Formulação de políticas públicas: questões metodológicas relevantes

AutorCarmen Rosario Ortiz G. Gelinski/Erni José Seibel
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina
Páginas227-240

Carmen Rosario Ortiz G. Gelinski1/Erni José Seibel2 -Universidade Federal de Santa Catarina

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Introdução

A discussão sobre políticas públicas vem ganhando espaço nos últimos anos em diversos fóruns. Tanto no âmbito dos cursos de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) quanto dos Encontros de Sociedade de Economia Política (SEP) e da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), o assunto ganhou relevância com a constituição de grupos de trabalho ou mesas temáticas.

Não que a discussão dos temas ligados à gestão das políticas públicas e sociais não estivesse sempre presente em diversas áreas e que não se tenha trabalhos clássicos na literatura da Ciência Política, da Sociologia ou mesmo da Economia e da Administração. Só que no caso do Brasil, o tema ganharia impulso no fim dos anos 80, época em que estudos sobre a redemocratização do país e as novas formas de gestão do orçamento público - presentes na reforma constitucional de 1988 - viriam à tona.

Souza (2007) aponta três motivos que dariam maior visibilidade ao assunto no país. Em primeiro lugar, a adoção de políticas restritivas a gastos que seriam implementadas não apenas no Brasil, mas em boa parte dos países em desenvolvimento, desde os anos 90. Elas motivariam toda uma série de estudos para melhorar o desenho e a gestão das políticas públicas. Em segundo lugar, com a substituição do arcabouço keynesiano pelas políticas restritivas a gastos, as políticas sociais passariam a ter um caráter focalizado ao invés de universal. E, em terceiro lugar, nos países com democracia recente - caso dos países latino americanos - as coalizões não teriam conseguido, ainda, definir como se da o equacionamento entre recursos e necessidades da população.

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No Brasil, o avanço dos estudos nessa área já pode ser considerado significativo, se for avaliado pelo número de livros, papers ou artigos disponíveis, tanto que já é possível dispor de levantamentos do "estado de campo" ou do "estado das artes" sobre políticas públicas que, a modo dos tradicionais surveys , possibilitam uma visão ampla da discussão brasileira sobre o tema (REIS, 2003; SOUZA, 2006 e 2007; FARIA, 2003; MELO, 1999).

As políticas públicas são ações governamentais dirigidas a resolver determinadas necessidades públicas. As políticas podem ser sociais (saúde, assistência, habitação, educação, emprego, renda ou previdência), macroeconômicas (fiscal, monetária, cambial, industrial) ou outras (científica e tecnológica, cultural, agrícola, agrária). Usualmente o ciclo das políticas é concebido como o processo de formulação, implementação, acompanhamento e avaliação.

Este trabalho - de caráter eminentemente exploratório - tem por interesse resgatar os estudos feitos sobre formulação de políticas públicas. Em particular, interessa saber como se formula uma política pública, quem decide, que instituições intervêm nos processos decisórios, de que forma questões ou problemas passam a fazer parte da agenda de políticas e qual a finalidade das políticas públicas. Esta versão não esgota a análise da literatura levantada 3 , mas trata-se de um primeiro esforço nesse sentido. A discussão pretende dar continuidade a trabalhos anteriores preocupados com a avaliação de políticas públicas (SEIBEL e GELINSKI, 2007) e com a possibilidade das demandas da sociedade civil sensibilizarem os gestores de políticas públicas (GELINSKI, 2007).

Principais modelos de políticas públicas

Na literatura recente sobre políticas públicas, dois textos merecem atenção no que se refere ao levantamento de modelos de formulação de políticas públicas. Trata-se dos textos de Celina Souza (2007) - Estado da arte da pesquisa em políticas públicas - e de Ana Cláudia Capella (2007) - Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas . Um terceiro texto, não tão recente mas que pode ser considerado clássico por balizar a discussão sobre o tema no país, é o artigo de Klaus Frey (2000)

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- Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil . A apresentação dos principais modelos, a serem arrolados aqui, tem por base principalmente esses textos.

Tipo da política pública

As reações e as expectativas das pessoas que serão impactadas por uma política pública estarão condicionadas à forma como é resolvido o conflito (ou provável conflito) dela decorrente. A partir dessa concepção, Lowi ( apud FREY, 2000; SOUZA, 2007) classifica as políticas públicas em quatro tipos. O primeiro tipo - as políticas dis tributivas - é conformado por aquelas que beneficiam um grande número de pessoas, em escala relativamente pequena e com reduzido grau de conflito. O segundo são as políticas redistributivas , que impõem restrições ou perdas a determinados grupos, pelo qual tem um elevado grau de conflito. O terceiro tipo, as políticas regulatórias , são as que envolvem a burocracia, grupos de interesse na definição de ordens, proibições e regulamentações constitutivas, sendo que o seu grau de conflito vai depender da forma como se configura a política. Por último, as políticas constitutivas ou estruturadoras ditam as regras do jogo e definem as condições em que se aplicarão as políticas distributivas, redistributivas ou as regulatórias.

Incrementalismo

Os recursos públicos a serem destinados a programas ou ações públicas não partem do zero mas de "(...) decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas governamentais" (SOUZA, 2007, p.73). Se por um lado este modelo perdeu sua força em países que executaram processos de reforma fiscal, por outro está presente em programas herdados de gestões anteriores e que por determinados constrangimentos não podem ser abandonados. 4

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O ciclo da política pública - Policy Cycle

Tendo em vista o caráter dinâmico das políticas públicas, que podem sofrer modificações no processo de elaboração e implementação, Frey (2000, p.226) sugere a análise do ciclo político em cinco fases: (1) percepção e definição de problemas, (2) agenda setting , (3) elaboração de programas e decisão, (4) implementação de políticas e, finalmente, (5) a avaliação de políticas e as correções que se fizerem necessárias. Com essa classificação, o autor avança, em termos conceituais, em relação às classificações (de três fases) tradicionalmente propostas para o ciclo: formulação, implementação e controle.

O Modelo "lata de lixo" ( Garbage Can ) e Múltiplos Fluxos ( Multiple Streams )

Literalmente este modelo considera como se as alternativas estivessem numa lata de lixo, com vários problemas e poucas soluções. O modelo desenvolvido por Cohen e colaboradores (1972) considera que os gestores adaptam os problemas às soluções disponíveis e por isso seria freqüente a prática de tentativa e erro para resolver situações que demandem resposta dos agentes públicos. (SOUZA, 2007). A anarquia e a pouca consistência das organizações públicas seria uma constante.

O caráter anárquico das organizações públicas é também patente no Modelo de Múltiplos fluxos de Kingdon ( apud CAPELLA, 2007). Pela complexidade e quantidade de problemas com que lidam os formuladores de políticas públicas somente algumas delas serão consideradas na "agenda...

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