Fenonomia, isonomia, economia social e solidária: convergências no processo de empoderamento feminino?

AutorVanêssa Pereira Simon, Sérgio Luís Boeira
CargoUniversidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)/Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas109-124
Fenonomia, isonomia, economia social e solidária: convergências no processo de empoderamento feminino?
R C A
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RESUMO
O propósito desse ensaio teórico é mostrar, a partir da teoria da
delimitação de sistemas sociais e do paradigma paraeconômi-
co, uma articulação entre as noções de isonomia e fenonomia
com as possibilidades apresentadas pela economia social e
solidária, ressaltando nessa articulação as possibilidades de
empoderamento das mulheres. Sustenta-se a ideia de que
mulheres, na construção de sua história de empoderamento,
têm uma trajetória fenonômica que se consolida nos espaços
isonômicos. A trajetória fenonômica pode ser entendida
como emancipação do indivíduo no sentido de romper com
a síndrome comportamentalista, num movimento que se
aproxima do enclave fenonômico. Além disso, os movimentos
sociais, especicamente nesse caso a economia social e soli-
dária, podem ser percebidos como espaços que privilegiam
o coletivo, sem que se perca a individualidade, ou seja, com
características isonômicas em conuência com as trajetórias
fenonômicas, espaços que catalisam o processo de empode-
ramento feminino.
Palavras-Chave: Fenonomia. Isonomia. Economia social e
solidária. Empoderamento feminino.
ABSTRACT
The purpose of this article is to show, from the theory of the
delimitation of social systems and the paraeconomic para-
digm, an articulation between the notions of isonomy and
phenonomy with the possibilities presented by the social and
solidarity economy, highlighting in this articulation the empo-
werment of women. The idea is maintained that women, in the
construction of their history of empowerment, have a pheno-
nomic trajectory, that consolidates in the isonomic spaces. The
phenonomic trajectory can be understood as emancipation
of the individual in the sense of breaking with the behavioral
syndrome, in a movement that approaches the phenonomic
enclave. In addition, social movements, specically in this
case social and solidarity economy, can be perceived as spa-
ces that privilege the collective, without losing individuality,
that is, with isonomic characteristics in conjunction with the
phenonomic trajectories, spaces that catalyze the process of
female empowerment.
Key-words: Phenonomy. Isonomy. Social and solidarity eco-
nomy. Female empowerment.
Fenonomia, isonomia, economia social e solidária:
convergências no processo de empoderamento feminino?
“Phenonomy”, isonomy, social and solidarity economy:
convergences in the female empowerment process?
Vanêssa Pereira Simon
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
email: vanessapsimon@gmail.com
Sérgio Luís Boeira
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
email: sbsergio762@gmail.com
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2020.e67041
Recebido em: 13/08/2019
Aceito em: 11/01/2021
Vanêssa Pereira Simon Sérgio Luís Boeira
Revista de Ciências da Administração • v. 22, n. 56, p. 109-124, Abril. 2020
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R C A
1 INTRODUÇÃO
Ensaio teórico é uma forma moderna e comum
de expressar ideias, nas ciências humanas e na loso-
a. Com um ensaio teórico não se pretende compro-
var algo empiricamente, mas interpretar e argumentar,
de forma tão original e consistente quanto possível,
sobre um fenômeno, utilizando-se para isso tanto
planejamento quanto intuição, reexão e interpreta-
ção sistemática, ainda que fora do padrão e da lógica
esquemática da ciência positiva. Inexiste metodologia
sistemática para o ensaio (MENEGHETTI, 2011).
Para Carlos Osmar Bertero (2011, p.342), “todo
ensaísta planeja o que vai escrever. Todavia isto não
elimina o que se poderia chamar de caráter dialético
do ensaio (...)”, algo que se faz “à medida que o pró-
prio ensaio é elaborado”. Poderíamos acrescentar que,
além de dialética, ensaios frequentemente se funda-
mentam em epistemologias como a fenomenológica,
hermenêutica, construtivista, complexa, entre outras.
