Formação da Medicina Científica no Brasil

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Formação da Medicina
Científica no Brasil
Efetivamente julgo que o corpo não se trata por meio
do corpo [...] mas o corpo por meio da alma.8
INTRODUÇÃO
A história da relação entre médicos e pacientes, no Brasil,
ainda é bastante obscura. Muito embora haja boas obras acerca
da história da medicina brasileira, os objetos de estudo não são
idênticos. Deve-se proceder a um corte epistemológico que realce
os papéis, o exercício da medicina e os jogos de poder entre mé-
dicos e pacientes.
Essa empreitada apresenta grandes desaos, dos quais o
imenso pluralismo cultural do Brasil é apenas um. De fato, ele se
reete na medicina, pois só em um passado relativamente pró-
ximo seu exercício, passou a ser exclusivo dos médicos, e assim
é atualmente. A “medicina brasileira, ao menos até a vinda da
Corte Portuguesa para o Brasil, não podia ser considerada ciên-
cia. Diversos campos de saber interpenetravam-se no exercício
da arte curativa. As várias manifestações religiosas no Brasil con-
8 PLATÃO. A república. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1996, p. 146.
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Brunello Stancioli
tribuíram, sobremaneira, para a construção de uma medicina que
pode ser caracterizada como xamanista.
As normas jurídicas, delineadoras da relação entre médicos
e pacientes, também apresentam diculdades para o trato histó-
rico. Provêm de várias fontes, como leis, costumes profanos e re-
ligiosos etc. As vetustas Constituições do Arcebispado da Bahia
são um bom exemplo do exposto. Como será apresentado, foram
um rico manancial de normas que incidiram, à época, sobre o
exercício da sicatura.
Pluralismo, ausência de sistematização e falta de um campo
epistemológico bem delineado podem ser apontados como algu-
mas das diculdades para o estudo histórico da relação médico-
paciente no Brasil.
1.1 Fases históricas
O primeiro passo para o estudo histórico, ao que parece,
deve ser a delimitação de fases que se diferenciam por um critério
denido (e não sem uma certa arbitrariedade na escolha).
A nalidade precípua dessa exposição histórica é tornar
explícita a formação de bases positivistas da medicina no Brasil.
Assim, demonstra-se como a ciência “apropriou-se” desse campo
de saber e ganhou bases aparentemente autolegitimadas. Dessa
forma, o status (presente ou ausente) de ciência atribuído à medi-
cina no Brasil parece ser o melhor critério.
Assim, pode-se valer (com alguns ajustes terminológicos)
da periodização de Lycurgo Santos Filho, desenvolvida em obra
até hoje fundamental para o assunto9:
9 Cf. SANTOS FILHO, Lycurgo. História geral da medicina brasileira. São
Paulo: Hucitec, 1976, v. I, p. 5-13.

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