM A GENITORA NÃO EXPLICADA. LAÇOS AFETIVOS DEFINITIVOS NÃO EVIDENCIADOS. INTUITO DE ADOÇÃO APARENTE....

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