Forças armadas, governo bolsonaro e supremo tribunal federal: a expansão da competência da justiça militar e suas consequências para os direitos humanos e a democracia
| Autor | Juliana Cesario Alvim Gomes, Andrés del Río |
| Páginas | 229-262 |
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COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
Juliana Cesario Alvim Gomes1
Andrés del Río
2
CAPÍTULO 7
FORÇAS ARMADAS, GOVERNO BOLSONARO
E SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: A
EXPANSÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
MILITAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA
OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA
1 Professora Adjunta de Direitos Humanos da UFMG, onde leciona na graduação
e pós-graduação e coordena a Clínica de Direitos Humanos da UFMG. Doutora
e mestre em Direito Público pela UERJ e LL.M. pela Yale Law School, onde
também foi visiting fellow. E-mail: julianacesarioalvim@ufmg.br.
2 Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Ciência Po-
lítica IESP-UERJ. Chefe de Departamento de Geograa e Políticas Públicas
DGP-IEAR-UFF. Coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Estado, Institui-
ções e Políticas Públicas NEEIPP/UFF. E-mail: andresdelrio@id.u.br.
RESUMO
O artigo analisa o crescente desequilíbrio das relações civis-mi-
litares no Brasil por meio do envolvimento das Forças Armadas
em atividades atípicas, como àquelas relacionadas à segurança pú-
blica e ao combate ao crime, e do incremento de sua participação
política nos últimos anos. Argumenta-se que esse processo foi
acompanhado pela construção e ampliação de um arcabouço le-
gal visando a legitimar juridicamente essas atividades, incluindo
a ampliação da competência da Justiça Militar para julgar casos
DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA NO BRASIL A DISPUTA EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
PATRÍCIA PERRONE CAMPOS MELLO | THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE ORGANIZADORES
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INTRODUÇÃO
A natureza das relações entre civis e militares é um elemento crucial para
avaliar a existência, o fortalecimento, o desenvolvimento e a qualidade da demo-
cracia em um país. Com efeito, um regime democrático pressupõe a supervisão
e o controle civil sobre as instituições e atividades militares3.
3 Para uma síntese do debate sobre controle civil sobre militares, veja-se PASSOS,
Anaís Medeiros. Controlar os militares? Uma análise da dimensão de accountabi-
lity sobre a atuação doméstica das Forças Armadas no Brasil. Rev. Bras. Est. Def.
v. 6, nº 1, p. 51-77, jan./jun. 2019. A relação entre civis e militares foi e é objeto
de análise das mais diversas linhas teóricas. Estudos dedicaram especial atenção
ao período antes, durante e redemocratização na América Latina. A título de
exemplo, Stepan, Linz, O’Donnell, entre muitos outros. A transição para a de-
mocracia, características organizacionais, prossionalização das forças, o controle
civil, a transparência e as reformas institucionais, continuidades e rupturas são
algumas das linhas dos estudos (endógenos e exógenos), nas quais se reetem o
autoritarismo e democracia, sentidos e alcances. Posteriormente, a literatura de
justiça transicional se aprofundou no tema a partir das mais variadas óticas, como,
por exemplo, a dimensão das reformas institucionais.
envolvendo civis. Aduz-se que esse fenômeno ocorre perante si-
lêncios de instituições como o Supremo Tribunal Federal. Suas
graves consequências para os direitos humanos são exemplica-
das pelo caso da Chacina do Salgueiro ocorrida em 2017 no Rio
de Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE
Forças Armadas. Justiça Militar. Direitos Humanos. Democracia.
Supremo Tribunal Federal.
7 FORÇAS ARMADAS, GOVERNO BOLSONARO E SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: A EXPANSÃO DA COMPE-
TÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA
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JULIANA CESARIO ALVIM GOMES | ANDRÉS DEL RÍO
COLEÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL
No Brasil, o desequilíbrio nessas relações e seus riscos para a democracia
vêm sendo denunciados desde a edição da Constituição de 19884. José Murilo de
Carvalho, por exemplo, chama atenção para a omissão das instituições políticas
em controlar atividades militares e para a manutenção de institutos autoritários
durante a democracia, como o aparato de inteligência consolidado durante a di-
tadura militar5. Jorge Zaverucha, por sua vez, aponta a permanência de inúmeros
«enclaves autoritários» no Estado brasileiro, por meio «da presença militar no
aparato do Estado» e no «processo de tomada de decisão política»6.
Com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência em janeiro de 2019, há um
grave aprofundamento desse processo. Já no primeiro ano de mandato, o atual
governo estendeu a participação do número de militares, ativos e da reserva na
administração federal em pelo menos 325 posições, em 30 órgãos federais. Em
outubro de 2019, havia pelo menos 2.500 militares em posições de liderança
ou consultoria no governo7. Em fevereiro de 2020, pela primeira vez desde a
retomada da democracia, um general passou a ocupar a chea da Casa Civil. A
Secretaria de Governo e o Gabinete de Segurança Institucional são igualmen-
te ocupados por generais8. Em julho de 2020, o Tribunal de Contas da União
constatou haver «6.157 militares exercendo funções civis na administração pú-
4 A esse respeito, veja-se: ZAVERUCHA, Jorge; TEIXEIRA, Helder. A literatura
sobre relações civis-militares no brasil (1964-2002): uma síntese. Revista Brasi-
leira de Informação Bibliográca em Ciências Sociais, v. 55, p. 3-148, 2003.
5 CARVALHO, José Murilo de. Militares e Civis: um debate para além da Cons-
tituinte. In: CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil.
São Paulo: Todavia, p. 214-234, 2020.
6 ZAVERUCHA, Jorge. Frágil Democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares
(1990-1998). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2000.
7 MATTOSO, Camilla. BRAGON, Ranier. Bolsonaro amplia presença de mili-
tares em 30 órgãos federais. Folha de São Paulo. 14 out. 2019. Disponível em:
https://bit.ly/2Rs5zrJ. Acesso em: 7 fev. 2021.
8 ARCANJO, Daniela. Golbery na ditadura foi o último militar na casa civil. Fo-
lha de São Paulo. 13 fev. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
poder/2020/02/golbery-ainda-na-ditadura-foi-ultimo-militar-na-casa-civil-ve-
ja-lista-de-ministros.shtml. Acesso em: 7 fev. 2021.
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