Gilmar Mendes contra as ideias

AutorJoaquim Falcão, Thomaz Pereira, Diego Werneck Arguelhes
Páginas281-283

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Depois de 532 dias de silêncio (nos autos) o ministro Gilmar Mendes inalmente pronunciou seu voto no caso do inanciamento de campanha por pessoas jurídicas. Em seu longo voto, o já esperado indeferimento do pedido foi secundário. Mendes lançou acusações de que a ação seria tentativa de conseguir via Supremo, em benefício do PT, uma reforma política que o partido não conseguiria aprovar no legislativo.

No mundo de Mendes, o PT seria "autor oculto" por trás da OAB, que propôs a ação. Acusou outros ministros, a OAB, a Uerj e - por arrastamento - todos os demais acadêmicos e entidades sociais que questionam a doação de empresas para campanhas políticas de meros fantoches de interesses políticos escusos.

Se sobrou imaginação para conspirações, faltou a capacidade de levar ideias a sério. A história de Mendes só fecha em um mundo em que ideias - de acadêmicos, de ativistas e de seus próprios colegas de tribunal - não tenham poder algum.

Até aqui, Mendes está sozinho, no tribunal, em sua indignação contra a ação. Seis outros ministros já deferiram o pedido total ou parcialmente. Fizeram-no com base em ideias, e não sem grande discussão.

Foram também ideias e debates entre os 81 conselheiros da OAB que produziram a ação, e ideias e debates - tão complexos quanto necessários - que izeram com que proibição da doação de empresas se tornasse pauta defendida por amplos setores da sociedade, no Brasil

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e em diversas outras democracias, muito além do alcance deste ou daquele partido político.

Particularmente grave é ignorar o papel das ideias para se compre-ender a atuação da Faculdade de Direito da Uerj, que há alguns anos lançou uma Clínica de Direitos Fundamentais. A Clínica, que participa desse processo como amicus curiae, resulta da atuação conjunta de professores e alunos comprometidos com o constitucionalismo brasileiro. É um espaço onde ideias nutridas no debate acadêmico dialogam com movimentos sociais diversos e se transformam em ações judiciais. Pode-se discordar das ideias em si, mas são elas, e não a política partidária, o motor de tais iniciativas.

Se o problema de Mendes é com a integração entre acadêmicos de direito e ativismo judicial, ele foi duplamente derrotado na sessão de ontem. Perdeu no caso em si, mas perdeu também o bonde da história. Em diversos países, e cada vez mais em diversas...

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