O critério da fonte num cenário globalizado: imprecisões conceituais e o paradigmático caso Agassi

AutorJoão Victor Guedes Santos
CargoMestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Pós-Graduado em Direito Tributário Internacional pelo IBDT
Páginas242-258

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I - Introdução

Sem qualquer exagero nesta afirmação, pode-se dizer que o Direito Tributário Internacional existe primordialmente em função dos elementos de conexão. São estes os nexos relacionais mínimos entre dada situação de fato e um território, os quais justificam a possibilidade de um Estado exercer plenamente sua soberania fiscal e, por conseguinte, exigir tributação.

Portanto, os inúmeros elementos de conexão passíveis de serem delineados podem acarretar pretensões tributárias por parte de mais de uma soberania, produzindo, por consequência, o fenômeno da dupla ou plúrima tributação. Note-se que mesmo a adoção de apenas um único elemento de conexão pelos Estados tem o condão de resultar em pretensões tributárias múltiplas, como ocorre quando duas ou mais nações clamam pela residência de uma pessoa ou se declaram fonte de um dado ganho ou rendimento.

A tributação com base na localização da fonte de ganhos e rendimentos vem adquirindo progressiva importância no cenário de globalização com que nos deparamos. A mobilidade dos fatores e dos agentes produziu uma verdadeira crise do Imposto de Renda entendido na sua feição tradicional, o que conduziu Marco Aurélio Greco a afirmar que as atuais circunstâncias demandam a necessidade de se instaurar efetivo deslocamento da tributação baseada no critério da residência para a imposição fiscal com fundamento no critério da fonte, sem que, contudo, se abandone aquele elemento de conexão.1 É no contexto da tributação fundada no critério da fonte que se insere este estudo.

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Reconhecido internacionalmente como critério suficiente para embasar o exercício de soberania fiscal, não se objetiva, nesta oportunidade, a análise das justificativas teóricas existentes em prol de uma tributação com base no critério da fonte, em detrimento da tributação com arcabouço no critério da residência. O presente estudo tem o escopo de clarificar o sentido do intrincado critério da fonte, que, embora seja tido como elemento de conexão justificador de imposições tributárias por parte de uma nação, ainda hodiernamente suscita muitas dúvidas no que toca a sua aplicação. No cenário da efetivação do critério da fonte, diferentemente da seara relacionada à sua própria justificação, está-se diante de substanciais imprecisões conceituais.

A análise doravante desenvolvida terá como pano de fundo um precedente jurisprudencial muito importante da Hou-se of Lords, última instância da Justiça britânica até 1° de outubro de 2009:2 o caso Agassi. O referido caso foi um dos precedentes estrangeiros que com mais fundamentos analisaram a extensão do critério da fonte, discutindo até que ponto poderia uma nação exigir tributação sobre rendimentos percebidos por não-residentes de fontes pagadoras situadas no exterior.

Nada obstante a relevância do caso Agassi, as linhas que seguem não estarão restritas a ele.

Primeiramente, serão expostos os fatos desse precedente britânico, aguçando a curiosidade do leitor e forçando-o a raciocinar sobre a decisão que seria mais adequada à situação descrita. Para tanto, nos tópicos em sequência serão dispostos e analisados argumentos doutrinários que visam a discutir o critério da fonte, atribuindo maior precisão conceitual a este elemento de conexão vis-à-vis a noção de soberania fiscal como limite para qualquer imposição tributária.

Depois desse momento, será comentada a decisão conferida pela House of Lords, a qual, em razão da similitude dos conceitos compulsados, será de imenso auxílio no posterior desenvolvimento de abordagem crítica sobre teorias que visam a contestar, sob um espectro de jurisdição fiscal, a tributação de ganhos de capital de não-residentes imposta pela legislação brasileira.

II - Caso "Agassi": os fatos

Andre Agassi foi um tenista muito renomado no cenário internacional. Cidadão e residente dos Estados Unidos, disputou inúmeros torneios do circuito da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) ao longo de sua carreira, tendo vencido muitos deles. Dentre esses torneios destacavam-se os disputados no Reino Unido, no-tadamente o de Wimbledon, um dos quatro torneios mais importantes do mundo (conhecidos como Grand Slam).

Basicamente duas eram as maneiras pelas quais Andre Agassi era remunerado no decorrer de sua carreira de tenista profissional: (i) premiação fornecida pelos organizadores dos torneios de que participava, em razão de sua performance em quadra; e (ii) publicidade e direito de imagem recebidos de seus patrocinadores.

No que tange à primeira forma de remuneração, as legislações nacionais cos-tumeiramente exigiam a retenção de Imposto de Renda por parte da fonte pagadora, o que fazia com que os tenistas, dentre eles Andre Agassi, recebessem a premiação após as incidências tributárias devidas. Neste caso, estando fonte de produção e fonte de pagamento - critérios estes que serão analisados adiante - no país em que o torneio é disputado, inconteste era a possibilidade de exigência de tributação sobre os valores percebidos por tenistas domiciliados em outros países.