O propósito desse ensaio teórico é argumentar
que, a partir da teoria da delimitação de sistemas so-
ciais e do paradigma paraeconômico, é plausível uma
articulação entre as noções de isonomia e fenonomia
com as possibilidades apresentadas pela economia
social e solidária, ressaltando nessa articulação as
possibilidades de empoderamento das mulheres.
Sustenta-se a ideia de que mulheres, na construção de
sua história de empoderamento, têm uma trajetória
fenonômica que se consolida nos espaços isonômicos.
Esta conclusão também é fruto de ampla pesquisa
empírica (SIMON, 2015).
Alberto Guerreiro Ramos (1981) tem sido
reconhecido como um referencial relevante para
a compreensão das questões relativas à chamada
economia solidária e ao cooperativismo (FRANÇA
FILHO, 2010; FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020).
Em recente pesquisa bibliográca internacional sobre
organizações e solidariedade, Genauto França Filho
e Philippe Eynaud (2020) reconhecem na convergên-
cia dos arcabouços conceituais de Karl Polanyi e de
Guerreiro Ramos os melhores referenciais. Bianor
Cavalcanti e Frederico Lustosa da Costa (2019) or-
ganizaram uma coletânea destacando o pioneirismo
e atualidade da obra de Guerreiro Ramos.
O paradigma paraeconômico, proposto por
Guerreiro Ramos (1981), vinculado à sua teoria da
delimitação de sistemas sociais, é constituído por
diversos sistemas ou enclaves, como, por exemplo,
economia, isonomia e fenonomia. O autor critica a
sociedade industrial ou mercadocêntrica em razão
da sobreposição e domínio do enclave econômico
sobre os demais, o que estaria bloqueando o desen-
volvimento dos indivíduos, das organizações e das
sociedades. O reconhecimento e a delimitação de ou-
tros sistemas além do econômico permitiria a eman-
cipação, ainda que parcial, de indivíduos, no sentido
da construção de uma sociedade multidimensional.
Guerreiro Ramos (1981) conceitua economia
como um contexto altamente ordenado, como os
monopólios, as rmas competidoras e também as
organizações sem ns lucrativos dedicadas à produ-
ção de bens e serviços. A economia é um enclave no
qual se destacam a racionalidade instrumental e a
burocracia como meios para a realização de outros
ns. Na medida em que a sociedade é centralizada
no mercado, a economia torna-se um m em si mes-
ma, bloqueando o reconhecimento e a emergência
de enclaves fenonômicos e isonômicos, que pode-
riam sinalizar os ns, as metas da economia, numa
sociedade multicêntrica. Isonomia indica relações
igualitárias, horizontais, enquanto fenonomia indica
criatividade. Estes dois enclaves apresentam-se com
frequência em formas híbridas, em parte fenonômi-
cas, em parte isonômicas. As relações sociais neles são
autograticantes, com potencial de desenvolvimento
de racionalidade substantiva.
Destaca-se a fenonomia (phenonomy, um neolo-
gismo proposto pelo autor) como um sistema social,
no qual se valorizam a criatividade e autonomia em
atividades automotivadas. Ressalta-se, porém, que é
ao atuar nas isonomias, no coletivo, num ambiente de
iguais, que amplie a capacidade crítica, em que têm
vez e voz, que os indivíduos se consolidam enquanto
agentes críticos e construtores de uma sociedade
multidimensional ou multicêntrica. Para o autor, as
isonomias não podem, entretanto, cair no erro da
“visão sociomórca” do ser humano, que o reduz à
dimensão social, carente de criatividade e autonomia
(GUEREIRO RAMOS, 1981, p. 30).
A ideia básica da economia social e solidária
(em que pese sua diversidade interna) aproxima-se
ao que Guerreiro Ramos (1981) sugere em termos
de estruturação da sociedade, pois não privilegia a

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