A Função da 'Personalidade do Estado' na Elaboração Penal do Fascismo Italiano: laesae maiestas e tecnicismo-jurídico no Código Rocco (1930)

AutorArno Dal Ri Jr. - Kristal Moreira Gouveia
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
Páginas226-249
Recebido em: 21/01/2019
Revisado em: 25/02/2019
Aprovado em: 11/03/2019
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2019v40n81p226
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A Função da “Personalidade do Estado” na
Elaboração Penal do Fascismo Italiano: laesae
maiestas e tecnicismo-jurídico no Código Rocco (1930)
The Function Of “State Personality” In The Criminal Elaboration Of Italian
Fascism: laesa maiestas and the technical-legal school in the Rocco Code (1930)
Arno Dal Ri Jr.1
Kristal Moreira Gouveia1
1Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
Resumo: O presente artigo discute a função da
personalidade jurídica atribuída ao Estado no
Código Penal Italiano de 1930 para a institui-
ção de categorias autoritárias e totalizantes. Para
isso, buscou-se inicialmente localizar a impor-
tância do Código no itinerário fascista de impo-
sição de poder. Foram analisadas quais funções
do direito penal foram flexibilizadas, ignoradas
ou atribuídas. Por meio da ressignificação da ex-
pressão laesa maiestas, focou-se na relação entre
a nova figura do Estado no contexto do Código
Penal e o deslocamento de tutela de reconheci-
mento de bens jurídicos posterior, em especial
no que se refere à virada punitivista, que col oca
o indivíduo como alvo e como possível ameaça
e não mais como sujeito da tutela jurídica. Por
fim, foram analisados os institutos maculados de
forma mais visível por essa característica e sua
reminiscência na atual legislação penal italiana..
Palavras-chave: História do Direito Penal.
Tecnicismo Jurídico. Legislação Criminal Ita-
liana.
Abstract: Italian Penal Code of 1930 to the
institution of authoritarian and totalizing
categories. To this end, it initially seeks to
locate the importance of the Code in the
fascist itinerary of power imposition. We
analyze which functions of criminal law were
flexibilized, ignored or attributed. Through
the resignification of the expression “laesa
maiestas”, we focus the relationship between
the new figure of the State in the context
of the Penal Code and the displacement of
guardianship of recognition of subsequent legal
assets, in particular approaching the punitivist
turn, that puts the individual as a target and
possible threat and no longer as a subject of
legal guardianship. Finally, we analyze the
tainted institutes of the actual Criminal Code,
those in which where there are in a more visibly
way reminiscences of this characteristc.
Keywords: Criminal Law History. Technical-
Legal School. Italian Criminal Law.
Seqüência (Florianópolis), n. 81, p. 226-250, abr. 2019 227
Arno Dal Ri Jr. – Kristal Moreira Gouveia
1 A Codificação Penal como Instrumento do Itinerário Fascista
Italiano
A edificação do regime fascista apoiou-se em uma série de movi-
mentos de ordem política, social e jurídica na tentativa de tornar totali-
zante o domínio sobre os setores da vida dos indivíduos, utilizando-se das
instituições como caixas de ressonância dos objetivos de um centro de
poder total e unificador. São movimentos que, segundo Emilio Gentile1,
caracterizariam o fascismo italiano imposto por Benito Mussolini a partir
1924 como uma modalidade peculiar de totalitarismo.
A produção de um sistema de legislação penal que traduzisse a
ideologia política do regime fascista italiano, portanto, fazia parte desse
itinerário2, sendo o ordenamento jurídico um reflexo dos princípios que
1 Em que pese a divergência doutrinária sobre a atribuição do termo “totalitarismo” ao
regime fascista italiano (muito embora este tenha sido o único dos regimes nacionalistas
europeus contemporâneos que autodenominou-se totalitário explicitamente, adota-se
aqui o conceito de Emilio Gentile (2008), que visualizando características religiosas no
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a charismatic dictatorship integrated in an institutionalized regime structure, based on the
single party and on mass organization and mobilization, in continuous construction to
make it consistent with the myth of the totalitarian State, consciously adopted as reference
model for the organization of the political system, and actually operating as fundamental
code of beliefs and behaviors imposed on botth the individual and the masses”. Vide,
também, sobre a ciência jurídica italiana no fascismo italiano COSTA, Pietro. Lo “Stato
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per la storia del pensiero giuridico moderno, 28 (1999), p. 61 ss.
2 É imprescindível compreender o itinerário das mudanças ocorridas na legislação penal
para a compreensão de seu papel no regime. Sobre isso “I lavori preparatori dei condici
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dalla quale nacque un gruppo ristretto, presieduto dallo stesso ministro. Un primo
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