A discussão que fez com que o caso Agassi adquirisse notoriedade no cenário

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internacional corresponde à questão de se o Fisco britânico poderia exigir tributação sobre os valores recebidos por Andre Agassi de seus patrocinadores, o que aconteceu relativamente aos anos-calendário de 1998 e 1999.

Vejamos com detalhes os fatos que ensejaram essa imposição tributária do Reino Unido.

À época do ocorrido, Andre Agassi detinha uma empresa norte-americana denominada Agassi Enterprises Inc., cujo objeto incluía a celebração de contratos com fabricantes de materiais e equipamentos esportivos com vistas a que o ex-tenista os utilizasse no circuito profissional, divulgando-os. Dois desses contratos tornaram-se relevantes no caso em comento: (i) o contrato firmado com Nike Inc. ("Nike"), datado de 1° de janeiro de 1995; e (ii) o contrato firmado com Head Sport AG ("Head"), datado de 1o de janeiro de 1999.

Em razão de tais contratos firmados, a empresa controlada por Andre Agassi recebeu, no decorrer dos anos-calendário de 1998 e 1999, valores substanciais a título de patrocínio, os quais foram considerados pelo Fisco britânico como sendo tributáveis no Reino Unido. Esta imposição tributária ocorreu mesmo (i) sendo Andre Agassi cidadão e residente dos Estados Unidos; (ii) estando a sua empresa domiciliada nos Estados Unidos; (iii) sendo Nike e Head empresas domiciliadas nos Estados Unidos que não conduziam negócios no Reino Unido direta ou indiretamente, através de filiais ou agências; e (iv) não tendo os pagamentos em comento sido efetuados no Reino Unido.

O caso Agassi traz subsídios muito interessantes para a discussão do conceito de fonte que aqui se propõe. Embora seja tido como um dos mais relevantes elementos de conexão existentes, o critério da fonte ainda hoje é pouco compreendido, o que resulta em dificuldades no pleno entendimento da extensão da soberania fiscal dos Estados nacionais.

Diante disto, passa-se neste momento à elaboração de análise conceitual do critério da fonte visando a verificar até que ponto podem os países exercer plenamente o seu poder tributante com base nesse elemento de conexão. Apenas depois de tal análise será mencionada e comentada a decisão proferida pela House ofLords em 2006, quando foi definitivamente julgado recurso do Fisco britânico relativamente ao caso Agassi.

III- Soberania fiscal e elementos de conexão

Qual Estado nacional detém o direito legítimo de tributar determinados signos de riqueza? Todos eles, independentemente de haver uma relação intrínseca entre o fato econômico e os seus respectivos territórios, ou apenas um ou alguns deles, que se mostrem minimamente relacionados a determinado fato a ser juridicizado?

As questões acima propostas remetem-nos ao conceito de soberania estatal e seus atributos. Dentro de seu território, um Estado é soberano para tomar as decisões que julgar pertinentes em face de suas necessidades. O Estado tem o poder de disciplinar os aspectos jurídicos de fatos conforme os seus anseios políticos, atribuindo-lhes os mais diversos efeitos possíveis, dentre eles os tributários. Isto posto, pode-se concluir que a soberania do Estado delimita a sua jurisdição fiscal, demonstrando de que forma a nação é fiscalmente soberana.

Neste sentido, expressa Rutsel Mar-tha que em princípio a jurisdição fiscal não pode existir sem que haja soberania, sendo aquela um dos atributos desta. De acordo com o entendimento do mencionado jurista, havendo uma soberania e, con-sequentemente, um Estado, poderá ser exercida a jurisdição, inclusive a fiscal.3

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Ainda que se pense que uma nação em tese não pode sofrer limitações em seus poderes, a convivência entre Estados reunidos numa comunidade internacional já faz pressupor a existência de algum limite ao poder soberano estatal. Para Gui-do Soares, a história e os fatos atuais mostram que a autolimitação não advém de uma decisão soberana, ficando suas raízes na inevitabilidade de um convívio com outras nações soberanas e na necessidade da existência de uma relação que não gere permanente estado de agressão recíproca.4 A este fenômeno há quem atribua a denominação de "paradoxo da soberania", porquanto a autodeterminação interna e o reconhecimento de reciprocidade externa compõem a própria noção de soberania.5

Consoante a posição de Gerd Roth-mann sobre o tema, inicialmente exarada há mais de três décadas,6 mas recentemente reiterada,7 não haveria obstáculo de Direito Internacional Público que impeça os Estados a estenderem seus fatos geradores para além de suas fronteiras. Embora reconheça a existência de...

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