Formas irracionais de pensar: o pensamento místico

AutorFranz Josef Brüseke
CargoProfessor do departamento de Ciências Sociais da UFSC; é autor dos livros Chaos und Ordnung im Prozess der Industrialisierung (1991); A Crítica da Razão do Chaos Global (1993); A Lógica da Decadência (1996); A Técnica e os Riscos da Modernidade (2000) e publicou em co-autoria: Blätter von Unten (1981) e Riqueza Volátil (1997)
Páginas1-22
Franz Josef Brüseke*
Formas irracionais de pensar: o pensamento místico
simile simili cognoscitur
Resumo
Podemos constatar manifestações do pensamento místico desde os primórdios da
história humana. Este pensamento não restringe-se à uma época ou à uma região. Por
isso não seria exagero dizer que o pensamento místico tem mais traços intertemporais e
interculturais do que o racionalismo científico que foi essencialmente um produto do
pensamento metafísico ocidental. A mística faz a ponte entre oriente e ocidente, ela
expressa uma experiência tal fundamental que não deixou-se encapsular em uma das
grandes religiões mundiais, nem deixou-se expulsar delas, apesar das ondas
racionalizantes que também os grandes sistemas religiosos sofreram, em grau e
intensidade distinto.
O irracionalismo da mística cristã medieval possui certa evidência. Exatamente isto
dificulta o seu entendimento dentro dos padrões do racionalismo ocidental e de uma
mente treinada à racionalizar e identificar estruturas e estruturações inteligíveis. Esta
dificuldade não apresenta-se somente como tal, i.e. como a mera incapacidade de
entender um determinado fenômeno. Não-entendimento e repúdio daquilo que eu não
entendo andam, no caso da mística, frequentemente juntos.
A impressionante habilidade que o homem ganhou quando começava aplicar os
conhecimentos científicos no campo do trabalho, e o imenso crescimento dos seus
conhecimentos na exploração do mundo, contribuíram para o esquecimento gradual
mas progressivo das irrracionalidades que fundamentam e envolvem o seu fazer. Parece
oportuno nos lembrar daquilo que não está na alcance das nossas mãos e dos nossos
cálculos racionalizantes. Lembrar-se é somente possível quando ainda têm vestígios na
nossa alma daquilo que esquecemos. Um desses vestígios é um conceito que ainda está
presente no pensamento contemporâneo e que nos diz ainda "alguma coisa", apesar da
decadência dos grandes sistemas religiosos; é o conceito do sagrado. Este parece está
carregando a memória da pré-modernidade.
Palavras Chave:
Racionalidade, Irracionalidade, Mística, Sagrado
*Franz Josef Brüseke é professor do departamento de Ciências Sociais da UFSC; é autor
dos livros Chaos und Ordnung im Prozess der Industrialisierung (1991); A Crítica da
Razão do Chaos Global (1993); A Lógica da Decadência (1996); A Técnica e os Riscos
da Modernidade (2000) e publicou em co-autoria: Blätter von Unten (1981) e Riqueza
Volátil (1997).
Franz Josef Brüseke: Formas irracionais de pensar - o pensamento místico
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Não sabemos porquê, mas entendemos melhor as coisas quando pensamos em opostos.
Como entender a palavra esquerda sem recorrer ao seu oposto: a direita? Aliás o que
seria a esquerda sem a direita? Também enxergamos melhor as estrelas quando
nenhuma luz, a iluminação pública por exemplo, atrapalha a nossa visão. O brilho das
estrelas somente alcança os nossos olhos com um firmamento mergulhado na escuridão.
As estrelas precisam, para ser vistas, o seu oposto: a escuridão do universo.
Também as palavras para serem ouvidas precisam algo bem distinto de se mesmo.
Necessitam o silêncio para transportar a sua mensagem para os nossos ouvidos. Hora
quando eu falo, interrompo o silêncio. Extingo, assim, o contraste que dá vida as
minhas palavras. O exagero pode me levar à falar demais, rápido demais, alto demais.
Este exagero não interrompe somente o silêncio; ele extingue-o. Desta maneira, quando
a fala afasta-se longe demais do silêncio ela afasta-se também de um entorno que é
essencial para sua própria realização e torna-se falatório.
Como falar, então, sobre o próprio silêncio? O silêncio, parece, existe para nos mostrar
que a fala tem limites. Com a palavra silêncio denomino algo que desaparece
exatamente no momento quando digo: isto é o silêncio. O silêncio se subtrai, quando se
revela. É inalcançável por minhas palavras, pois é muito mais uma experiência do que
uma coisa, que posso etiquetar com conceitos.
Quando entramos numa das grandes catedrais medievais e fazemos alguns passos na
direção do altar sentimos logo que este lugar foi feito para dar espaço ao silêncio. A
conversa da rua, que nos envolveu minutos antes, cede e sentimos o peso das nossas
palavras, baixamos a voz e começamos abrir os nossos olhos, nossos ouvidos e nosso
coração.
O Eu inquieto
Eu sou o que quando digo: eu sou? Por um lado sou alvo dos ataques das minhas
pulsões. Pulsões que me empurram, que me vinculam com o passado e o presente
animalesco. Na verdade não são as minhas pulsões: eu sinto algo que me leva, que me
determina, que me conduz à ação não refletida. Na verdade eu não tenho as pulsões,
não possui elas como um dono possui e dispõe, as pulsões tem mîm.
Sou também o eco das exigências da consciência coletiva. Sinto o peso da moral social
e tento viver conforme as prescrições da sociedade. Os agentes da moral social, os pais,
a turma, a galera, o partido, a corporação etc. me pressionam para dar as respostas às
perguntas da vida conforme as regras estabelecidas por eles. O Super-Ego estampa o
rosto dos outros na minha cara. Ou como canta Raul Seixas: Enquanto você se esforça
para fazer tudo igual ...
O meu Ego tem uma posição difícil entre as ondas dos desejos que vem do Id e a
consciência moral, o meu Super-Ego. Posição difícil porque não posso me identificar
plenamente nem com um lado nem com o outro. Essa impossibilidade por sua vez não é
uma opção minha. O preço da identificação plena com as demandas animalescas seria,
tanto como a identificação plena com as demandas do Super-Ego a desintegração do

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